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Em 1999, há cinco anos editando a revista Azougue, eu já havia travado contato com boa parte do meio literário, ao menos de São Paulo. Mesmo assim, quando decidi que possuía um livro de poesia publicável, não consegui nenhuma editora que se interessasse em financiá-lo. Acabei editando por uma jovem mas bem conceituada editora, com a contrapartida que pagasse do meu bolso todos os gastos de produção e impressão do livro. O saldo geral dessa primeira experiência editorial, assim como o financeiro, acabou sendo bastante negativo, por uma série de motivos.

Primeiro, o custo de edição foi alto. Para se ter uma idéia, mesmo com o acúmulo de cinco anos de inflação e a explosão do preço do dólar (vinculado ao preço do papel, um problema que não vou tratar nesse texto, mas que merece uma maior discussão), não publiquei até hoje nenhum livro de poesia pela Azougue Editorial, nem mesmo obras completas, que alcançasse esse preço de produção. O motivo principal para essa discrepância de valores é que os editores, já que não financiaram a obra, não precisavam se preocupar com a viabilidade econômica desta, e se permitiam pagar regiamente todos os envolvidos no processo. Para se ter uma idéia, seriam necessários 600 exemplares vendidos para que o dinheiro investido retornasse, uma vendagem muito alta para um livro de poesia, ainda mais de um autor jovem.

O momento para tentar recuperar uma parte do dinheiro investido seria no lançamento, que foi um sucesso. Estavam lá amigos, poetas, escritores, e vendi mais de 100 exemplares. Mas no contrato a tiragem era dividida em cotas, uma pequena parte ficava com a editora, para comercialização, e o restante para mim, que poderia usar em divulgação e doação, ou vender pelo mesmo preço que nas livrarias, sem desconto (segundo o contrato, para evitar concorrência desleal). A cota do lançamento era, obviamente, da editora, e, junto com o fato de nunca ter recebido um relatório de vendas ou coisa do tipo, me fez perceber que todo meu dinheiro havia sido investido a fundo perdido. Para piorar, o fato da editora só se interessar em ficar com uma porcentagem pequena da tiragem do livro explicitava o pouco interesse em comercializá-lo.

Por último, a repercussão do livro foi praticamente nula na imprensa. Embora os editores me cobrassem uma atuação mais firme na divulgação do livro, eu me sentia constrangido em pedir aos jornalistas que conhecia que resenhassem meu livro, o que me soava como uma pressão e um favor pessoal. Na minha concepção, isso fazia parte da contrapartida da editora, era um trabalho para um assessor de imprensa. Assim, pouco fiz do meu lado, e o resultado foi que – tirando uma matéria coletiva sobre a coleção de poesia da editora num jornal pequeno e a reprodução do fragmento de um poema do livro numa revista especializada – nada aconteceu.

Tudo isso fez com que a experiência de estrear em livro se tornasse um tanto ambígua para mim: se de um lado havia a felicidade de ver meus poemas publicados, do outro uma certa decepção com os rumos que o livro tomou depois de pronto. Além da impressão um tanto incômoda de ter pago um pouco caro por ele. Culpei intimamente os editores, me senti ludibriado, mas, quando comecei a conversar sobre o assunto com amigos poetas, descobri que o que ocorreu comigo não tinha nada de novo: quase todos haviam passado por experiências semelhantes, e mostravam seu desagrado em relação à forma que a poesia estava sendo editada no Brasil. O problema principal, era quase um consenso, residia no fato dos livros estarem sendo pagos pelos autores, sem riscos financeiros para as editoras.

Com as edições já previamente pagas, e muitas vezes lucrativas, as editoras não precisavam se esforçar para inseri-las no mercado e na mídia.

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Por isso, quando apareceu a chance de transformar a revista Azougue em editora, no final do ano 2000, decidi adotar como bandeira uma nova forma de editar poesia no Brasil. Era uma questão até política. Queria provar que poesia era viável financeiramente, desde que editada da forma que julgava correta: colocando todo o risco e o trabalho nas mãos da editora. Estava, é claro, respondendo à minha experiência pessoal. Mas, em pouco tempo, percebi que o problema era muito mais complicado.

Poesia é, sabidamente, um artigo pouco consumido. Ainda mais num país como o Brasil, marcado pelo analfabetismo, de um lado, e do outro por uma educação literária conservadora. A coisa fica ainda pior quando se fala de poesia jovem. Os poucos leitores acabam consumindo livros dos “clássicos contemporâneos” (João Cabral, Bandeira, Drummond, ou, para dar um exemplo mais recente, Leminski), até mesmo por falta de referências sobre os autores mais jovens. Essa falta de referência é agravada pelo fato de ser sabido que os jovens poetas costumam financiar seus próprios livros. Como confiar na qualidade de uma edição que não foi, pelo menos a priori, uma aposta sincera da editora?

Ao romper com essa prática, busquei criar um critério de qualidade que servisse de referência aos leitores de poesia: acreditava que eles comprariam os livros por confiança na editora. Esse critério passaria não apenas pela escolha dos autores, mas por um diálogo ativo sobre o conteúdo de seus livros.

