O Chamado Selvagem da Sobrenatureza:

Leonardo Fróes e Gary Snyder

 

Mauro Cézar de Souza Junior

(Aluno do Mestrado em Teoria Literária pelo Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura da UFRJ)

 

Numa passagem de sua entrevista à Revista Azougue, Leonardo Fróes destaca a importância dos “mestres modernistas” – “Oswald, Mário, Drummond, Murilo Mendes” (Fróes: 2003, p. 7) – em sua formação como poeta, e se assume “um leitor de clássicos e quase analfabeto em literatura contemporânea” (id.). Diante dessa afirmação, o poeta e editor Sérgio Cohn, um dos entrevistadores, lembra do epíteto comumente atribuído a Fróes, “beat brasileiro”, o que Leonardo vincula, então, à sua participação como ensaísta da antologia Alma Beat, publicada em 1984, dizendo não observar muita semelhança entre os textos beats e sua poesia, muito embora os leia desde os anos 60 e se identifique com a “vivência” (ibid.) e com a “visão de vida” (ibid.) desses poetas[i], além de perceber uma ligação entre a sua obra e a de Gary Snyder, graças à relação intensa que ambos têm com a natureza (ibid.). De fato, não apenas por Leonardo Fróes ter sido, no Brasil, um dos primeiros e mais apaixonados divulgadores do pensamento ecológico, da mesma maneira que Snyder o foi nos Estados Unidos, ambos parecem ter acesso, via poesia, a uma potência do elemento natural que promove uma total interconexão entre tudo o que existe, desfazendo supostas fronteiras e limitações impostas pelo pensamento ocidental. Todavia, antes que seja proposto um diálogo entre as poéticas em questão, parece necessário destacar algumas questões introdutórias acerca da chamada “geração beat” e da especificidade de Snyder diante dela. Para isso, além do livro de André Bueno & Fred Goes (1984), O que é Geração Beat, e do texto de Luci Collin que abre a antologia de Snyder recentemente lançada no Brasil, será utilizado o ensaio “Histórias Beats”, do próprio Leonardo Fróes (1984), publicado na já referida coletânea Alma Beat.

Os artistas[ii] incluídos entre os beats, situados, como aponta Leonardo Fróes, na “origem vulcânica dos rebeldes anos 50, quando a poesia americana quis ser um estilo de vida” (Fróes: 1984, p. 11), não constituíram um movimento organizado em torno de um programa estético ou político comum (Bueno & Goes: 1984, p. 8). O que os unia era a rejeição à poesia acadêmica e a um intelectualismo estéril dos anos 30 e 40, além da busca por uma indiferenciação entre poesia e vida (id, p. 60) e da “incorporação (…) do movimento constante como sinônimo de liberdade” (ibid., p. 13) – incorporação esta que lhes confere a alcunha de “geração em movimento”, que ia “dos poemas às estradas, passando por bares e cafés, festas e drogas, comunidades e qualquer outro palco onde estivesse a vida” (ibid., p. 10). André Bueno & Fred Goes acreditam que a “linha-mestra” da poesia beat esteja na “retomada da tradição oral e da função social do poeta” (ibid., p. 63), numa verdadeira “recuperação da palavra poética falada e cantada” (ibid., p. 50).

Daí as famosas leituras de poesia em lugares quase sempre não muito convencionais – bares, pequenos teatros, casas de Jazz, residências particulares etc.[iii] (ibid., p. 62) –, o que teve como conseqüência a popularização de uma literatura “fora do circuito comercial das editoras e dos trâmites do prestígio acadêmico” (ibid., p. 62), beirando o “abandono do veículo livro e da tradição da palavra impressa[iv]” (ibid., p. 67). E como a oralidade/musicalidade dessa poesia era “inalcançável pela ótica square (careta, conformista)[v]”, seu beat (batida), seu feeling (sentimento) e seu swing (ginga, balanço) foram vistos pela crítica como “‘descuido formal’, displicência no ‘acabamento’, ausência de ‘síntese’ e excessiva ‘discursividade’” (ibid., p. 13), acarretando um longo silêncio acadêmico em relação aos beats e um preconceito que ignora sua alta erudição[vi].

Dentre os variadíssimos elementos que compõem o universo beat, Leonardo Fróes considera mais essencial o ímpeto de “escrever sobre si mesmo”, alimentado pelo “desejo de restituir à poesia uma qualidade sangüínea” (Fróes: 1984, p. 13), torná-la, mais uma vez, uma “prática literária que parte da realidade concreta do indivíduo”, dando voz “a uma seqüência de instantes, aos ritmos da própria estranheza de quem se põe a escrever[vii]” (id., p. 14). Por outro lado, Bueno & Goes vêem uma unidade na literatura beat em seu diálogo com o Jazz, estilo musical que despertou o interesse dos poetas não apenas pelo fato de ter sido visto como “a linguagem musical da América” (ibid., p. 62), mas “pela sua própria capacidade de traduzir e envolver muito além das palavras, muito além do bom-senso ou da boa intenção moralizante”, graças à sua “forte carga sexual” (ibid., p. 62). Os beats, “cujo serviço histórico mais firme”, conforme aponta Leonardo Fróes, “foi justamente revelar que o modelo [capitalista norte-americano], vazio monumental de aparências, na realidade não passa de uma trama com furos” (Fróes: 1984, p. 16), “demonstraram no tempo e no próprio corpo à América que o materialismo consumista não sacia a fome do homem” (id., p. 12); para eles, a cultura do Jazz se posicionava contra o macartismo reacionário do pós-guerra, e tinha, portanto, “um sentido terapêutico”, “de Saúde, de Cura” (Bueno & Goes: 1984, p. 19): era

 

a força do Sagrado-Profano, do não-racional, da presença firme do corpo pulsando, das pulsões e pulsações livres e rebeldes numa sociedade careta, de produção e troca de mercadorias, reificada e alienada numa maneira de viver congelada e num evidente desequilíbrio vital, sinônimo de Doença. (id.)

 

Leonardo Fróes salienta que, em relação à literatura existencialista européia, contemporânea dos beats, “a fala americana de resistência aos padrões inclui com grande freqüência uma convicção de esperança” (Fróes: 1984, p. 14): “a alma beat, cheia de estilhaços doídos e loucuras de esquina, ao mesmo tempo se levanta como afirmação musculosa, traz dos descampados absortos uma nova energia que (…) permite recobrar o entusiasmo” (id., p. 15).

Para se libertarem do materialismo doentio, os beats, além do Jazz, ainda incorporaram, em suas vidas e textos, a espiritualidade, sobretudo oriental – o Zen-budismo, o Hinduísmo etc. –, que, somada ao amplo uso de diversas drogas, contribuiu para o caráter visionário e imageticamente inovador da literatura que praticaram (Bueno & Goes: 1984, p. 61). Dessa maneira, “não buscaram força apenas dentro da cultura do seu país, mas também fora” (id., p. 22), misturando, a seu modo, a batida e o envolvimento hipnótico das improvisações do Jazz – “principalmente do Bop, o Jazz posterior a Charlie Parker” (ibid., p. 62) – e alguns ideais sobretudo do Zen-budismo, como “a possibilidade de Silêncio, a Meditação, a Calma, a noção de Vacuidade do Ego, o Desapego Material e tudo o mais que pudesse conduzir a alguma forma de Beatitude, de Iluminação” (ibid., p. 22) e que, logo, se opusesse a “uma cultura verborrágica, palavrosa, cheia de retórica, mas mentirosa e injusta, extremamente materialista”[viii] (ibid., p. 23). Vale destacar as palavras de Roberto Muggiati, em seu ensaio “Beats & Zen”: “o Zen nada tem de místico ou de religioso. É, mais do que tudo, um modo de ação”[ix] (Muggiati: 1984, p. 106).

