Oficina de escrita: a denominação, insatisfatória, desperta a desconfiança e se presta à controvérsia. Pode-se "aprender" a escrever? Em grupo? Em alguns meses? Clarice Lispector, entre outros autores, observa que “assim como outras vocações, a escrita exige um longo aprendizado. Nesse caso, o aprendizado é a vida ela própria, tal como "nós a vivemos"”. Ela acrescenta que " a única maneira de estudar é escrever".
Experimentar com grande liberdade: tal é a meu ver a razão de ser de oficinas que se dirigem a pessoas desejosas de explorar sua escrita. Esse tipo de proposta não tem a pretensão de gerar escritores nem de produzir literatura, ela deseja simplesmente iniciar alguns voluntários nos procedimentos que participam da escrita pessoal. Quaisquer que sejam o nível e a motivação dos participantes, há neles desejo, questionamento, e portanto, caminho criativo possível, com seu cortejo de descobertas, de limites, de frustrações e de satisfações.
Um outro tipo de oficina de escrita, bem distinto do primeiro, quer permitir a pessoas, em geral socialmente desamparadas e privadas de voz ativa, descobrirem seu poder de expressão. Tal iniciativa pode desmarginalizar sua realidade, fazendo com que seja conhecida num meio mais amplo que seu entourage habitual. Propor uma oficina de escrita, em determinado contexto dito "social", a refugiados, a mulheres vítimas de violência, a desempregados, a idosos, representa então um ato político também. A oficina, em geral gratuita e organizada no âmbito de uma instituição, dirige-se aqui a um público definido e relativamente homogêneo quanto a sua problemática social.
Trabalho com esses dois tipos de oficinas.
As primeiras ocorrem em minha residência, na Suíça ou na Grécia, junto a um público que na maior parte do tempo terminou seus estudos superiores e continua sua formação, explorando diferentes meios de expressão. Pintura, música, dança... e escrita. Formado em sua maioria por mulheres de idade mediana ou até madura, esse público comporta exceções culturais, pessoas sem curso universitário nem bagagem clássica. Cada um progride a seu ritmo graças a uma atmosfera solidária e convivial, condição sine qua non do êxito de uma oficina.
O público é informado sobre essas oficinas através de anúncios que aparecem esporadicamente nos classificados de jornais e sobretudo de boca a boca. Aproximadamente a metade dos participantes prossegue o trabalho durante vários módulos semestrais com cinco ou seis sessões cada. A maioria só pratica a escrita nesse contexto de acompanhamento em que se sentem obrigados a uma certa disciplina e portanto, à produtividade.
O "projeto"
O roteiro de base é sempre o mesmo. Nenhum exercício e pouquíssimas restrições nessas oficinas concebidas como um lugar de aprendizado de autonomia e portanto, de espírito crítico. Cada um se propõe a desenvolver um projeto durante a série das sessões previstas, a partir do amplo tema escolhido para aquele módulo e de algumas escolhas formais (ficção ou não, contos, crônicas, cartas, etc.), escolhas que podem ser repensadas a qualquer momento. Alguns chegam com o projeto já definido que levam a cabo, mas estes são minoria.
Tenta-se mostrar que a escrita, mais do que um jogo, é ligada a certos processos. Cada participante é encorajado a se envolver numa aventura que, pouco a pouco, ele poderá continuar sozinho, caso o deseje. O “projeto”, que se opõe aqui ao “exercício”, permite avançar em direção do que o participante busca na escrita, investigação autobiográfica, experimentação com as palavras, texto erótico, polêmica, etc.. Alguns ficam desconcertados, no começo, com a grande liberdade inicial que lhes é dada, mas se aventuram na realidade da criação, prosseguindo entre técnica e intuição.
Concretamente ...
Na Grécia, as oficinas ocorrem durante uma semana, em uma das ilhas Cícladas. Os participantes hospedam-se nas casas dos habitantes da região e são convidados a escrever por conta própria de manhã e/ou de noite, já que a discussão dos textos acontece todas as tardes. A escrita nutre-se em princípio das experiências e observações feitas no local, em torno de um tema bastante amplo: “a ilha, a água, ser estrangeiro na ilha”.
Na Suíça, as sessões ocorrem a cada três semanas ou mensalmente. Duram quatro horas, à noite, seis ou sete horas, quando ocorrem domingo. As sessões de trabalho são interrompidas por uma refeição em que se reforça o clima convivial. Cada grupo trabalha em torno de um eixo diferente: explorar os personagens, a posição do narrador, o ritmo do texto. Ou ainda partir de um fait divers da localidade em que se passam as oficinas, escrever a partir de fotografias, explorar a relação texto-imagem.
O participante define progressivamente a intriga, seus eventuais personagens, o lugar do narrador, se este aparecer. E ele anuncia suas intenções. Se necessário, situa de novo seu projeto em cada sessão, antes de ler para outras pessoas seu texto do qual todos têm em mãos uma fotocópia. Às vezes os textos são lidos por outra pessoa ou em silêncio. O próprio participante lança a discussão, assinalando suas eventuais dificuldades, designando o que deseja que se discuta coletivamente. A discussão dura de meia hora a quarenta e cinco minutos e pode referir-se tanto à estrutura do conjunto quanto aos pontos fracos de um único parágrafo. O objetivo é fazer a escrita progredir em direção à forma que melhor se adéqüe à proposta. Eu canalizo e retomo o conjunto do texto e as observações, propondo pistas de reflexão que relativizo. O essencial permanece de fato: estimular a autonomia de cada um, na escrita como também na leitura crítica de outros textos.
