Este número da revista Terceira Margem resulta de um gentil convite feito por Alberto Pucheu, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura, a quem agradecemos pela oportunidade de apresentar alguns frutos de nossa pesquisa sobre as oficinas de escrita inspiradas no OULIPO.
Quando em 1960, Raymond Queneau e o matemático François Le Lionnais criaram o Ouvroir de Littérature Potentielle, talvez não se dessem conta do amplo sucesso e da longevidade de seu empreendimento. Sob a influência de Raymond Roussel, Bourbaki e da Patafísica, a Oficina de Literatura Potencial pretendia realizar experimentações de estilo a partir de antigas práticas retóricas, mas também inventar novas restrições, as famosas contraintes, que pudessem guiar o esforço de criação. Em encontros marcados sobretudo com o humor, explorar as potencialidades da linguagem, injetando noções matemáticas na invenção romanesca ou poética, era o que queriam esses oulipianos que se diziam "ratos que constroem eles próprios os labirintos de que propõem sair". O sucesso da publicação de seus textos, durante uma década, levou-os à organização dos primeiros estágios. Rapidamente, eles atraíram um público tão numeroso que se viram obrigados a escolher entre continuar suas pesquisas e produções ou organizar as oficinas.
Existem hoje duas grandes tendências que norteiam as oficinas de escrita: a tendência da expressão e a tendência da produção. A idéia de uma prática coletiva da escrita, gerando uma reflexão sobre a linguagem, evidenciando a relação indissociável entre teoria e prática, entre leitura e escrita, fundamentando assim a reescrita consciente do texto, é a base do segundo tipo de oficina, que segue o caminho oulipiano.
Abrindo esta revista, o primeiro ensaio traz uma apresentação geral do Oulipo, situando suas propostas e questões num contexto filosófico. Quisemos também paralelamente problematizar alguns dos exercícios desenvolvidos no tipo de oficina de produção textual que é o nosso. Histórico, o texto de Claudette Oriol-Boyer, amiga de Georges Perec e criadora das oficinas de escrita adaptadas para o contexto acadêmico, narra o início de seu percurso, descrevendo uma seqüência de oficina e sublinhando alguns pontos importantes de seu método: a releitura e a reescrita, a função metatextual, ou seja, o fato de todo texto denotar ou conotar os mecanismos que o produzem. "O Concílio do pastiche" de Daniel Bilous é, ele mesmo, um pastiche. Trata-se da montagem dialogada de um encontro entre escritores, teóricos e críticos - Mallarmé, Proust, Queneau, Wilde, Genette, Laurent, o próprio autor desse "polílogo imaginário", dentre outros - que debatem animadamente as questões levantadas pela prática do pastiche. Amotz Giladi nos traz a contribuição de alguns oulipianos (Perec, Lescure, Le Lionnais), mostrando que nela os jogos com a língua ultrapassam o puro divertimento, ao traduzirem uma teoria revolucionária quanto ao ato de escrever e quanto à própria linguagem. O texto de Christelle Reggiani, especialista no Oulipo e na obra de Raymond Roussel, focaliza a idéia das restrições, analisando como elas estabelecem a recepção de um texto literário. Isabelle Guisan conta sua experiência como animadora de oficinas que seguem a tendência da expressão. Tais oficinas acontecem na Grécia e na Suíça, onde mora a autora. Com o lingüista Pierre Guisan, é a oposição entre língua oral/língua escrita que é trabalhada numa tentativa de descontruir certos pressupostos veiculados pelo senso comum.
O dossiê Iauaretê deve seu nome ao título do conto de Guimarães Rosa -embora não se constitua unicamente de produções em torno dele - que serviu de texto modelo para um dos exercícios de estilo desenvolvidos em nossa primeira oficina. Trata-se de uma homenagem feita aos alunos dessa oficina a quem dedicamos a presente publicação.
O projeto de pesquisa sobre as oficinas de escrita desenvolvidas na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em andamento desde março de 2004, conta com o apoio essencial do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ao qual cabe enfim agradecer.
[1] Professora do Programa de Ciência da Literatura, da UFRJ, e tradutora.
** Tradutora, Pesquisadora, atualmente lecionando no Departamento de Ciência da Literatura da UFRJ como bolsista Recém-doutora /CNPq.
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