Embora Umberto Eco, citado por Muggiati, afirme a existência, dentro do Zen, de “uma atitude fundamentalmente antiintelectualista, de elementar e decidida aceitação da vida em sua imediação, sem tentar justapor-lhe explicações que a tornariam rígida e a matariam, impedindo-nos de colhê-la em seu livre fluir” (Eco apud Muggiati: 1984, p. 108), o Zen-Budismo, enquanto uma “disciplina ascética e moral, de recolhimento e silêncio”, parece chocar-se contra “o pique dos Beats, anárquicos, liberando e buscando prazer” (Bueno & Goes: 1984, pp. 23-24). Talvez por isso “a maneira como o Zen foi incorporado pelos Beats (…) não foi igual para todos os poetas, prosadores e teóricos da época”, sendo Gary Snyder, poeta de São Francisco, estudioso de línguas orientais, “quem melhor incorporou o espírito do Zen, ao seu trabalho poético, à sua própria vida” (id., p. 24), chegando a receber instrução formal num mosteiro do Japão. Roberto Muggiati o chama de “zenista” (Muggiati: 1984, p. 107) e afirma que, “de todos os escritores associados ao movimento beat, foi o que mais se aproximou do verdadeiro Zen”[x] (id., p. 108); Bueno & Goes lembram do famoso epíteto “Monge Budista da Geração Beat[xi]” (Bueno & Goes: 1984, p. 70).

Considerado por Leonardo Fróes um dos “beats bem mais calmos”, “pioneiro do recolhimento e da meditação[xii]” (Fróes: 1984, p. 12)”, Snyder se dedicou à escritura de poemas em muitos pontos diferentes do que normalmente se espera de um poeta de sua geração: sua poesia é “concisa, de um artesanato sutil e preciso, bastante distante do ‘derramamento oracular’ de Ginsberg ou do longo fôlego dos poemas para serem falados, recitados, cantados” (Bueno & Goes: 1984, p. 72), incorporando o Zen “em formas sintéticas” que revelam uma intensa entrega à meditação, à pobreza voluntária e ao contato com a natureza[xiii] (id., p. 71). É exatamente a partir deste último ponto – a intensa contemplação do elemento natural[xiv] –, que observamos “um dos fundamentos da obra de Gary Snyder”, de acordo com Luci Collin e que aqui nos interessa diretamente: “a percepção da conexão e interdependência entre todas as coisas – seres, pedras, lixo, estrelas” (Collin. In: Snyder: 2005, p. 10). O papel da poesia seria exatamente propiciar tal percepção; mais uma vez com as palavras de Collin, “a poesia é, para Snyder, um fio que liga o homem ao resto do universo, é o instante da percepção, da revelação tanto da vida do planeta quanto do indivíduo neste planeta” (id., pp. 11-12), desencadeando uma “ética de respeito ao humano e não-humano” (ibid., p. 12) cuja leitura “promove uma entrega onde a experiência artística é também experiência religiosa, de reconhecimento dos reinos que formam a vida, e do homem como unidade ameaçadora e ameaçada” (ibid.).

Contemplar, nas palavras de Gary Snyder, a “interpenetração de todos” (Snyder: 2005, p. 149) significa detonar as amarras criadas pela razão ocidental – entre elas a idéia de indivíduo. Num dos poemas de Snyder (id., p. 89), a palavra “eu” aparece grafada entre aspas, denotando sua artificialidade (cf. Frank & Sayre apud. Collin. In: Snyder: 2005, p. 299), o que, para um poeta que, como todos de sua geração, tem sua obra marcada pela enunciação em primeira pessoa, só não soa descabido por não passar de um eco do ideal zen de vacuidade do Ego. No poema intitulado “Como a Poesia chega a mim”, a subjetividade – tradicionalmente atribuída à poesia lírica –, é posta em xeque:

 

Ela vem tropegando por sobre os

Seixos à noite, fica

Acuada fora do

Alcance da minha fogueira

Vou a seu encontro no

Limite da luz (Snyder: 2005, p. 159).

 

A poesia não é originada a partir da interioridade do poeta: ela vem de fora, do alto; o poeta deve ir “a seu encontro no limite da luz”. Para o poeta que se sente ligado à totalidade da natureza, o subjetivo e o exterior são a mesma coisa.

A mesma articulação foi observada por Alberto Pucheu (1999) na obra de Leonardo Fróes: “entre as questões fundamentais da poesia de Fróes, saliento uma, trabalhada ao longo de sua trajetória: a do poeta que, lançado em busca de si mesmo, encontra somente a perdição e o constante devir”, impossibilitando “a dicotomia entre mundo exterior e mundo interior, dissolvendo a subjetividade no comunitário ou, mais freqüentemente, na natureza”, numa “ambiência de ‘desrespeito aos limites’” (Pucheu: 1999). “Não há paredes para o grito de se sentir existente” (Fróes: 1998, p. 67): Pucheu nomeou esta experiência de “despersonalização extática”, porque, à saída de si, sucede o devir entre os reinos normalmente divididos – em outras palavras, a incorporação da alteridade (id.). Para Fróes, o estado poético é um

 

baque

que derruba a gente

no estranhamento (Fróes: 1998, p. 162).

 

Quando escreve, a fala que vêm ao encontro do poeta “já é estranha totalmente à idéia habitual de quem sou” (id., p. 134), como um momento erótico em que “você no máximo percebe que está entrando, gozando em outros organismos, desaparecendo, sumindo dessa idéia diária de existir um você” (ibid., p. 130):

 

Por muito tempo eu não soube o que é experiência poética. Hoje tem sido para mim uma via de conhecimento, como qualquer outra. Não é pelo valor do objeto que ela te comunica, mas por aquela espécie de transe que você passa, quando está com a atenção muito concentrada e vai recebendo uma série de informações, que vem de lá de não sei onde, que mostram o seguinte, que sua personalidade, o que você acha que é, é na realidade sua arma de defesa. (…) E se descobre que, na melhor das hipóteses, o que chamamos de personalidade não passa de um lapso de memória (Fróes: 2003, p. 11).

 

Fora de si, o poeta se lembra das verdadeiras dimensões do seu eu:

 

Lições de nada

que me deixam vazio, no entanto imenso, participando desse quebra-cabeça

montado sem finalidade na moldura infinita que não se encaixa (Fróes: 1998, p. 239).

