A
MORTE E O
INFINITO:
ENTRE MICHEL
DEGUY E
CHARLES
BAUDELAIRE
Marcelo Jacques
de
Moraes
(UFRJ/CNPq)
- Ah! ne
jamais
sortir
des Nombres et des Êtres!
Charles
Baudelaire
À
questão
“Qu’est-ce qui se montre ‘par
soi-même’?, Michel
Deguy responde: “
Rien; rien n’est évident
par
soi. On dirait plutôt
que
tout se montre
par
un autre, avec ses autres.”[1]
Em
seu
rastro,
prosseguimos: se
nada
se põe
como
alguma
coisa
por
si,
em
sua
solidão,
é
porque
toda
identidade
deriva
de uma
operação
de
distanciamento,
da
construção
de
um
lugar-entre,
lugar
entre
o
que
se
mostra
e a
predicação
com
que
se (o)
mostra.
Assim,
uma
coisa
só
vem a
ser
ela
própria
na
aproximação
com
outra
coisa,
aproximação
que
a
torna
simultaneamente
igual
a e
diferente
de
si
própria:
só
se
conta
um
com
outro
e essa
alteridade
constitutiva
não
permite
que
se faça
unidade
consigo
próprio.
Pois
essa
operação
não
implica
apenas
remissão
ininterrupta,
em
via
de
mão
dupla,
da
coisa
uma à
coisa
outra
com
que
ela
se diz (em
certa
tradição
lingüística:
do
significado
ao
significante);
há,
entre
elas,
uma
relação
paradoxal
–
porquanto
a
um
só
tempo
necessária
e
arbitrária
–,
que
constitui uma
espécie
de
proximidade
distante,
de
estranha
familiaridade.
O lugar-entre de
que
se
trata
é
instância
de
devir
da significação e de
seu
curto-circuito:
lugar
de
passagem
e de
impasse,
entre
o
risco
que
propaga e a
hesitação
que
contém.
A
aproximação
promovida
entre
duas
coisas
parece
então
significar
que
uma
jamais
pode
simplesmente
equivaler
a
outra
ou
transmitir-lhe a
substância,
mas
que,
dadas as
irremissíveis
diferenças
de
potencial
inerentes
a
toda
relação
de
correspondência,
o
mesmo
só
se pode
dizer
“um-pouco
como”
outro,
como
se fosse
outro.
Como
exemplifica Deguy, numa
alusão
a Proust:
Si
je dis
que
partir,
c’est mourir un peu, je dis
que
ça fait comme – mourir. Et comme mourir c’est comme mourir – puisqu’il n’y a pas
d’expérience de la mort “elle-même” – j’en tire
entre
autres ceci –
que
le “même” (l’essence) est ce dont il n’y a pas d’expérience,
mais
pensée approximative. Et qu’à la rigueur il n’y a pas de tautologie,
si
le mince “comme” s’interpose
entre
le sujet et son retour en prédicat.[2]
Portanto,
assim
como
na
lógica
aproximativa do
cálculo
infinitesimal,
segundo
a
qual
a
igualdade
prometida
pelo
sinal
que
separa os
membros
de uma
equação
põe
em
cena
a
um
só
tempo
a
proximidade
e a
distância,
não
há, no
limite,
identidade
estável,
finita.
Se, no
dizer,
a irredutibilidade da
diferença
entre
o
mesmo
e
seu
outro
tende à
dizimação
–
passagem
do
significante
para
o
significado,
uma
vez
que
um
remete
incessantemente
ao
outro
para
significar
–
ela
tende
também,
paradoxalmente,
à
consolidação
–
impasse
entre
significante
e
significado,
uma
vez
que
entre
eles
as
arestas
não
cessam de se
atritar,
curto-circuitando a significação.
Como
se sabe,
esse
debate
a
respeito
da
relação
–
permanentemente
em
crise
–
entre
palavras
e
coisas
retorna
incessantemente
na
tradição
da
poesia
francesa
moderna,
e
não
se coloca
sem
pôr
em
cena
a
questão
do
sujeito
que
a produz.
Nos
termos
de Deguy:
Dans le je qui parle, il y a
quelque chose de totalement hétérogène au moi incarné qui vit. Le
logos
n’a rien à voir avec le moi-corps, pourtant ils sont voués l’un à l’autre, font
et vont et sont ensemble (...) le rapport de Je au corps est problématique. Il
le “représente”
mal,
il ne le ramasse pas assez, il ne s’y tient pas, il ne parvient pas à l’exaucer...[3]
Ou
seja, se o
dizer
não
se pode
furtar
a
perseguir
a
experiência,
ele
jamais
se confunde
plenamente
com
ela.
E é
por
isso
que
não
cessa de se
retomar:
Como
já
se pode
notar,
o
que
nos
interessa
aqui
é
rediscutir
essa
questão
das
relações
entre
a
experiência
e o
dizer
a
partir,
em
especial,
da
noção
de
infinito.
