A
POÉTICA
DE VIEIRA
Marco
Lucchesi
(Professor
Doutor
do
Departamento
de Neolatinas da UFRJ e
escritor,
autor
de O
Sorriso
do
Caos,
Os
Olhos
do
Deserto,
entre
outros)
A
visão
das
Partes
Antônio Vieira é desses
autores,
cuja
poderosa
totalidade
enseja
freqüentes
releituras,
onde
se revelam
partes
inúmeras de
seu
espírito
continental.
São
tais
e tantas as
abordagens
dos
aspectos
multiformes
de Vieira –
como
o
discurso
e a
língua,
a
teologia
e a
política,
a
economia
e a
religião
–,
que
chegam a
formar
uma das
bibliotecas
mais
bem
acabadas das
letras
luso-brasileiras. E do
contato
com
este
mundo
novo,
barroco
e
universal,
surgem
grandes
ensaios,
com
seus
fluxos
e refluxos, no
espaço
de
quase
um
século
de boa
metodologia.
Mas
a
tarefa
não
se
esgota,
apesar
(e
por
causa)
daquelas mesmas
páginas.
Quanto
mais
se escreve –
eis
o
paradoxo
de Vieira –,
mais
e
mais
resta
a
dizer.
E a
tendência
que
hoje
parece
tomar
corpo
é aquela
que
persegue
um
entendimento
que
pretende
não
perder
de
vista,
mesmo
em
estudos
específicos
e
parciais,
o
sistema
de Antônio Vieira,
como
as
dimensões
da
História
e do
Quinto
Império,
ou,
em
outras
palavras,
o
sentido
de
unidade
que
varre de
ponta
a
ponta
obra
tão
vasta.
Vieira sente a
unidade
queimar-lhe o
rosto
e as
mãos.
E
em
vez
de se
perder
em
múltiplos
fragmentos,
num
sem-número
de compósitos
breves,
exige do
intelecto
a
compreensão
do
todo.
Tal
como
na
Divina
comédia,
onde
cada
pedra
do “Inferno”
possui uma
razão
estrutural, a
unidade
em
Vieira concentra-se na
melodia
do
todo,
em
recorrentes
citações,
em
claros
Leitmotive.
Assim,
a
palavra,
no
Jesuíta,
como
a
pedra,
em
Dante,
desafia
a multiplicidade, de
selvas
e
labirintos,
na
construção
de
um
pensamento
em
chamas,
desde
a
solidão
factual
ao
agregado
complexo
da
estrutura.
A
dialética
da
parte
e do
todo,
da
imagem
e do
espelho,
propicia uma
interpretação
forte,
tal
como
ele
próprio
– Antônio Vieira – analisa
em
cada
partícula
do
pão
consagrado:
E
assim
como
se
parte
o
cristal,
sem
se
partir
a
figura,
assim
se
parte
a
hóstia
sem
se
partir
o
corpo
de
Cristo.
E
assim
como
a
figura
está
em
todo
o
cristal
e
toda
em
qualquer
parte
dele,
ainda
que
seja
muito
pequena,
assim
em
toda
hóstia
está
todo
Cristo
e
todo
em
qualquer
parte
dela,
por
menor
e
mínima
que
seja. E
assim,
finalmente,
como
o
rosto
que
se
vê
no
cristal,
dividido
em
tantas
partes,
é
sempre
um
só
e o
mesmo,
e
somente
se multiplicam as
imagens
dele,
assim
também
o
corpo
de
Cristo,
que
está na
hóstia
dividido
em
tantas
partes,
é
sempre
um
só
corpo,
e
somente
se multiplicam as
suas
presenças.
(Sermão
do
Santíssimo
Sacramento,
parte
V).
Todo
fragmento,
imagem
e
palavra,
multiplica-se,
diante
daquele
espelho,
que
jamais
desiste de
sua
função:
debelar
o
múltiplo,
sob
a
chama
da
unidade
–
tão
perseguida
por
Vieira,
nos
sermões
e nas
cartas,
e
que
tornou
possível
uma
leitura
transversal
de
sua
obra.
Sua
totalidade
guarda
implicações
não
apenas
discursivas,
mas
metafísicas,
como
insiste
desde
o “Sermão
da
Sexagésima”,
ao
rechaçar
a
ausência
de
um
fio-condutor, de
um
tema
central.
Vieira invoca o
céu
noturno,
límpido
e
claro,
como
espelho
da
unidade
primordial,
ante-babélica,
que
os
sacerdotes
devem
perseguir.
Assim,
também,
diante
das
línguas
da Amazônia,
maiores
que
as de
Babel,
fora
preciso
recorrer
ao
fio
de Ariadne, sonhado pelas
gramáticas
jesuíticas, aspirando,
afinal,
ao
brasílico,
que
havia de
tornar
una
todas as
línguas,
por
onde
se pudesse
comunicar
melhor,
entre
nomes
e
verbos
rudes,
a imago Dei, de
um
Cristo
não
partido
(na
unidade
do
Verbo),
mas
integrado na
pele
das
palavras,
ressurrecto nas
línguas,
em
cujo
vocabulário
começava a
ser
conhecido:
Quando
Deus
confundiu as
línguas
na
torre
de
Babel,
ponderou
Filo
hebreu,
que
todos
ficaram
mudos
e
surdos,
porque
ainda
que
todos
falavam e
todos
ouviam,
nenhum
entendia o
outro.