Principalmente, nada de terapia selvagem! Esse a priori percorre todas as oficinas. A ênfase é dada à forma, e só se discutem eventuais dados biográficos na medida em que não forem tão compreensíveis quanto desejava o autor.
No início da sessão, proponho, freqüentemente, leituras que me parecem apropriadas, a saber, textos de autores contemporâneos que possam ilustrar o tema trabalhado. E durante esses módulos, como nas semanas gregas, insisto para que os participantes levem adiante seus projetos, ou seja, que cheguem à última sessão com um ou vários textos consistentes, intitulados, com um esboço de paginação, uma reflexão sobre a continuação eventual do trabalho.
A escrita como lavra
Os participantes progridem, melhoram? É difícil dizer! Em todo caso, tomam consciência de que, na escrita, o trabalho deve ser retomado, o terreno, cultivado. Tomam consciência da maneira como escrevem, até mesmo de seu estilo, de seus tiques, dos pontos fortes e de suas fraquezas. Também lêem de forma muito mais consciente os livros que encontram.
Raros são aqueles ou aquelas que continuam a escrever por conta própria, ou que ousam confessar um desejo de publicação. Alguns enviam seus textos para concursos, escutam a leitura de seus textos em programas de rádio.
Raríssimos são os textos produzidos em oficinas que chegam à publicação. Isso pode ocorrer, quer em edição muito limitada financiada pelo autor, quer num editor parisiense renomado! Não são forçosamente os melhores textos: os participantes mais talentosos não são os mais esforçados nem os mais obstinados. Também podem ocorrer casos em que o grau de exigência leve à paralisação.
Sair do silêncio, expressar sua diferença
As oficinas em meio chamado social situam-se num nível de escrita totalmente diferente. Elas permitem que pessoas de níveis culturais muito variados, às vezes universitários, mas às vezes também quase iletrados, adquiram e, principalmente, compartilhem um nível freqüentemente elementar de expressão.
Assim, mulheres refugiadas trocam experiências com mulheres suíças sobre o exílio e a sobre a integração. De um lado como de outro, as participantes constatam, ao ler os textos umas das outras, que é possível se sentir exilado em múltiplos contextos. Elas descobrem no decorrer de narrativas singulares contadas com simplicidade as culturas respectivas, africanas e européias. E elas chegam às vezes a compreender o pano de fundo complexo de certos conflitos étnicos em Ruanda, por exemplo.
A experiência cria laços que subsistem para além das sessões; muitas vezes se cria uma rede informal, estendendo-se e consolidando-se em outras criações comuns. A escrita torna-se aqui um meio, vibrante de emoções, de enfrentar sua história e de melhor assumi-la, compartilhando-a.
Junto a pessoas idosas que vivem em asilos, o trabalho incide também sobre a experiência de vida. Uma oficina quinzenal produz textos publicados num pequeno jornal da instituição ou reunidos, com imagens, em brochuras editadas e impressas profissionalmente. Lembranças da infância, enfrentar a noite nos asilos, aceitar compartilhar o quarto com um ou uma desconhecida: os temas variam.
Escrever ou fazer escrever para si permite permanecer alerta mentalmente e intelectualmente, fazer-se ouvir na instituição e até mesmo além dela, graças às brochuras publicadas, veiculadas pela mídia e comercializadas. A escrita permite, aqui, existir numa sociedade que confina seus idosos dependentes e os esquece intramuros. Ela autoriza a sair do silêncio.
Pode-se aprender a escrever? Sim, se concebermos a oficina de escrita como algo que autorize à expressão individual, que encoraje a expressão de sua própria diferença. Ousar afirmar seu imaginário ao se criar uma intriga, uma história e personagens que façam sentido. Ousar narrar, organizando trechos de um percurso próprio, esperando que possam interessar e até mesmo cativar. Dar-se pouco a pouco os meios de ser lido, ouvido, compreendido e até mesmo considerado. Trata-se de um belo desafio. Acompanhar tais experiências, acolhê-las como nascimentos e praticar desse modo uma maiêutica: esse papel é com certeza um dos mais belos que existem para uma mulher e que, mais ainda, é uma mulher que escreve.
Resumo: Nesse texto a autora conta sua experiência como animadora de dois tipos distintos de oficinas de escrita – um tipo que explora a escrita como meio de expressão e um tipo institucional chamado de social. Tais oficinas são oferecidas na Grécia e na Suíça.
Palavras-chave: Oficinas de Escrita, Expressão, Instituição, Inclusão.
Abstract: In this text, the author tells about her experience with two different kinds of writing workshops : the first explores writing as self-expression and the other one is institucional and social. These workshops are held in Greece and in Switzerland.
Key-words: Writing Workshops, Expression, Institution, Inclusion.
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