 

Sobretudo a partir do terceiro livro de Fróes, Esqueci de avisar que estou vivo, de 1973, o mundo natural é o principal outro no qual se dissolve o sujeito poético. “Nos últimos anos”, declara o poeta, “a influência maior [na poesia] é dessa vivência da natureza. São já trinta anos que estou enfiado no mato. Vira e mexe estou na mata. E a mata você não enfrenta impunemente” (id., p. 7):

 

Eu não sei mais o que sou eu e o que é a natureza. Acho que eu sou a natureza, ou a natureza me é. A minha imersão é tão grande, e já são tantos anos que eu vivo no meio das árvores, animais, dos rios e das montanhas, que não tenho mais essa noção que sou coisa distinta deles. Que a natureza é outra. Acho que sou parte disso, sinto isso de maneira carnal, corpórea. Muitas vezes, por exemplo, diante de uma árvore, não sei mais quem é árvore, quem é homem. (id, p. 11)

 

Com seu “ritmo nunca monótono[xv]” (ibid., p. 9), a natureza, continua Fróes, “como a poesia, é uma ameaça, ela pode aniquilar algo que é seu para fazer você se transformar em outra coisa” (ibid.): “o sol na cara derretendo impressões. Camadas faciais caindo, paredes cranianas rachando para o ar penetrar. Mas a luz o invade: é a plenitude sem máscaras” (Fróes: 1998, p. 330). Diante da natureza, ou melhor, nela, o poeta sente uma “desproteção total violenta” (id, p. 281), e quando a contempla apenas espia

 

essa nudez de coisas que se entregam

à embriaguez da própria criação (ibid., p. 72).

tudo isso são momentos

de uma estranha parceria

que abaixa a crista do homem

e depois logo o extasia.

A vida é maior que a gente

e mais do que a gente espia (ibid., p. 288)

 

O eu em êxtase submete-se à totalidade da natureza sem indagá-la (cf. ibid.), entrega-se à “participação desmedida entre todos os seres e coisas que naturalmente acontecem” (ibid., p. 126), transforma-se “em película, imagem, aragem, escama, poeira ou filtro, qualquer coisa que eu sinto sem poder definir com uma palavra qualquer” (ibid., p. 178). Está rompida a membrana que supostamente divide os reinos, abre-se espaço para o devir que não cessa de demonstrar a pequenez progressiva do homem, sua “insignificância perfeita” (ibid., p. 120):

 

minha violência afetiva

logo desmanchada em capim

sem mim ou misericórdia (id., p. 201)

vou virando pedra e livre

vou virando cisco (ibid., p. 94).

 

Fróes afirma a inexistência das pessoas, que não passam de “articulações hipotéticas onde a energia ambiental se polariza e se encaixa” (ibid., p. 130); de maneira semelhante, Gary Snyder, com seu “estilo de vida ligado à terra, à família e ao lugar” (Collin. In: Snyder: 2005, p.11), acredita que o sujeito só poderia buscar sua identidade no ambiente, no lugar em que vive (Snyder: 2005, p. 242): trata-se da tentativa de recuperar o “‘onde’ do ‘quem somos nós?’” (id.). O princípio articulado aqui é, de acordo com Luci Collin, a idéia de “conhecer o lugar antes mesmo de começar a jornada para o conhecimento de si próprio” (Collin. In: Snyder: 2005, p. 11) – em outras palavras, voltar a “habitar”, “re-habitar”, já que, com as palavras do poeta norte-americano, “hoje há muitas pessoas no planeta que não são ‘habitantes’. Longe de suas aldeias natais, afastados dos territórios ancestrais; mudaram-se do campo para a cidade” (Snyder: 2005, p. 242). Urge, logo, recuperar o “espírito do que significava estar lá”, o apego à terra, para ter a “capacidade de ouvir a canção de Gaia naquele lugar” (ibid., p. 248). Caso esquecêssemos da biografia de Gary Snyder – que, sabemos, muito caminhou, muito pegou carona, e até mesmo viveu durante anos no Japão –, haveria aqui mais uma de suas especificidades em relação aos seus companheiros beats, marcados que estes são por um impulso nômade, perambulante. Entretanto, Gary Snyder deixa claro que “a habitação não significa ‘não-viajar’. O termo em si não define o tamanho de um território” (ibid., p. 244). Na poética/ética de Snyder, habitar tem um sentido bem mais complexo do que simplesmente ser sedentário.

Para que nos tornemos habitantes, Gary Snyder sugere, recorrendo à nomenclatura cunhada por Ray Dasmann, um aprendizado a partir do modelo das “culturas de ecossistema”, “aquelas”, define o poeta, cuja base econômica de sustentação é uma região natural, uma bacia hidrográfica, uma zona de plantio, um território natural dentro do qual elas têm que obter seu sustento” (ibid., p. 224). Snyder afirma que uma cultura de ecossistema “está profundamente enraizada em sua própria identidade”; nela, habita-se de maneira cuidadosa, ao contrário do que ocorre com as “culturas de biosfera”, “que expandem seu sistema de apoio econômico, a ponto de se permitirem destruir um ecossistema e continuar avançando”, movimento que culmina no ideal imperialista[xvi] (id.). “O que nós chamamos de civilização”, diz Snyder, “é uma fase de sucessão primitiva: um sistema imaturo de monocultura. O que nós chamamos de primitivo é um sistema maduro com capacidades profundas para estabilidade e proteção incorporadas” (ibid., p. 231),

 

Porque nenhum lugar é mais do que outro,

Todos os lugares são totais,

E nossos tornozelos, joelhos, ombros &

Quadris sabem bem onde eles estão. (ibid., p. 169)

 

A derrocada do etnocentrismo: “todo mundo na Terra”, define Gary Snyder, “é um nativo do planeta. Toda poesia é ‘nossa’ poesia. (…) Há quarenta mil anos somos um povo. Somos todos igualmente primitivos” (ibid., pp. 234-235). Snyder assegura que poderíamos aprender com as culturas de ecossistema através de uma etnopoética que, como “um novo humanismo” (ibid., p. 220), levaria em conta “toda a longa experiência do Homo sapiens”, pois, desde o advento da sociedade, há cerca de 40 mil anos, o homem perdeu parte de suas “velocidade, habilidade, conhecimento e inteligência (…) comuns no Paleolítico Superior” (ibid., p. 221). O objeto de estudo da etnopoética seria, portanto, “a literatura oral – a balada, a lenda popular, o mito, as canções” –, que pode ser considerada “a maior experiência literária da humanidade” (ibid., p. 222) e cuja “grande sabedoria”, por ser uma das maiores expressões da “maturidade e estabilidade” das culturas de ecossistema, deve ser exposta para que seja dificultada a ação do imperialismo expansionista (ibid., 231).