Na
antiga
Babel
houve setenta e duas
línguas:
na
Babel
do
rio
das
Amazonas
já
se conhecem
mais
de
cento
e cinqüenta,
tão
diversas
entre
si
como
a
nossa
e a
Grega;
e
assim
quando
lá
chegamos,
todos
nós
somos
mudos,
e
todos
eles
surdos.
Vede,
agora,
quanto
estudo
e
quanto
trabalho
será
necessário
para
que
estes
mudos
falem, e
surdos
ouçam. (Sermão
da
Epifania,
parte
4).
Dessa
tensão
(da
parte
e do
todo,
da
língua
e das
línguas,
da
imagem
e do
espelho)
surgiu o
Corpo
da
História.
Desde
a
saída
do
Paraíso.
Da
Diáspora
da
Unidade.
Para
Vieira, o
tempo
havia de
trazer
de
volta
o
estado
adâmico.
Como
em
Paulo:
Tudo
em
todos.
E havia de
preparar
o
Mundo
ao
último
ato
da
Redenção.
O
tempo
linear
– do Gênesis ao
Apocalipse,
insiste o
Jesuíta
– é
maior
que
o
tempo
cíclico, das
estações
e das
demais
formas
de
eterno
retorno.
E,
além
disso,
não
cria
apenas
etapas
cumulativas, de
que
o
presente
não
seria
mais
que
uma
partícula.
O
devir
produz uma
tensão,
que
antecipa o Pleroma. O
presente
é
obra
do
passado,
mas
tem
asas
de
Futuro.
Tal
como
no Deuteronômio, o
tempo
não
é
senão
a
ponte
entre
a
Revelação
e a
Consumação
– o hayyom, do
Velho
Testamento.
E a
História
sagrada
e
profana
–
que
é
una
e
sacra,
para
Vieira – oferece
outros
e
maiores
enigmas,
que
demandam
espelhos
e
tipologias,
capazes
de
articular
as
figuras
de
Cristo
e Moisés, Eva e Maria,
Judas
e Jonas. O
passado
bíblico antecipa o
que
será: o
Verbo
e o
Tempo.
Por
isso,
a
História
sacra
é
maior
que
a
profana.
É
modelo.
E
paradigma.
E
seus
motores
permanecem
invisíveis,
movidos
por
Deus.
Ainda
não
são
os
homens
que
fazem e sofrem a
História.
O
tempo
humano
é
um
capítulo
da
eternidade
(interminabilis vitae tota simul et perfecta possessio –
como
sabe Vieira, citando Boécio),
não
mais
que
um
capítulo,
inaugurado
pela
hýbris de Adão, e
sem
o
qual
o
Verbo
não
teria podido fazer-se
carne.
Como
na Jerusalém, de Torquato Tasso, ignoramos
onde
começa
a
História.
Mouros
e
cristãos
enfrentam-se na
Terra,
enquanto
anjos
e
demônios
combatem no
céu,
e
mal
sabemos de
onde
se origina o
imenso
turbilhão.
O
trabalho
dos
homens.
E os
dias
de
Deus...
No
Padre
Vieira –
como
para
o Bossuet, das Oraisons funèbres – o
tempo
cessa na
Eternidade,
ao
encalço
do
qual
jamais
se
arresta.
O
rio
da
História
corre
para
o
mar,
como
o Tibre, o Jordão e o
Amazonas.
E o Impermanente há de
ser,
como
em
Donne e Quevedo, a
única
forma
da
Permanência.
O
tempo
é de Heráclito – e de
suas
lágrimas.
E a
duração
–
isto
se deve,
primeiro,
aos
gregos
e,
depois,
aos portugueses – será
como
um
navio
sobre
as
águas,
cujo
porto
é
Cristo.
O
drama
da
História
divide-se
entre
Heráclito e Parmênides,
fluxo
e
permanência,
ser
e
não
ser.
Por
isso,
o
poder
temporal
deve
colaborar
com
o
espiritual,
apressando o
curso
da
História,
do
não
ser
até
o
ser.
Dessa
discussão,
pela
via
nova
ou
antiga,
depende a
prática
política
da
Idade
Média
e
Moderna,
com
os
tratados
de Marsilio de Padua, Dante e Maquiavel. Vieira decide-se
pela
autonomia
das
esferas,
e, ao
mesmo
tempo,
pela
estreita
colaboração
do
papa
e do
imperador.
Os
poderes
devem
assegurar
a
demanda
de
Infinito,
gerada nas
entranhas
do
tempo.
Para
Vieira, a pax
lusitana
iria
ensejar
o
equilíbrio
dos
poderes,
e
produzir
uma
plenitude
que
resultaria na
conversão
da
Política
em
Metafísica.
O
sonho
do
mar
português
era
uma
nova
travessia
do
Mar
Vermelho.
Portugal seria a
Páscoa
do
Universo.
As
Razões
do
Todo
Antes
do
Império
luso, a
História
foi marcada
por
uma
sucessão
de
civilizações,
como
vemos no
sonho
de Nabuco, lido
por
Daniel,
ou
em
Zacarias.
Quatro
idades
passaram.
Quatro
impérios.
E foram
assírios,
babilônios,
persas
e
romanos,
os
que
ensaiaram,
com
maior
ou
menor
êxito,
a monarquia
universal.
Todos
deixaram de
ser.