Seguindo esse princípio, em maio de 2001 lancei os primeiros quatro livros de poesia da editora: a obra completa de um autor já falecido, a ampla antologia de um poeta contemporâneo com mais tempo de estrada e dois livros de jovens escritores. A imprensa logo percebeu que uma editora jovem estreando com esse discurso inusitado de viabilidade comercial de poesia era notícia e, ajudado pela qualidade dos livros, o fato foi amplamente divulgado em jornais e revistas. Os lançamentos foram um sucesso, os livros venderam bem em livrarias e, para quem olhasse de fora, parecia que a editora estava rapidamente atingindo seus objetivos.

Mas eu logo percebi que as coisas não seriam assim tão fáceis. Primeiro, os livros subseqüentes não contariam com tanto espaço na mídia. Ficou claro para mim que, para conseguir novas matérias, precisaria da ajuda pessoal dos autores, já que a editora não era mais novidade e os livros, ao se somarem no catálogo, disputavam entre si a atenção da imprensa. Certamente o mesmo problema que o editor do meu primeiro livro já conhecia ao requisitar a minha ajuda na divulgação.

Além disso, percebi que há um ciclo vicioso entre os poetas. Como é comum que os autores financiem os próprios livros, e então fiquem com uma boa parte da tiragem para “divulgação”, acaba-se criando um sistema de trocas à margem do mercado: os poetas enviam seus livros para os colegas e esperam retribuição. Essa é uma das causas do estranho fenômeno de haver maior número de lançamentos que de vendas de livros de poesia no Brasil. E a baixa venda é a causa da dificuldade de se colocar os livros de poesia nas livrarias. É bom ter isso claro antes de culpá-las inteiramente: por que se interessariam por um produto que circula marginalmente ao mercado? A pior conseqüência deste ciclo vicioso é que a divulgação de poesia fica restrita a sempre o mesmo público (ou a um público que cresce muito lentamente).

Outro obstáculo para a venda de poesia no Brasil é o preço do livro. Uma questão complicada, que decorre de uma série de fatores. As tiragens costumam ser muito baixas (raramente passam de 1.000 exemplares), o que aumenta o valor de capa. Há uma grande quantidade de lançamentos de poesia por ano, que competem por um espaço cada vez mais restrito nas livrarias. Como, desde o final da década de 1980, o público foi levado a se acostumar a publicações com alta qualidade gráfica, para se conquistar esse espaço nas livrarias, assim como a atenção dos leitores, é necessário investir em melhores papéis e muitas vezes em artifícios gráficos (por exemplo, formatos diferenciados e uso de matérias não convencionais na capa), que encarecem a impressão.

Para complicar, ainda é preciso vencer a concorrência de edições que não necessitam de viabilidade comercial, podendo assim utilizar recursos que não condizem com a realidade do mercado. Essas edições são financiadas pelo autor ou fazem parte do catálogo de grandes editoras que publicam, de vez em quando e sem maior compromisso, títulos de poesia. O motivo desse interesse ocasional das grandes editoras é que poesia, embora venda pouco, é um artigo de prestígio. Ela possui um espaço muito maior dentro de nossos cadernos de cultura do que sua participação no mercado.

 

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Atualmente, quase quatro anos após o surgimento da editora, não acredito que publicar poesia, ao menos de uma forma conseqüente, seja viável financeiramente no Brasil. O que não impede que a Azougue continue batalhando por isso, e se mantendo fiel aos seus princípios. Mas fomos obrigados a baixar o ritmo das publicações – dos 21 livros de poesia do nosso catálogo, apenas três foram lançados este ano. Nenhum deles deve se pagar tão cedo, o que dificulta o lançamento de outros. Relativizo muitas das críticas à edição do meu primeiro livro. Mas acredito, mais do que nunca, que o financiamento do livro pelo autor deve ser combatido. É normal que esta prática ocorra em certa escala, o que não pode acontecer é que ela seja predominante no mercado. Percebi que a resposta a essa questão não se restringe às editoras. É necessária uma soma de esforços entre autores, editores e leitores.

Há um elemento da minha trajetória pessoal que considero muito simbólico: o fato de eu só ter podido entrar em contato com as características do mercado editorial brasileiro na prática da editora. Desde que me dei conta do quanto eu era alienado, enquanto poeta, das questões de mercado, tenho pensado os motivos disso. São vários, e suas conseqüências muito sérias. O primeiro é a dificuldade de acesso a esse tipo de informação. A imprensa especializada não coloca em debate o mercado literário – o contrário do que acontece com cinema, por exemplo. E algumas vezes me pergunto por que, no mundo que nós vivemos, não existe um curso sobre mercado editorial no currículo da faculdade de Letras. Esse parece ser um assunto tabu, como se não existisse nada mais distante da poesia do que o mercado. Não precisava ser assim.

Afinal, não seria a poesia a busca de relações mais íntegras com o mundo?

 

 

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