Como Snyder define ainda a etnopoética como “um campo da zoologia que estuda espécies em extinção” (ibid., p. 221), o poeta determina que seu humanismo, além de “novo” – por driblar o humanismo moderno que, no máximo, retrocede etnocentricamente ao passado greco-latino –, é também “pós-humano” (ibid., p. 221), à medida que se dispõe, ainda, a descentralizar a noção de ser, substantivo ao qual insistimos em pospor o adjetivo “humano” quando nos referimos à arte e à cultura. Dito de maneira mais clara, a etnopoética “faria um esforço para incluir nossos parentes não-humanos” (ibid.), defendendo “igualmente as culturas e as espécies em extinção” (ibid.). Por isso o uivo do coiote é chamado, por Snyder, de “música” (ibid., p. 111), a trilha de odores deixada por um cervo é considerada uma “narrativa” (ibid., p. 266), etc. Como se houvesse uma “poesia da terra”, tal qual fala Leonardo Fróes no início de seu livro sobre Fagundes Varela:

 

Se a terra for um grande organismo, é possível que exista uma poesia da terra – o falar da natureza que usa os sons mais distintos, e mais puros, para dar a conhecer seus diferentes estados. (…) Da orquestração de tantas vozes, e tantas modulações em cada espécie, compõe-se a melodia da terra, a canção do equilíbrio. Passos de formiga passando, o fluir de areia, tudo conta. Existe uma expressão geral sendo feita. Se é um grande organismo que está falando, somos, pessoas e coisas, partes de uma mesma conversa, partículas de uma explosão, uivos de uma mesma alegria, particularidades do todo. (Fróes: 1990, p. 11)

 

A utopia snyderiana de que cabe a uma poética a tarefa de libertar o homem ocidental de amarras ideológicas tamanhas como o etnocentrismo, o imperialismo, o antropocentrismo etc. advém da noção de que, de acordo com as palavras do poeta norte-americano, a “preocupação com a natureza e a integridade dos muitos reinos de criaturas é uma preocupação muito antiga e profundamente arraigada do poeta” (ibid., p. 236), pois, para Snyder,

 

a tarefa do cantor [nas culturas de ecossistema] era cantar a voz do milho, a voz das Plêiades, a voz do bisão, a voz do antílope. Contatar, de um modo muito especial, um “outro” que não estava dentro da esfera humana; algo que não poderia ser aprendido pela consulta contínua a outros guias humanos, e só poderia ser aprendido ao se aventurar para fora dos limites humanos, penetrando na vastidão da sua própria mente, na vastidão do inconsciente. Assim, os poetas sempre foram “pagãos” (ibid.).

Como poeta eu conservo os valores mais arcaicos da Terra. Eles remontam o período paleolítico: a fertilidade do solo, a magia dos animais, a profunda visão revelada pela solidão, os assustadores processos de iniciação e renascimento, o amor e o êxtase da dança, o trabalho comunal da tribo (Snyder apud. Collin. In: Snyder: 2005, pp. 290-291).

 

Poesia é, a-historicamente, sinônimo de reconhecimento e incorporação da alteridade. A existência parcial do homem diante da natureza o impede de vislumbrar a totalidade desta por meio dos sentidos conduzidos pelo ainda mais parcial modelo de objetividade da razão ocidental – aqueles que o tentam fazer são, conforme critica Snyder,

 

“ingenuamente realistas” pelo que aceitam, sem questionar, o que capta o olho humano, frontal e bifocal, o nosso pobre olfato e outras características de nossa espécie, acrescentando a isso a suposição de que a mente pode, sem muita auto-avaliação, direta e objetivamente “conhecer” o que quer que ela veja (ibid., p. 260).

Ver uma corruíra num arbusto, chamá-la de “corruíra” e continuar caminhando é (conferindo-se auto-importância) não ter visto nada. Ver um pássaro e parar, observar, sentir, esquecer de si por um momento, permanecer nas sombras do arbusto, talvez então sentir-se a “corruíra” – isso é ter se fundido, num momento mais amplo, com o mundo (ibid., p. 275).

 

A fusão com o mundo ocorre, de acordo com o que diz Leonardo Fróes, quando “as mais distintas notações e as modalidades mais torpes bóiam nos meus braços parados e são parte de mim” (Fróes: 1998, p. 178). O ofício do poeta em êxtase é contemplar o mundo repleto de analogias e fusões – um mundo não apenas utópico, mas pantópico, difícil de se perceber objetivamente porque não individualiza, não distancia entre si seus seres e fenômenos múltiplos. Nas palavras de Fróes: “meu estado é o gasoso. Eu não existo por medida prática, embora aceite por função a fusão, ao ser abertamente dos olhos de quem passa por mim” (id., p. 158). Como um “vento para confundir os limites” (ibid., p. 314), “concreção”, na poética de Fróes, significa “dissipar” (ibid., p. 157): a “concentração distendida” (ibid., p. 161), a “percepção desfocada” de uma contemplação, de uma visão não-objetiva dos fenômenos, faz com que um cachorro tenha cinco patas (ibid., p. 160) ou com que “uma coruja retardada num galho, imóvel com a primeira luz nas retinas” possa ser “um farol”, “um vulto fictício”, “uma paineira”, “um anjo”, “uma folha casualmente empoleirada na insinuação de coruja” (ibid.), ou uma imagem da deusa Atena (ibid., p. 158). “Tudo”, continua Leonardo Fróes, depende da impressão transitória que por certo explodiu na lucidez do poeta e o fez exclamar que ‘tudo é tudo’” (ibid.), dando fim ao “mecanismo repressor-inibido que motiva o pensar a escolher sempre um termo, preterindo os infindáveis aspectos que o rodízio do acaso pode armar de repente” (ibid., p. 161).

Fróes, de maneira idêntica a Snyder, tece uma crítica ao sentido da visão. Diz ele: “peguei o Outro pelos olhos e não deu pra ver” (ibid.). O devir na poesia froesiana oferece a “alegria do escuro” (ibid., p. 74), um estado de não-consciência em que a visão deixa de ser o sentido de percepção por excelência. “Meu ingresso puro e luminoso no Outro ocorre quando as luzes apagam e eu sou apenas um pedaço de barro que se desarticula e sorri” (ibid., p. 149). Aos demais sentidos, cabe o mundo das fusões: “sob a vertigem solar” (ibid.), associações de ordem sonora resultam em imagens híbridas:

 

Milhares de mulheres de milho

brotam do meu olho como espigas fortes (ibid., p. 89).

 

O mundo transubstancia-se a partir de homofonias, aliterações, assonâncias, ecos, neutralizando os reinos e as categorias que a consciência objetivo-visual divide:

 

no ar elas [as milhares de mulheres de milho] se endireitam

como folhudas criaturas carnosas

que ao vento se transmudam, de fêmeas,

em formosos penachos machos (ibid.).

 

“TUDO É TUDO” (ibid., p. 159) – a poesia, para Fróes, é faculdade do “também, também” (ibid.), é o “registro das variantes” (ibid.), é “a arte do como” (ibid., p. 88), que nos convida a contemplar, de maneira não-funcional, não-hierarquizada, o universo cujas imagens são continua e sonoramente comparáveis, aproximáveis, fundíveis, num processo alquímico sem pedra filosofal, sem fim último, sem transcendência:

 

como a um útero comparo um cômodo, como à comodidade do mundo comparo meu corpo, nessa tarde malandra

que parte a parte se reparte, como a laranja em gomos, o leão em pêlos,

eu que me comparo à gaveta ou que – apenas a abro – descubro não haver nada dentro

nada fora, nem gaveta nem como,

apenas essa ação entre os ossos, essa lenta experimentação de um corpo que se articula com a tarde,

essa tarde-corpo (ibid.).