Glórias,
medalhas,
nínives e atenas foram levadas
pelos
temporais
da
História:
Prêmio
e
castigo
são
os
dois
pólos
em
que
se resolve e
sustenta
a
conservação
de
qualquer
monarquia (...).
Sem
justiça
não
há
reino,
nem
província,
nem
cidade,
nem
ainda
companhia
de
ladrões
que
possa conservar-se.
Assim
o
prova
Santo
Agostinho
com
autoridade
de Cipião
Africano,
e o ensinam
conformemente
Túlio,
Aristóteles, Platão e
todos
que
escreveram de
república.
Enquanto
os
romanos
guardaram
igualdade,
ainda
que
neles
não
era
verdadeira
virtude,
floresceu
seu
império
e foram
senhores
do
mundo;
porém
tanto
que
a
inteireza
da
justiça
se foi corrompendo
pouco
a
pouco,
ao
mesmo
passo
enfraqueceram as
forças,
desmaiaram os
brios,
e vieram a
pagar
tributos
os
que
os receberam de todas as
gentes.
Isto
estão clamando
todos
os
reinos
com
suas
mudanças,
todos
os
impérios
com
suas
ruínas,
o dos
Persas,
o dos
Gregos,
o dos
Assírios
(Sermão
da Visitação de
Nossa
Senhora,
parte
2).
O
fim
da
Justiça
leva
à
morte
dos
impérios.
Sobrevivem, à
pompa
e
circunstância
dos
tempos
idos,
poucas e míseras
ruínas.
Pulvis et umbra.
Não
mais
que
sombra
e
pó.
Desmaiam os
brios.
Morrem as
virtudes.
Cessam os
méritos.
E as
forças.
E os
domínios.
E as
leis.
Tudo
que
foi,
não
é. A
glória
de César. A
beleza
de Alcibíades. A
fama
de Sócrates. Varridos
pelo
Triunfo
da
Morte.
Prêmio
e
Castigo.
Amargo
remédio
da
Providência.
O
Tempo
do
Cosmos
e o
Tempo
da
Terra.
Ontem
e
Hoje.
Sic transit gloria mundi:
Todas as
coisas
se resolvem
naturalmente,
e
vão
buscar
com
todo
o
peso
e
ímpeto
da
natureza
o
princípio
donde nasceram. O
homem
porque
foi formado da
terra,
ainda
que
seja
com
dispêndio
da
própria
vida
e
suma
repugnância
da
vontade,
sempre
vai
buscar
a
terra,
e
só
descansa
na
sepultura.
Os
rios
esquecidos da
doçura
de
suas
águas,
posto
que
as do
mar
sejam amargosas,
como
todos
nasceram do
mar,
todos
vão
buscar
o
mesmo
mar
e
só
nele se desafogam, e param
como
em
seu
centro.
Assim
todas as
coisas
deste
mundo,
por
grandes
e
estáveis
que
pareçam, tirou-as
Deus
com
o
mesmo
mundo
do
não
ser
ao
ser;
e
com
Deus
as criou do
nada,
todas correm precipitadamente, e
sem
que
ninguém
lhes
possa
ter
mão,
ao
mesmo
nada
de
que
foram criadas (Primeira
Dominga
do
Advento,
parte
4).
Seguem os
rios
esquecidos de
si.
Da
doçura
de
suas
águas,
correndo
para
o
fim.
Também
os
homens
vão
buscar
a
terra,
de
que
nasceram. Todas as
coisas
deste
mundo,
Deus
as tirou do
nada
e ao
nada
hão de
voltar.
Mesmo
Roma –
em
sua
grandeza
e
formosura
–
não
faz
exceção.
Antes:
é o
espelho,
o
destino
dos
impérios.
Figura
da
morte.
E
seu
Triunfo.
E
pena.
E
dano.
Vieira freqüenta o
famoso
ubi sunt?, no
preto
e
branco
de
sua
prosa,
focalizando,
como
Gibbon,
mais
tarde
e noutro
contexto,
as
ruínas
de uma Roma
defunta,
avara
de
Piedade
e de
Justiça:
E se no
interior
da
mesma
Roma recorrermos às
coisas
de
maior
duração,
quais
são
os
mármores;
quantos
anos,
e
quantos
séculos
há,
que
dos
mesmos
mármores
levantados
em
obeliscos
e
arcos
triunfais,
se vêem
só
as
miseráveis
ruínas,
ou
meio
sepultadas
já,
ou
cobertas
de
hera?
Finalmente
aquele
império
sem
fim,
a
que
a
fortuna
não
pôs
metas
ou
limites
alguns,
nem
à
grandeza,
nem
ao
tempo;
diga-nos, a
mesma
fortuna
onde
está, e
onde
o tem escondido? Busque-se
em
todo
o
mundo
o
império
romano,
e
não
se achará dele
mais
que
o
nome,
e
este
não
em
Roma,
senão
muito
longe
dela. (...) Acabaram-se as
guerras,
e
vitórias
romanas,
não
só
fechadas,
mas
quebrados
para
sempre
os
ferrolhos
das
portas
de Jano: acabaram-se os
Capitólios:
acabaram-se os
consulados:
acabaram-se as
ditaduras:
acabaram-se
para
os
generais
as
ovações
e os
triunfos:
acabaram-se
para
os
capitães
famosos
as
estátuas
e
inscrições:
acabaram-se
para
os
soldados
as
coroas
cívicas,
morais
e rostratas: acabam-se
enfim
como
império
os
mesmo
imperadores,
e
só
vivem e reinam, ao
revés
da
roda
da
fortuna,
o
que
eles
quiseram
acabar.
