APRESENTAÇÃO
Partindo da
literatura, o objetivo do evento Entre-lugares: Arte e Pensamento foi tanto
pensar a arte enquanto um entre-lugar como os infinitos entre-lugares que se
podem realizar nos esbarros da literatura com outras artes e modos do
pensamento, seja a pintura, a música, o teatro, a performance, a filosofia,
a psicanálise etc. Através destas interfaces entre a literatura e seus
pares, buscou-se um diálogo interdisciplinar que fizesse circular o
pensamento.
A raridade de eventos que favoreçam a exposição de teorias sobre a
literatura e a arte em suas diversas modalidades tornou este colóquio uma
experiência de grande interesse para a construção do conhecimento e o
diálogo interdisciplinar no âmbito universitário. A presença de
pesquisadores acadêmicos e artistas tornou o colóquio uma oportunidade única
para tal diálogo à medida que permite o debate e a troca de experiências,
ambos enriquecedores, para se aperfeiçoar o encaminhamento de pesquisas
acadêmicas e incentivar novas formas do pensar. O formato do evento ligou-se
a um conceito longamente defendido pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência
da Literatura de que os estudos na área de literatura, no que se refere à
teoria, ao comparatismo e à hermenêutica, tendem a ampliar seu escopo
reflexivo por meio das múltiplas visões de sujeitos que se relacionam com a
arte de modos diferentes. Assim, um evento como este, além de proporcionar
ganhos significativos no campo da pesquisa científica, dinamiza a interação
entre o corpo discente e o conhecimento elaborado a partir da interface do
campo acadêmico e artístico.
Em tudo o que se encontra de antemão legislado e eticamente pré-determinado,
as pessoas se reconhecem, habitualmente, como territorializadas,
centralizadas, classificadas, enfim, tópicas, assentindo em se tornarem
passíveis de uma repetição infindável do que já fora experimentado por
muitos. Poder-se-ia dizer que o que se divulga pela arte é a intensidade do
encontro de um não-lugar com todo e qualquer lugar, que passa a deslizar,
perder-se em uma experiência constantemente renovada. A arte torna todos os
lugares permeáveis a um não-lugar onde qualquer fixidez se desassenta, se
desloca, se desterritorializa, se desnorteia, se desorienta, para dar luz a
novas imagens deste desterro. A partir de sua exclamação, ela é capaz de
mostrar, no previsível, o imprevisível que o transpassa, no habitual, o
inabitual que o risca, no sólito, o insólito que o compõe, no contínuo, o
descontínuo do qual ele é apenas um rosto... Neste jogo tensivo entre o
lugar e o não-lugar, pode-se dizer que, híbrida, a arte é um entre-lugar.
Tais deslimites da arte necessitam dos limites previamente estabelecidos:
para superar a relação sujeito-objeto, precisa-se de um e de outro, para
transitar por um entre verso e prosa, precisa-se de um e de outro, para
flagrar possibilidades entre o filosófico e o banal, precisa-se de um e de
outro... Neste entre-lugar, que utiliza as imagens dadas pelo que está à sua
volta para, através delas, deixar ser deflagrada a força que tudo passa a
controlar, descontrolando o prévio controle estabelecido e consensual, tudo
está submetido à ininterrupta força de criação.
É este elogio pensado à arte, à criação, que os textos deste número da
Revista Garrafa buscam realizar. Todos os ensaios aqui presentes são
oriundos das apresentações discentes efetuadas no evento Entre-lugares: Arte
e Pensamento, constituindo-se assim como o lado escrito daquilo que, um dia,
foi oral. Estar à altura da arte realizada neste país é o desafio maior que
qualquer pensamento teórico exercido no Brasil deve enfrentar – certamente,
esta foi a requisição enfrentada por todos aqueles que se aventuraram em tal
caminho.
Alberto Pucheu |