 

A totalidade material é um jogo, o “quebra-corpo” (ibid.), em que, como num quebra-cabeça, tudo se desmonta e se articula, se influencia, se mutualiza, se atravessa; o que regula esse jogo é a “lei do encaixe” (ibid., p. 178). “Por ela”, diz Leonardo Fróes, “as forças se deglutem. Por ela os compromissos se atardam. Os movimentos acontecem por ela e ninguém consegue detê-los” (ibid., p. 179):

 

Eu sei, não sei,

eu apenas me responsabilizo por tudo para poder enxergar nos meus impulsos a origem dos outros. Eles às vezes são os meus personagens. Dando uma forma mais completa ao meu enredo-desejo que me limitei a esboçar. Ou às vezes sou eu o personagem de alguém cuja vontade me seleciona a quilômetros e assim mesmo me ordena a dizer uma coisa, a desferir um gesto brusco, a morder os dedos, a abrir enormemente as pestanas, a enjoar de mim, a assumir atitudes (ibid., pp. 178-179).

 

A poesia e o canto disponibilizariam uma faculdade insubstituível para a relação entre homem e mundo. Gary Snyder insiste na tese de que, nas culturas ditas primitivas, ainda se mantém a consciência desse papel, que não passa de uma verdadeira ecologia, de uma busca por aquela “poética da terra” (ibid., p. 238), pois há, nestas culturas, um “sentido de mutualidade da vida e da morte na cadeia alimentar”, acompanhado por um “sentido da qualidade sacramental daquela relação” (ibid., p. 244). Ambos os sentidos foram perdidos pela civilização graças ao acúmulo de riquezas e à centralização do poder que tiveram, nas  palavras de Snyder, “resultados bizarros”: “filosofias e religiões baseadas no fascínio pela sociedade, a hierarquia, a manipulação e o ‘absoluto’” (ibid., p. 245), além de uma literatura que apenas focaliza “os dilemas morais, os versos heróicos, os assuntos do coração e as buscas espirituais de pessoas muito talentosas e, com freqüência, poderosas, geralmente do sexo masculino. Histórias de elites” (ibid., p. 260). E mesmo “todas as grandes religiões do mundo”, continua Snyder, “permanecem fundamentalmente centradas no humano” (ibid., p. 245). Daí o resgate, característico da poesia snyderiana, de tradições sagradas cujas divindades se situam em paragens não-humanas.

Snyder se volta à natureza como a uma divina “Grande Família” (Snyder: 2005, p. 117), ora entoando, à maneira indígena (cf. id., p. 306), uma prece de gratidão a seus membros, desde a “Mãe Terra (…) e a seu solo” até o “Grande Céu”, infinito e onipresente, passando pelas Plantas, Chuva, Ar (“sopro da nossa canção”), Seres Selvagens (“nossos irmãos e irmãs”), Água (“nuvens, lagos, rios, geleiras”) e Sol (ibid., pp. 117 e 119), ora lhes prometendo devoção[xvii]:

 

Prometo devoção à terra

da Ilha da Tartaruga

e aos seres que vivem sobre ela

um ecossistema

em diversidade

sob o sol

Com radiante interpenetração de todos. (ibid., p. 149)

 

A devoção é dirigida à terra onde o poeta habita, mencionada através da expressão “Ilha da Tartaruga”, “o antigo/novo nome para o continente [americano], baseado em vários mitos de criação dos povos que estiveram aqui por milênios, e reaplicado por alguns deles à ‘América do Norte’ em anos recentes” (Snyder apud. Collin. In: Snyder: 2005, pp. 303-304). Opera-se, aqui, a retomada de uma cosmovisão mítica, que, de acordo com as palavras de Snyder, seria “uma fonte muito maior de autenticidade e proximidade do que é a história recente, empiricamente verificável” (id.). É preciso se retirar um pouco do paradigma histórico e conhecer o mito e a era geológica (ibid., p. 213), para que, em suma, seja recuperado tudo que foi destruído por homens “que cantavam hinos em louvor de si mesmos, e não a deuses” (ibid., p. 291). A partir daí, é estabelecida uma relação entre poesia, ecologia, mito e xamanismo: a função do canto do xamã, utilizando as palavras de Snyder, é “conduzir a mente profundamente em direção ao coração do mundo natural”, (Snyder apud. Collin. In: Snyder: 2005, p. 291), “em busca de uma visão ou de um mito” (Dean apud. Collin. In: Snyder: 2005, p. 291), desarticulando referenciais humanos, como se vê no “Primeiro Canto do Xamã”:

 

Sento sem pensamentos perto da estrada de troncos

Chocando um novo mito

Olhando as salamandras (Snyder: 2005, p. 35)

 

O xamã tem o poder de abandonar o próprio corpo e se fundir à natureza; no “Segundo Canto do Xamã”, de acordo com o próprio Snyder, é descrita a “percepção que a persona tem de seu próprio corpo sentado sobre o chão, no charco; esta percepção é seguida pela constatação do mundo ao redor, onde o humano, gradualmente, se transforma em planta/pedra/carne/charco” (Snyder apud. Collin. In: Snyder: 2005, p. 292):

 

Tremendo em nervo e músculo

Suspenso na estrutura pélvica

Ossos escorados em raízes

Um cego pulsar de nervos

 

Serena mão se move sozinha

Florescendo e folhando

            virando quartzo

(…)

O longo corpo do charco. (Snyder: 2005, p. 41)

 

Existe, para Snyder, a possibilidade de se justapor a consciência ecológica contemporânea ao mito, à religiosidade e às práticas xamânicas porque

           

as ciências bio-ecológicas têm exposto (implicitamente) uma dimensão espiritual. Temos que encontrar nossos modos de perceber os ciclos minerais, os ciclos de água, os ciclos de ar, os ciclos de nutrientes como sendo sacramentais – e devemos incorporar esse insight à nossa própria busca espiritual, integrá-lo a todos os ensinamentos de sabedoria que recebemos do passado recente. Isso expressa algo simples: sentir gratidão por tudo; assumir a responsabilidade por seus próprios atos; manter contato com as fontes de energia que fluem em direção às nossas próprias vidas (ibid., pp. 246-247).

 

Com a incorporação do universo não-humano, Gary Snyder acredita que podemos aprender “que nós temos muitas personalidades que se examinam entre si, através do mesmo olho” (Snyder: 2005, p. 246) e “que vivemos em um sistema que é, de certo modo, fechado, que tem seus próprios tipos de limites e que somos interdependentes dele” (id.). A ecologia, portanto, “sugere um salto para o sentido maior de eu e de família[xviii]” (ibid., p. 254), “um momento de deixar para trás o ego complexo e apenar ver, apenas ser, em comunhão com alguma outra criatura” (ibid., p. 255). Assim, a natureza “não é só um ajuntamento de espécies separadas, todas competindo entre si pela sobrevivência (uma interpretação urbana do mundo?)” (ibid., p. 253), tal qual demonstrada pelo paradigma darwinista, mas sim

 

que o mundo orgânico é composto de muitas comunidades de seres diversos, nas quais todas as espécies desempenham papéis diferentes mas essenciais. Isso poderia ser tomado como um modelo de aldeia do mundo (…). Embora os ecossistemas possam ser descritos como hierárquicos, do ponto de vista do conjunto todos os seus participantes são iguais (…). Toda a natureza biológica pode ser vista como uma puja, uma cerimônia de oferta e compartilhamento (ibid.).