Acabou Nero; e vivem e reinam Pedro e Paulo: acabou Trajano; e vive e
reina
Clemente: acabou
Marco
Aurélio e vive e
reina
Policarpo: acabou Vespasiano; e vive e
reina
Apolinar: acabou Valeriano; e vive e
reina
Lourenço: acabou
enfim
Maximino; e vive e
reina
Catarina:
ele,
e os
outros
imperadores,
porque
se fiaram
falsamente
do
império
sem
fim:
imperium sine fine dedi: e
ela
com
os
seus,
e
com
os
outros
Mártires,
porque
reinam e hão de
reinar
por
toda
a
eternidade
com
Cristo,
num
reino
que
verdadeiramente
não
há de
ter
fim:
cujus regni non erit finis (Sermão
de
Santa
Catarina,
Virgem
e
Mártir,
parte
10).
Duas Romas. Uma vencida.
Outra
vencedora.
Morta,
a
Cidade
dos
Homens.
E
sua
infâmia.
Neros. Calígulas.
Viva,
a Roma
Santa.
De Pedro e Paulo. Dos
Mártires
(semen est sanguinis christianorum).
Viva,
a
promessa
da
Cidade
de
Deus...
Daquelas
ruínas,
ferrolhos,
estátuas
e
medalhas,
renasce a Roma
eterna,
capital
do
Tempo,
e
suas
torres,
e
pináculos
preparam
novas
altitudes.
Puramente
agostiniana,
todavia,
a
filosofia
da
História
de Vieira faz de Lisboa o
epicentro
das
grandes
mudanças, a
nova
Roma
ocidental
– a
que
havia de
fundar
o
Quinto
e
derradeiro
Império.
Reino
de
um
soberano.
De uma
religião.
Católica,
como
a
Terra
–
toda
de Portugal e
sem
fronteiras.
Apenas
um
rei.
Um
só
rebanho
e
pastor.
A
conversão
de
todos.
E – mirabilia Dei! – os
monarcas
do
mundo
inteiro
haviam de
abandonar
a vã
cobiça,
em
favor
do
rei
fatal
e do
papa
angélico. Duas Romas. O
prefácio
da Parusia.
O
Princípio
de
Espaço
Para
Vieira,
depois
dos
judeus,
os portugueses eram o
segundo
povo
eleito. Cabia-lhes, uma
não
pequena
tarefa
na
economia
salvífica. O
Deus
mosaico
firmara
um
pacto
com
Tubal,
primeiro
português,
filho
de Jafé,
neto
de Noé. A
aliança
entre
Deus
e os
lusitanos
levaria ao
maravilhoso
do
Novo
Mundo
e à
fundação
do
maior
império
de
que
se tem
notícia
(cesse o
que
a
antiga
musa
canta),
emblema
dos
altos
Desígnios:
Quem
logrou esta
promessa
feita
a Jafé? E
em
quem
se cumpriu a
grandeza
de
toda
esta
profecia?
Cumpriu-se no
primeiro
português
que
houve no
mundo,
e na
sua
descendência,
que
somos
nós.
O
primeiro
português
que
houve no
mundo
foi Tubal:
sua
memória
se
conserva
ainda
hoje,
não
longe
da
foz
do
nosso
Tejo, na
povoação
primeira,
que
fundou
com
nome
de Coetus Tubal, e
com
pouca
corrupção,
Setúbal.
Este
Tubal,
este
primeiro
português
(como
se
lê
no
capítulo
X do Gênesis) foi
filho
quinto
de Jafé (que
também
é boa a
fortuna
dos
filhos
quintos):
Filii Japhet, Gomer et Magog, et Madaï, et Javam, et Tubal. E
finalmente
neste
filho
quinto
de Jafé, neste
primeiro
português,
neste Tubal, se verificou a
bênção
de
seu
avô
Noé, e se cumpriu a
profecia
e
promessas
feitas
a
seu
pai
Jafé;
porque
só
os portugueses,
filhos,
descendentes
e
sucessores
de Tubal,
são
e foram (sem
controvérsia)
aqueles
que
por
meio
de
suas
prodigiosas
navegações
e
conquistas,
com
o
astrolábio
em
uma
mão,
e a
espada
na
outra,
se estenderam e dilataram
por
todas as
quatro
parte
do
imenso
globo
da
Terra.
Portugueses na Europa, portugueses na África, portugueses na Ásia, portugueses
na América:
em
todas essas
quatro
partes
do
mundo,
com
portos,
com
fortalezas,
com
cidades,
com
províncias,
com
reinos,
e
com
tantas
nações
e
reis
tributários.
Houve
algum
filho
de Noé, houve alguma
nação
outra
nas
idades,
por
belicosa
e
numerosa
que
fosse, e celebrada nas
trombetas
da
fama,
que
se dilatasse e estendesse
tanto
por
todas as
quatro
partes
da
Terra?
Nenhuma.
Nem
os
Assírios,
nem
os
Persas,
nem
os
Gregos,
nem
os
Romanos.
E
por
quê?
Porque
esta
bênção,
esta
herança,
este
morgado,
este
patrimônio,
era
só
devido
aos Portugueses,
por
legítima
sucessão
de
pais
e avós; derivado
seu
direito
de Noé a Jafé, de Jafé a Tubal, de Tubal a
nós,
que
somos
seus
descendentes
e
sucessores.
(Sermão
Gratulatório e
Panegírico,
parte
2).
As
etimologias
de Vieira,
como
as de Vico,
apesar
de
sua
fragilidade
(coetus Tubal), servem
para
criar,
no
labirinto
das
razões
primeiras,
um
fio
de
compreensão
mítica,
um
argumento
a posteriori,
que
tire da
História
uma
essência,
uma
noção
de
origem,
que
seria
preciso
trazer
de
volta,
desde
a
língua
sagrada,
anterior
a
Babel,
e
compreender
o
arcano
da
palavra,
o
destino
da
palavra,
pois
o
étimo
não
oferece
apenas
uma
origem,
mas
um
destino,
uma enteléquia (res sunt consequentia nominis –
para
inverter
o
adágio
medieval).
Oceano
e
Destino
Fundaram os portugueses
sublimadas
geografias.
Novas
leituras,
em
águas
jamais
cortadas,
a
não
ser
pela
imaginação
de Dante, Ariosto e Rabelais. O
mundo
ficou
maior
do
que
supunham angélicas e orlandos. Caíram as
barreiras
do
espaço.
Desenhou-se uma
nova
exegese.
Um
mapa-múndi
cristão
(profetizado
por
Isaías – dirá Vieira):
horizontes
perdidos,
águas
que
escondiam outras
ilhas,
reinos
e
cidades,
reservados
às
naus
portuguesas,
cujo
sucesso
se explicava – ao
contrário
do Ulisses de Dante –
porque
Deus
o quisera (altrui piacque). A
empresa
ultramarina produziu
danos
irreparáveis
e
um
sem-número
de
naufrágios.
Mas
o
herói
épico
mostrou-se,
inflexível,
à
altura
do
plano
divino.
Os
lusitanos
eram os
novos
cruzados.
Com
suas
venturosas
proas,
faziam do
mar
a
terra
de
sua
andarilha
missão.
O
que
encobria a
terra
era
o
elemento
da
água;
por
que
a
imensidade
do
Oceano
que
estava
em
meio,
se julgava
por
insuperável,
como
a julgaram
todos
os
antigos,
e
entre
eles
Santo
Agostinho. Atreveu-se
finalmente
a
ousadia
e
zelo
dos Portugueses a
desfazer
este
encanto,
e
vencer
este
impossível.
Começaram a
dividir
as
águas
nunca
dantes
cortadas
com
as venturosas
proas
dos
seus
primeiros
lenhos:
foram aparecendo e surgindo de uma e de
outra
parte
e
como
nascendo de
novo
as
terras,
as
gentes,
o
mundo
que
as mesmas
águas
encobriam; e
não
só
acabaram
então
no
mundo
antigo
as
trevas
desta
ignorância,
mas
muito
mãos
do
Novo
e
descoberto,
as
trevas
da
infidelidade,
porque
amanheceu nelas a
luz
do
Evangelho
e o
conhecimento
de
Cristo,
o
qual
era
o
que
guiava os Portugueses, e neles e
com
eles
navegava (Sermão
da
Epifania,
parte
2).
Impressionante
observar
a
geografia
vieiriana se tornando uma
personagem
(Adamastor vencido,
metafísico),
vigiando a misteriosa
semelhança
do
Mundo
Novo
com
a
Bíblia,
redimensionada
em
grandeza,
como
se houvera mantido
intacto
o
Todo
Diferente
de uma
paisagem
sagrada,
como
aquela percorrida
por
Francisco Xavier. Os
mares
de Vieira, Camões e Plotino confundem-se na
mesma
pátria
espiritual,
que
se
conquista
nos
mares
do
ser,
na
distância
de
outros
portos
e de outras
ilhas.
Máquina
do
Mundo.
Máquina
do
Uno.
Francisco Xavier, prossegue Vieira:
saiu de Lisboa e chegou
até
o Japão. Tomai
agora
um
mapa,
ou
uma
carta
de
marear,
ponde-a
diante
dos
olhos,
e vereis
que
em
toda
esta
navegação
e
caminho,
de
mais
de
quatro
mil
léguas,
levando Xavier
um
pé
por
terra,
outro
por
mar,
sempre
o
pé
da
terra
foi o
esquerdo,
e o
mar
do
direito.
A
primeira
terra
que
deixou saindo de Lisboa e navegando ao
sul,
foi à
costa
de Berbéria
até
Guiné,
toda
à
mão
esquerda,
e à
direita
o
mar
Atlântico.
Dali
até
o
Cabo
de Boa
Esperança,
e voltando o
mesmo
Cabo
até
o
estreito
de Meca,
por
uma e
outra
parte
a
terra
era
a África
sempre
à
mão
esquerda,
e à
direita
o
mar
Etiópico. Daquele
estreito
até
o
Seio
Pérsico, a
foz
do Eufrates, à
mão
esquerda
a Arábia
Feliz,
e à
direita
o
mar
arábico.