 

E, como se o sistema natural dispusesse de uma espécie de consciência da vacuidade do ego e da passagem dos anos, Snyder complementa:

 

todos nós somos seres compostos, não só fisicamente, mas intelectualmente, cuja característica individual e exclusiva, que nos identifica, é uma forma ou estrutura particular que muda constantemente no tempo. Não há nenhum “eu” a ser encontrado nisso e, ainda assim, bastante estranhamente, há. Parte de você está lá fora esperando para ser incorporada e outra parte de você está a seu lado, e o “agora” do momento sempre presente sustenta todos os pequenos eus transitórios em seu espelho (ibid., p. 247).

 

A vontade, a liberdade humana se subordina à sabedoria biológico-natural[xix]:

 

O cume e a floresta

Se apresentam aos nossos olhos e pés

Que decidem por si mesmos

Em sua sabedoria ancestral de ir

Aonde a vida selvagem nos levará. Nós já

Estivemos aqui antes. (ibid., p. 167)

 

Encontramos na poesia de Leonardo Fróes uma abertura para leis que estão além do entendimento e da vontade humana: a “brotação de uma coisa”, a “seqüência do caos com sua lógica fria” (Fróes: 1998, p. 128), a “liquidez completa de não contar com uma explicação para hoje” (id., p. 140). Como num “Feitiço Fantoche”, diz Fróes,

 

não ajo, sou agido,

sigo as molas do corpo e a noite rola

por cima da ilusão do que penso

puxando para onde bem quer os meus cordões de fantoche (ibid., p. 200).

 

Ser poeta é “não estar convencido da realidade dos corpos” (ibid., pp. 158-159), é “não estar convencido da realidade dos meus conteúdos mentais” (ibid., p. 160). Diferentemente do tirânico olhar científico, em estado poético não conto com “as representações transitórias que por simples conveniência mental você nomeia de parede ou de pele” (ibid., p. 131). O poeta se move apenas pela

 

aceitação das aparências que estão

na tela da situação presente sem

as egocêntricas interjeições da memória

que significam, nos encontros, um freio (ibid., p. 138).

 

A memória pessoal é perdida quando participo do “planeta sem fios” que me permite “dançar – descer – deitar no Outro calmamente sem o despojar e humilhar”, livre dos “fios da cabeça que enrolam com freqüência meus gestos, ligando-os a um passado atrapalhado cheio e inexistente que me faz colocar o pé atrás” (ibid., p. 149). “Eu (…) me dinamito me esqueço e volto deslizando a estranhar meu silêncio com o rosto mergulhado num prato cheio de céu” (id., p. 178). Como a “mulher de pé no fim do mundo”, que, “como se andasse para aquela baixada largando para trás suas noções de si mesma”, não tendo “retratos na memória”, “desapossada e despojada, não se debate em auto-acusações e remorsos. Vive. (…) A mulher esvaziada emudece, se dessangra, se cristaliza, se mineraliza. Já é quase uma pedra como a pedra ao seu lado” (ibid., p. 318).

“A glória de um gomo efêmero de tangerina na boca” (ibid., p. 298): a “Sobrenatureza” (ibid., p. 197) contemplada pelo poeta é, ainda com Leonardo Fróes, uma “força estranha” (ibid., p. 197) que proporciona o “susto de poder se anular” (ibid., p. 71), sendo, então, “possível agir sem premeditar” (ibid., p. 148). E, como “as pessoas se participam e anulam no calor dos encontros”, mas “depois, retornam aos seus casulos de hábitos e ficam se apegando a impressões” (ibid., p. 130), Fróes acha necessário desenvolver “estratégias de manutenção da estranheza, as quais ultimamente se concentram no hábito de desenhar o mapa da mina sempre em suportes que não gravam os sulcos senão por poucos momentos” (ibid., p. 142) – o eterno presente não se converte em lembrança para não ser previsível e mensurável: “o princípio da manutenção da estranheza”, completa Leonardo Fróes, “é que aliás me socorre quando eu me sinto (ele se sente) rodeado por leis, afagos, valores, relógios, fitas” (ibid., p. 158). A natureza se coloca de maneira sempre assombrosa, englobando toda e qualquer coisa – de acordo com Gary Snyder, até mesmo o que tradicionalmente se lhe opõem sob o nome de “cultura”:

 

Os seres humanos, como nos revelam a biologia e a ecologia, estão completamente situados dentro da esfera da natureza. A organização social, a língua, as práticas culturais e outros traços que consideramos ser características distintivas das espécies humanas, também estão dentro da mais ampla esfera da natureza (ibid., p. 252).

(…) o mundo natural está profundamente presente e é parte inevitável das grandes obras arte. A experiência humana, durante a maior parte de sua história, tem se desenvolvido em íntima relação com o mundo natural. Isto é óbvio demais para que se diga, e, no entanto, é freqüente e estranhamente esquecido. A história, a filosofia e a literatura naturalmente colocam em primeiro plano as questões humanas, a dinâmica social, os dilemas da fé e os construtos intelectuais. Mas um subtema crítico, implícito a tudo isso, está ligado à definição do relacionamento do homem com o resto da natureza (ibid., p. 261).

A gramática não só da língua, mas também da própria cultura e da civilização, vem desta nossa mãe imensa, a natureza (ibid., p. 273).

 

Na poética/ética snyderiana, tudo é “selvagem” (“wild”). Dessa maneira, torna-se urgente uma nova conceituação do que é selvagem, afinal o termo, segundo o poeta, “é comumente definido nos dicionários por aquilo – do ponto de vista humano – que ele não é” (Snyder apud. Collin. In: Snyder: 2005, p. 305). “Selvagem”, sugere Gary Snyder, é “a natureza essencial da natureza” (Snyder: 2005, p. 270), “é um nome para o modo como os fenômenos se tornam continuamente concretos”(id., p. 265), independentemente da capacidade humana de entender, memorizar ou analisar tal processo:

 

a consciência, a mente, a imaginação e a língua são fundamentalmente selvagens. “Selvagens” como nos ecossistemas selvagens – ricamente interligados, interdependentes e incrivelmente complexos. Diversificados, ancestrais e cheios de informações. No fundo, a verdadeira questão é como compreendermos os conceitos de ordem, liberdade e caos (ibid., p. 264).

 

Snyder considera seu livro inicial, “Riprap”, publicado em 1959, como o “primeiro vislumbre da imagem do universo inteiro enquanto interconectado, interpenetrante, mutuamente refletidor e mutuamente abrangente” (Snyder apud. Collin. In: Snyder: 2005, p. 287); o famoso poema homônimo tece uma comparação entre as palavras e as pedras utilizadas na construção dos ripraps, trilhas para cavalo postas sobre rochas de difícil percurso:

 

Assente estas palavras

Diante de sua mente como pedras.

postas firme, por mãos

Em busca de lugar, dispostas

Diante do corpo da mente

no tempo e no espaço (Snyder: 2005, p. 29).