Da
garganta
do
mesmo
Seio
até
à
primeira
foz
do Indo, a Carmenia,
parte
da Pérsia à
mão
esquerda,
e à
direita
o
mar
Pérsico,
por
nome
mais
geral,
Eritreu. Do Indo
começa
a
terra,
a
que
ele
dá o
nome,
chamada
Índia,
e se estende
até
o
cabo
de Comorim, à
mão
esquerda
toda,
e à
direita
o
mar
Índico. Do
cabo
de Comorim, dá
volta,
e corre a
contra
costa
do
reino
de Narsinga,
ou
Bisnagá,
até
a
foz
do Ganges ao
mesmo
modo
à
mão
esquerda,
e à
direita
o
mar
ou
golfo
de
Bengala.
Seguindo o
grande
arco
que
faz
aquele
golfo
pelas
costas
da
mesma
Bengala,
Pegu, e Sião,
até
o
estreito
de Singapura o
mais
austral
de
todo
o
Oriente,
todas aquelas
terras
ficam à
mão
esquerda,
e o
mar
por
onde
se navegam,
que
é o
mesmo
golfo,
à
direita.
Finalmente,
continuando
depois
de Malaca os
reinos
de Camboja, Champá e Cochinchina, e o vastíssimo
império
da China,
todo
este
grande
trato
de
terras
demoram à
mão
esquerda,
e o
mar
ou
mares
do
oceano
chinense
até
o Japão à
direita
(Xavier Acordado, 1,
parte
4).
Eis
o
maravilhoso
da
Distância.
O
interminável
périplo
se
veste
do
detalhismo
barroco,
cujas
citações
inauguram
um
mundo
de
lugares
ainda
mais
longínquos
do
que
as de muitas
epopéias.
Nomes
estranhos,
que
parecem
lembrar
o
fundo
escuro
dos
quadros
de
um
Fetti –
como
o de David –,
ou
de Salvator
Rosa
–
como
o de Jesus
entre
os
doutores.
Uma
zona
misteriosa,
bendita
e
maldita,
ao
mesmo
tempo,
que
era
preciso
tornar
luminosa,
no
contraste
da
direita
e da
esquerda,
como
fizera Dante no
Além.
Os
mares
ambíguos
de
São
Francisco tornavam-se
melhores,
singrados
pelo
invisível
Cristo-Capitão.
Mas,
além
da
etimologia,
da
paisagem,
e da
leitura
bíblica (do
Velho
Testamento
e do
Apocalipse),
de
símbolos,
empresas
e
alegorias,
o profetismo é o
centro
das cogitações vieirianas. A
tradição
de Joaquim de Fiore,
Frei
Gil, Ubertino de Casale, esmaecidos,
mas
nem
por
isso
esquecidos, oferece-lhe a
perspectiva
central
de
sua
obra.
E,
mais
intensamente,
a suplantá-los, a
presença
de Bandarra, cujas
profecias
mostram-se
perfeitamente
acabadas,
quanto
ao
pio
Monarca.
Não
havia
dúvidas.
Para
Vieira, o
Rei
fatal
era
Dom
João IV. O
que
rompeu os
grilhões
que
ligavam Portugal a
Castela.
E, vice-Cristo na
Terra,
favoreceria a
consecução
das magnalia Dei. Os
destinos
da Monarquia
Universal
–
traço
de
união
entre
o
rei
e o
papa,
o
sol
e a
lua,
o
corpo
e a
alma,
o
tempo
e a
eternidade.
A
espera
do
Cristo
em
todos:
Foi El-rei D. João
um
rei
buscado e
achado
por
Deus.
Há
reis
que
parece
que
os fez a
fortuna
a
olhos
fechados,
sem
buscar
nem
achar,
senão
acaso.
Destes estão
cheias
as
histórias,
como
estiveram vazias as
coroas.
El-rei D. João
não
foi
só
buscado e
achado,
senão
buscado e
achado
por
Deus.
Mas
onde
o buscou
Deus
e o achou? O
que
Deus
buscou
era
um
príncipe
que
pudesse
ser
rei
e
restaurador
de Portugal: buscou-o
entre
os
príncipes
pertensores do
reino,
e achou-o na
casa
de Bragança: buscou-o
entre
os
príncipes
da
casa
de Bragança, e achou-o na
pessoa
d’El-rei D. João. Os
príncipes
pertensores à
coroa
de Portugal foram
cinco:
Espanha, França, Sabóia, Parma, Bragança; e
assim
como
Deus
buscou David
entre
todos
os
que
tinham
ou
podiam
ter
algum
direito
a
ele,
só
na
real
casa
de Bragança o achou: Inveni. (Exéquias
d’El
rei
D. João IV).
O sofrimento de Portugal, de
1580
até
1640, findara
com
a
restauração
bragantina,
como
quisera o Altíssimo.
Deus
e a
História
esperavam Portugal, cujas
lágrimas
lembravam as de Madalena,
junto
à
sepultura
de
Cristo:
(...)
assim
Portugal,
sempre
amante
de
seus
reinos,
insistia ao
sepulcro
del-rei D. Sebastião, chorando e suspirando
por
ele;
e
assim
como
Madalena no
mesmo
tempo
tinha
Cristo
presente
e
vivo,
e
via
com
seus
olhos
e
lhe
falava, e
não
o conhecia,
porque
estava
encoberto
e disfarçado,
assim
Portugal
tinha
presente
e
vivo
a el-rei
nosso
senhor,
e ouvia e
lhe
falava e
não
o conhecia (Sermão
dos
Bons
Anos,
partes
3 e 4).
Sofria Portugal. E,
todavia,
mantinha-se
fiel.
Como
os
judeus,
na Babilônia.
Deus
e a
História
esperavam Portugal. O
regresso
de
Dom
Sebastião,
novo
David,
novo
Lázaro,
com
sua
aliança
firmada
com
o
Messias,
havia de
libertar
Portugal do
jugo
a
que
seus
próprios
erros
o haviam conduzido.
Assim,
redento,
como
Madalena, Portugal –
mais
forte
nas
fronteiras,
no
império
e na
fé
– colaborava
com
o
Regresso
ao
Uno
e aprofundava
em
seus
mapas,
e
gentes,
mares
e
paisagens
a
conquista
do Liber Mundi. E a
História
–
como
em
Orígenes –
não
seria
mais
que
a
etapa
complexa
de uma suprahistória. As
esperanças
de Portugal coincidiam
com
as do
Reino
de
Deus.
Mesmo
depois
de
sua
morte,
Dom
João havia de
ressuscitar
(diz Vieira ao
Bispo
do Japão), o
que
não
seria
pouco,
ultimando,
assim,
espetacularmente
sua
missão
ante-crística.
Os
altos
Desígnios
têm Portugal
como
centro.
E rasgou
mares
nunca
dantes e doutrem navegados, ampliou a
Terra,
atingiu
impossíveis
confins,
com
meios
diminutos,
provando
não
apenas
o
seu
status
electionis,
mas
a
obstinada
vontade.
Caminhos
vitoriosos,
é
bem
verdade,
e,
nem
por
isso,
isentos
de
vicissitudes.
E a semeá-las, o
Deus
do
Antigo
Testamento,
o
Deus
tentador,
para
certificar-se da
pureza
de
seus
lugares-tenentes. A
prova
mais
dramática
deu-se
com
a
presença
holandesa no Brasil. No celebre “Sermão
para
o
Bom
Sucesso
das
Armas
de Portugal
contra
as de Holanda”,
mais
do
que
uma
exortação
bélica,
essa
página
antológica da Weltliteratur
traça
uma
perfeita
filosofia
da
História,
desesperada e
triste,
como
a de Jó,
temerária
e
grave,
como
a de Isaías,
que
exigem do
Deus
mosaico
o
cumprimento
de
Sua
parte,
a
mudança
favorável
no
curso
da
História,
o
clamor
da
Providência,
de
quem
se deve
exigir
a
parte
que
Lhe
cabe, no
Tempo:
Tirais
também
o Brasil aos portugueses, e
assim
estas
terras
vastíssimas,
como
as remotíssimas do
oriente,
as conquistaram às
custas
de tantas
vidas
e
tanto
sangue,
mais
por
dilatar
vosso
nome
e
vossa
fé
(que
esse
era
o
zelo
daqueles cristianíssimos
reis),
que
por
amplificar
e
estender
seu
império.
Assim
fostes servido
que
entrassemos nestes
novos
mundos,
tão
honrado e
tão
gloriosamente,
e
assim
permitis
que
saiamos
agora
(que
em
tal
imaginaria de
vossa
bondade)
com
tanta
afronta
e
ignomínia!
(...)
Que
a
larga
mão
com
que
nos
destes
tantos
domínios
e
reinos
não
foram
mercês
de
vossa
liberalidade,
senão
cautela
e
dissimulação
de
vossa
ira,
para
aqui
fora
e
longe
de
nossa
pátria
nos
matardes,
nos
destruirdes,
nos
acabardes de
todo.
Se esta havia de
ser
a
paga
e o
fruto
de
nosso
trabalho,
para
que
trabalhar,
para
que
foi o
servir,
para
o
que
foi o
derramar
tanto
e
tão
ilustre
sangue
nestas
Conquistas?
Para
que
abrimos os
mares
nunca
dantes navegados?
Para
que
descobrimos as
regiões
e os
climas
não
conhecidos?
Para
que
contrastamos os
ventos
e as
tempestades
com
tanto
arrojo,
que
apenas
há
baixio
no
Oceano,
que
não
esteja infamado
com
miserabilíssimos
naufrágios
de portugueses? E
depois
de
tantos
perigos,
depois
de tantas
desgraças,
depois
de tantas e
tão
lastimosas
mortes,
ou
nas
praias
desertas
sem
sepultura,
ou
sepultados nas
entranhas
dos
alarves,
das
feras,
dos
peixes,
que
as
terras
que
assim
ganhamos, as ajamos de
perder
assim!
Oh
quanto
melhor
nos
fora
nunca
conseguir
nem
intentar
tais
empresas!
(...)
Mas
só
digo e lembro a
Vossa
Majestade,
Senhor,
que
estes
mesmos
que
agora
desfavoreceis e lançais de
vós,
pode
ser
que
os queirais
algum
dia
e
que
não
os tenhais (Sermão
para
o
Bom
Sucesso
das
Armas
de Portugal
contra
as de Holanda,
parte
3).
Vieira lembrava ao
Senhor
dos
Exércitos
que
a
conquista
de
tantos
reinos,
ilhas,
cidades
realizara-se propter nomem suum,
em
Seu
nome.
Causa
que
era
mais
de
Deus
que
dos portugueses. Tantas
vitórias
não
podiam
ser
mera
dissimulação
para
os
liqüidar
com
imerecida
ira.
Era
preciso
converter
Deus
para
Deus
e fazê-lo
sair
arrependido daquele
sermão.