 

Assim, “a linguagem, a mente e o pensamento são, de alguma forma, também um produto de profundas pressões, como a pedra, e (…) processos geológicos e mentais são análogos” (Snyder apud. Collin. In: Snyder: 2005, p. 290). Tudo – da linguagem às rochas – está em “total transformação” (Snyder: 2005, p. 29). “Vivemos em um reino”, diz Snyder, “no qual muitos princípios permanecem misteriosos ou inacessíveis para nós” (id., p. 270), o que nos impede de perceber o quanto ele é “correto, bem proporcionado, coerente e padronizado de acordo com seus próprios mecanismos” (ibid.). No entanto, como “a humanidade precisa do selvagem mundo de processos”, já que “ele nos produziu e ele nos fortalece” (Snyder apud. Collin. In: Snyder: 2005, p. 292), a poesia se propõe a “descobrir a semente das coisas, de revelar o caos organizado que estrutura o mundo natural” (Snyder: 2005, p. 264), ajudando a “reconhecer a autonomia e a integridade da parte não-humana do mundo, um ‘Outro’ que mal começamos a ser capazes de perceber” (id., p. 265): “a linguagem não impõe ordem sobre um universo caótico, mas reflete, de novo, seu próprio caráter selvagem” (ibid.).

Com isso, “a escritura Verdadeiramente Notável surge àqueles que aprenderam, dominaram e superaram o Bom Uso e a Boa Escritura convencionais, e então retornam ao prazer e à jocosidade descomplicada da Linguagem Natural” (ibid., p. 272) – que é “mais variada, mais interessante, mais imprevisível, e se engaja a um tipo de inteligência muito mais ampla e profunda[xx]” (ibid., p. 273). Uma poesia animal: o uivo do coiote, o “chamado selvagem” (the call of the wild) (ibid., p. 111) sobre o qual nos alerta Gary Snyder é como aquele “chamado” de que fala Leonardo Fróes no poema em prosa “Querer dizer”:

 

Certamente, não sabe que está sendo chamado, que dentro em breve sairá caminhando para jogar palavras ao léu. (…) quando a coisa explodia, quando lhe vinham labaredas à boca, saídas de seu mais íntimo, dizer se transformava apenas numa necessidade orgânica. (…) O prazer animal de abandonar-se: uma escrita dos sentidos: uma voz na garganta. (…) Palavras? Música residual instintiva (pp. 330-331).

 

Há na poesia de Fróes uma procura por uma linguagem cuja arbitrariedade soe como naturalidade, equalizando, tal qual na proposta de Gary Snyder, cultura, poesia e natureza:

 

Quando se sobe uma montanha (…) e se faz um extremo esforço além das possibilidades físicas de resistência, aquele arcabouço mental que achamos que nos constitui, e que na verdade são memórias ou preocupações, ou o conjunto das duas coisas, desaparece. (…) Dá uma sede enorme, uma fome enorme, mas o desejo de chegar ao cume também é enorme, e os limites são testados. E aí acho que a personalidade fica completamente amortecida. Como se milagrosamente ela pudesse ter deixado de existir. Claro que no dia seguinte ela vai amanhecer, (…) mas já conhecemos essa experiência ameaçadora que faz com que a personalidade vá para o espaço. Acho que o momento poético é exatamente igual a subir uma montanha. É o momento em que se atinge a plenitude do universo. (Fróes: 2003, p. 11)

 

Isolado na imensidão da natureza metonimizada na montanha, despido das máscaras da personalidade social, o poeta é um “animal”, ou mero “organismo em movimento reagindo a passadas”, que “confia apenas nos instintos que o destino conduz”, sendo “puxado sempre para cima”, como um “ímã, numa escala de formiga, que as montanhas atraem” (Fróes: 1998, p. 243) – o momento poético como um processo de instintividade progressiva.

 

Referências bibliográficas:

 

Bueno, André & Goes, Fred. O que é Geração Beat. São Paulo: Brasiliense, 1984.

 

Fróes, Leonardo. A Fábula da Cebola. Entrevista cedida a Alberto Pucheu, Ricardo Lima & Sérgio Cohn. Revista Azougue, São Paulo, n. 8, pp. 5-11, abril de 2003.

 

_____. “Histórias Beats”. In: _____ et alii. Alma Beat. Ensaios sobre a Geração Beat. Porto Alegre: L&PM Editores, 1984.

 

_____. “Um convite ao personagem para se tornar o que é”. In: _____. Um Outro. Varella. Rio de Janeiro: Rocco, 1990.

 

_____. Vertigens­ – Obra reunida (1968-1998). Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

 

Muggiati, Roberto. “Beats & Zen”. In: _____ et alii. Alma Beat. Ensaios sobre a Geração Beat. Porto Alegre: L&PM Editores, 1984.

 

Pucheu, Alberto. “Na Poesia Vertiginosa de Leonardo Fróes”. Resenha do livro Vertigens, de Leonardo Fróes. In: O Globo, Prosa e Verso, 6 de fevereiro de 1999.

 

Snyder, Gary. Re-habitar. Ensaios e Poemas. Tradução, apresentação e notas de Luci Collin. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2005.

 

Notas:


 

[i] Talvez aqui caiba um trecho do referido ensaio de Leonardo Fróes sobre os beats, que salienta a idéia que permeou a ideologia destes poetas de que “a vida e as pessoas mudam juntas – ou de que o mundo exterior não se altera se continuamos por dentro os mesmos” (Fróes: 1984, p. 17). 

[ii] Não faremos uma distinção muito exata entre os poetas e os prosadores beats, já que “aquilo que os poetas tentaram na sua poesia foi, ao mesmo tempo, tentado pelos escritores”, sendo “conseqüência disso uma maior proximidade entre prosa e poesia, e em vários momentos uma grande dificuldade em separar uma da outra” (Bueno & Goes: 1984, p. 47). Pode-se mesmo falar da literatura beat como uma “combinação de poesia e prosa” (id., p. 51) 

[iii] “Essa poesia, ao rejeitar o academicismo e o intelectualismo estéreis, criou uma série de novas e fortes imagens e fez algo ainda mais importante: reintroduziu o som na poesia e rejeitou velhas formas de controle, levando a poesia para fora das bibliotecas, gabinetes e escritórios burocráticos da cultura” (Bueno & Goes: 1984, pp. 61-62). 

[iv] Apesar da transformação, já em 1955, da livraria City Lights, do poeta Lawrence Ferlinghetti, numa editora que, a partir de então, publicou em edições inicialmente independentes, e publica até hoje, as principais obras da dita geração beat

[v] Vale destacar que, “ainda dentro da América dos anos 50, os Beats surgiram aliados com os Delinqüentes Juvenis (…), mas também se ligavam ou estavam próximos de outras minorias como os Hispano-Americanos (Chicanos), Índios, Traficantes, e uma vasta Fauna Urbana, toda ela dissidente da vida familiar e moral do protestantismo norte-americano” – i. é, do universo square (Bueno & Goes: 1984, p. 20). 

[vi] Tal erudição os permitiu dialogar com toda uma tradição literária que abrangia “as Visões magníficas de William Blake, a potência do poeta-cantor da América Walt Whitman, a modernidade e a força dos experimentos poéticos de E. E. Cummings, algumas lições tiradas de Ezra Pound, êxtases à la Rimbaud, loucuras à la Baudelaire, a força política da poesia marxista dos anos 30 americanos, as experiências Surrealistas e Dadaístas” (Bueno & Goes: 1984, p. 60). 

[vii] Fróes complementa: “na mística beat há um espaço fundamental para o esforço de se criar como gente. Diante do funil social do enquadramento, que ameaça tragar todos os sonhos numa direção pré-moldada, que apara o risco das rebarbas para vedar à personalidade suas danças mais cheias, seus vôos mais iluminados, seus processos mais ricos, o jeito é manter-se frio, to keep cool, e salvar o motor mesmo dinamitando a alma” (Fróes: 1984, p. 14). 