Por
outro
lado,
como
não
recordar
que
os portugueses sofreram o
complexo
de Ulisses –
soberbos
de
suas
façanhas
–,
como
não
recordar
que
a
injustiça
graçava
por
toda
a
parte,
como
não
recordar
que
a
desmedida
ambição
pusera
tudo
a
perder?
E,
assim,
os portugueses foram tentados
não
apenas
pelo
mundo,
pelo
diabo
e
pela
carne.
Os portugueses foram tentados terrivelmente
por
Deus,
que
os desejava
experimentar.
E começaram a
perder
o
Império.
Antes,
Portugal.
Depois,
Angola.
E Pernambuco.
Mas,
como
a
dor
fosse
mais
forte,
como
o
martírio
fosse
irreparável,
Portugal e
seu
Império
redimiram-se
pelo
sofrimento.
Quase
um
purgatório
terrestre.
Portugal seguia isolado no
deserto,
despedaçado
pela
dor.
Foi
quando
a
Providência
o arrancou do
abismo,
com
o
fim
da monarquia
dual
e a
expulsão
dos holandeses. Portugal voltava aos
antigos
resplendores.
A
História
do
futuro
já
podia
ser
vivida
em
seus
múltiplos
aspectos
e
apelos.
Mais
luminosa
do
que
antes
e
mais
sublime,
a
missão
de Portugal.
Com
as
estrelas,
que
vão
desmaiar
em
suas
costas
ocidentais,
os portugueses
são
a
luz
do
mundo.
Marcados
por
um
destino
meta-histórico, viveram uma
conversão
radical
e sentiam-se,
portanto,
puri e disposti à
plenitude
da
História...
Portugal –
rocha
da
Igreja:
Quando
Cristo
apareceu a el-rei
Dom
Afonso, estava
ele
na
sua
tenda
lendo a
história
de Gedeão,
não
só
com
um,
mas
com
dois
mistérios:
primeiro,
para
que
o
rei
desconfiasse da
promessa,
vendo
que
os
seus
portugueses eram
poucos:
segundo,
para
que
os
mesmos
portugueses entendessem,
que,
como
soldados
de Gedeão,
em
uma
mão
haviam de
levar
a
trombeta,
e na
outra
mão
a
luz.
A Pedro chamou-lhe
Cristo:
Cephas:
pedra
em
significação do
que
havia de
ser:
os portugueses
primeiro
se chamaram Tubales (de Tubal)
que
quer
dizer
mundanos,
e
depois
chamaram-se
lusitanos:
lusitanos,
para
que
trouxessem no
nome
a
luz;
mundanos
para
que
trouxessem no
nome
o
mundo;
porque
Deus
os havia de
escolher
para
a
luz
do
mundo:
Vos
estis lux mundi. (Sermão
de
Santo
Antônio,
parte
2).
Portugal
não
seria
mais
que
a
sua
própria
e
infinita
luz.
Portugal seria o
mundo,
sem
impedimentos,
da
Terra
ou
do
Céu.
Livre
de Bojadores e
Tormentas.
Nenhum
Adamastor a contrastá-lo. E
tampouco
um
Velho
do
Restelo,
que
é
morta
a
glória
de
mandar
e a vã
cobiça:
“Portugal é
toda
a
Terra
(...) E
depois
de
assim
remido,
depois
de
assim
libertado Portugal,
que
lhe
sucederá? Africa debellabitur: será vencida e conquistada África.
Imperium ottomanum ruet: o
império
otomano
cairá
sujeito
e rendido aos
seus
pés.
Domus Dei recuperabitur: A
Casa
Santa
de Jerusalém será,
finalmente
recuperada. E
por
coroa
de
tão
gloriosas
vitórias,
Aetas aurea reviviscet: ressuscitará a
idade
dourada.
Pax ubique erit: haverá
paz
universal
no
mundo.
Felices qui viderint:
Ditosos
e
bem-aventurados
os
que
isto
virem (Sermao de
Santo
Antonio,
parte
2).
O
ato
final
do
drama
cósmico (a apocatástasis) estava
prestes
a
ser
deflagrado no
fim
da
História.
Portador
dessa
missão,
tudo
dependia de Portugal,
Cristo
das
nações
–
como
seria chamado
mais
tarde.
Todas as
ilhas
do
Mundo.
Todos
os
continentes...
Tudo
seria Portugal. E,
tão
vasto
como
a
Terra,
Portugal deixaria de
existir.
O
Corpo
de
Cristo
e o de Portugal coincidem
com
o da
Eternidade.
Cristo,
em
Todos.
Não
mais
um
fragmento.
Um
indivíduo.
Ou
solidão.
Tudo
em
Todos.
Resumo:
A
poética
do
Padre
Antonio Vieira. O
Quinto
Império
e a
sinergia
da
história.
Os
fragmentos
e a
totalidade
para
o
novo
reino
hiperfísico. Sic transit gloria mundi e
novos
trânsitos.
Abstract: The
poetics of Antonio Vieira. The Fifth Empire and the sinergy of history. Totality
and fragments towards a new hyperfisical kingdom. Sic transit gloria mundi and
new other transits.
Palavras-chave:
parte,
todo;
múltiplo,
unidade;
língua,
línguas;
tempo,
eternidade.
Key-words: part,
whole; unity, multiplicity; language, languages;
time,
eternity.