[viii] O próprio termo “beat” é esclarecedor quanto a essa mistura de elementos sagrados e profanos, marca da literatura dos beats. Pode ser associado à batida do Jazz, a partir da qual se têm os sentidos de “ritmo, movimento, embalo, ligação diretamente com o corpo e com a sensualidade”, e, por extensão, “fluência, improviso, ausência de normas fixas, na vida e no texto, envolvimento profundo que traz música, balanço, liberdade e prazer” (Bueno & Goes: 1984, pp. 8-9), afinal a “liberação emotiva foi fermentada com Jazz”: “diante de tantas experiências novas e fortes, só se as palavras saíssem como notas, em total improviso” (Fróes: 1984: p. 12). “Beat” também significava, ao mesmo tempo, “bater e beatificar, céu e inferno, anjos e demônios, numa curiosa mistura em que a atitude de contestar, de agredir, de ir contra o existente vem desde logo associada com o beatífico, o convencimento pacífico, o ativismo político com fortes doses de espiritualidade” (Bueno & Goes: 1984, p. 9). Um dos grandes méritos dos beats foi ter percebido, desde a década de 50, “que a transformação política e social não exclui necessariamente a espiritualidade, nem as drogas, nem as experiências sexuais, nem os poderes extáticos, visionários da mente humana” (id., p. 61). 

[ix] Roberto Muggiati ainda acrescenta que “no Zen, a palavra meditação não deve ser interpretada no seu sentido contemplativo, mas muito mais como a fusão de dois movimentos, que poderia ser equacionada neste jogo de palavras: medita + ação” (Muggiati: 1984, p. 109). 

[x] Muggiati lembra que, “dos beats, Jack Kerouac foi o que mais ajudou a difundir o Zen”, mas “não o verdadeiro Zen, mas uma versão muito pessoal do Zen, impregnada de todo o seu misticismo católico” (Muggiati: 1984, p. 106), por força do qual “se voltou para o ramo Mahayana do budismo e usava como lema a primeira verdade de Sakyamuni: ‘Toda vida é sofrimento’” (id., p. 107). E arremata: “Kerouac era muito inquieto e angustiado, na melhor (ou pior) tradição ocidental, para se submeter à dura e longa disciplina Zen” (ibid., p. 106).

 

[xi] Bueno & Goes, ao contrário de Muggiati (cf. nota V), acreditam que “no começo da década de 50, em São Francisco, foi através de Gary Snyder que Ginsberg e Kerouac receberam os primeiros toques acerca do Zen. No romance The Dharma Bums (Os Vagabundos do Dharma), de Kerouac, todo ele recheado de frases feitas e lugares comuns sobre o Zen, Snyder entra como um dos personagens mais importantes, com o nome de Japhy” (Bueno & Goes: 1984, pp. 70-71).
 

[xii] Disserta Leonardo Fróes: “Gary Snyder (…) redigiu uma nota sobre as tendências religiosas dos beats que especifica até mesmo alguns conselhos de moralidade prática quanto ao uso de drogas. O poeta, que dentro de toda a efervescência se destacou por reter grande serenidade na imagem, admite as vantagens da marijuana (‘a daily stanby’) e do peiote (‘the real eye-opener’) como auxiliares da imersão no espírito, mas não se esquece de fazer uma advertência (…). No mesmo texto, Snyder menciona o amor, o respeito pela vida, o abandono, o pacifismo e o anarquismo entre os itens da pauta beat, lembrando que a realização dessa pauta depende de serem compreendidos seus três aspectos básicos: a contemplação, a sabedoria e a moralidade, que para ele é com freqüência sinônimo de protestação social” (Fróes: 1984, p. 16). Mais a frente, diz Fróes: “Em 1969, ‘em resposta a uma evidente necessidade de algumas sugestões visionárias e práticas’, Gary Snyder confirmou sua índole – ele é talvez o mais ‘ideológico’, o mais ‘compromissado’, o mais socialmente responsável de todos os grandes beats – ao lançar uma plataforma em Four Changes, panfleto posteriormente agregado a seu livro Turtle Island. Saímos da esfera poética, nesse panfleto, para o trato escancarado de vários temas políticos, desde a necessidade de conter a explosão demográfica à de proibir o DDT e outros agentes químicos. Mas o autor, que se apresentou noutro texto como discípulos dos índios americanos e alguns budistas japoneses, naturalmente permanece um poeta e não propõe coisas ocas. O que ele quer são rios limpos, linguagem pura, pluralismo cultural e individual, um basta aos mitos do progresso e ‘um novo tipo de família – responsável, embora mais relaxada e festiva” (id., p. 17). 

[xiii] Os autores complementam: “seus poemas estão repletos de magia, contato direto e não-verbal com realidades distantes das Cidades, traduzindo como pontos luminosos sacações que, no melhor estilo Zen, não se traduzem em longos discursos, mas em shots, tomadas curtas e secas, algo entre o verbal e o não-verbal” (Bueno & Goes: 1984, p. 71).

 

[xiv] Para Snyder, o interesse pela natureza “pode ser uma extensão do pós-modernismo, já que a vanguarda modernista era eminentemente centrada no urbano” (Snyder: 2005, p. 259).

 

[xv] “A natureza é engraçada,

dá sem trégua e principia

a gerar tudo de novo,

avessa à monotonia” (Fróes: 1998, p. 286). 

[xvi] Snyder critica, inclusive, o chamado “desenvolvimento sustentável”: “o desenvolvimento não é compatível com a sustentabilidade e a biodiversidade. Temos que parar de falar de desenvolvimento e nos concentrar em como atingir uma condição estável de sustentabilidade real. Muito do que se passa por desenvolvimento econômico é simplesmente a extensão ainda maior das funções desestabilizantes, entrópicas e desordenadas da civilização industrial” (Snyder: 2005, p. 264). 

[xvii] Diz Snyder em seu ensaio “A política da etnopoética”: “Desde muito pequeno me vi reverenciando o mundo natural. Eu sentia gratidão, maravilhamento e uma consciência de preservação” (Snyder: 2005, p. 219). 

[xviii] Assim sugere Snyder: “Imaginem uma aldeia que inclui suas árvores e pássaros, suas ovelhas, cabras, vacas e iaques, e os animais selvagens das altas pastagens (…) como participantes da comunidade. Os conselhos de aldeia, então, em algum sentido, dariam voz a todas essas criaturas. Dariam espaço a todos” (Snyder: 2005, pp. 256-257).

 

[xix] Nas palavras de Snyder, o homem está “a serviço / do mundo selvagem / da vida / da morte / dos seios da Mãe!” (Snyder: 2005, p. 133).

 

[xx] “A disciplina e a liberdade não se opõem uma a outra. Nos tornamos livres pela prática que nos permite dominar a necessidade, e nos tornamos disciplinados pela nossa livre escolha de assegurar esse domínio. Ao nos tornarmos amigos da “necessidade”, vamos além do “dominar” uma situação e, assim, não sermos – como colocaria Camus – nem vítima nem algoz. Só uma pessoa brincando no campo do mundo” (Snyder: 2005, p. 276). 

 

 

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