Para
tanto,
parece
fundamental
recorrer
à
obra
de
Charles
Baudelaire –
que,
sob
a
sua,
Deguy
não
cessa de
fazer
retornar
– uma
vez
que
nela a
lógica
do
infinito
se encena de
modo
consciente
e
exemplar,
remetendo a esta
vocação
de uma
experiência
para
“tornar-se
mais
ela
mesma”
– e
assim
intensificar-se
–
por
meio
deste “seu
outro”
que
é
sua
apresentação
estética.
Nas
palavras
de Deguy, citando o
poeta
de Les fleurs du
mal
[As
flores
do
mal]:
…infinitiser, c’est
redoubler d’intensité;
devenir
plus le même;
par
la
correspondance, une relation recontractée, renouée, avec son autre,
ou
comparaison.
Il est des parfums frais-comme-des-chairs-d’enfants.[5]
E se
esse
trabalho
infinito
de
intensificação
projeta
o
presente
a
partir
do
qual
sempre
se
fala
– uma
vez
que
só
se pode
falar
em
circunstância,
como
testemunha
de
um
certo
tempo-de-agora[6]
– no
tempo
por
vir
de
sua
metamorfose,
ele
implica
também,
e
antes
de
tudo,
sua
infinita
espessura
de
instante,
jamais
apreensível
em
sua
totalidade
imperfeita
(porque
esta,
justamente,
jamais
se perfaz).
Nesse
sentido,
o tempo-de-agora
não
cessa de
alterar
o presente-tornado-passado da
experiência,
espessando-o e refundando-o
como
origem:
co-memorando-o.
Assim,
é
preciso
esclarecer
desde
já,
o
infinito
baudelairiano
não
é
um
infinito
linear,
um
infinito
que
se definiria
simplesmente
pela
negação
do
finito
pertencente ao
presente,
cuja
realização
residiria
sempre
no
futuro.[7]
Ao
contrário,
o
infinito
baudelairiano se
manifesta
na
irremissível
impureza
de
tudo
o
que
há,
em
sua
vocação
para
a
estranheza,
para
a
alteridade,
no
que
poderíamos
chamar
de a
carne
viva
do
real.
Para
dar
desde
logo
um
exemplo
bastante
emblemático
e
conhecido,
cito o
poema
Une charogne [Uma
carniça],[8]
no
qual,
descrevendo
em
detalhes
“une charogne infâme”[9]
em
seu
processo
de
putrefação,
o
poeta
põe
em
cena
a
multiplicação
na
decomposição,
a
fecundidade
na
corrupção,
o
movimento
na
imobilidade,
o
infinito
no
finito;
em
suma,
a
metamorfose
–
isto
é, a
vida,
no
sentido
mais
pleno
da
palavra
– na
morte.
E essa multiplicidade
irredutível,
paradoxalmente,
encontra-se a
ponto
de se
deixar
apreender
num
quadro:
Les formes
s’effaçaient et n’étaient plus qu’un rêve,
Une ébauche
lente
à venir,
Sur la toile oubliée, et
que
l’artiste achève
Seulement
par
le
souvenir.[10]
É interessante
notar
como
Baudelaire, narrando a
metamorfose
das
formas
reais
em
formas
“sobre
tela”,
faz da
arte
o
lugar
em
que
a
metamorfose
é experimentada
como
tal,
isto
é
como
tensão
irresoluta
entre
o
mesmo
e o
outro.
Experiência
cujo
sentido
é
fato
de “lembrança”
– de
memória
–
mais
do
que
de
percepção.
Não
é,
pois,
por
acaso
que
André Malraux invocaria
com
freqüência,
ao
longo
de L’Homme précaire et la littérature [O
Homem
precário
e a
literatura]
–
ensaio
em
que
desenvolve
sua
concepção
de
metamorfose
no
âmbito
de uma
história
da
arte
e da
literatura
–, o
poeta,
que,
opondo-se a
seus
antecessores
românticos, teria tomado
consciência
de
que
a
morte,
longe
de “transformar
a
vida
em
destino”,
“é
metamorfose
e
não
posteridade”.[11]
Ou
seja, a
arte
não
permite
que
a
morte
fixe uma
identidade
que
estaria irremediavelmente conquistada, podendo
então
ser
projetada na
eternidade,
para
sempre
idêntica
a
si
mesma.
Mais
do
que
isso,
a
arte
mostra
que
o
instante
não
se
encerra
em
si
mesmo
como
na
fotografia,
esta
outra
ilusão
de
posteridade
(ao
menos
tal
como
concebida
em
seus
primórdios,
de
que
Baudelaire é
contemporâneo)
que
se viria a
desconstruir
menos
de
um
século
mais
tarde.
Nada
o exprime
melhor
do
que
estes
versos
que,
encenando o
tempo
da
metamorfose
das
formas,
prolongado ao
infinito
pelo
imperfeito
do
verbo,
desconcertam
qualquer
confinamento
temporal,
qualquer
identidade
do
instante:
“Les formes s’effaçaient et n’étaient plus qu’un rêve,/ Une ébauche
lente
à venir...”.
A
forma
estética
definida
pela
metamorfose
explicita-se,
assim,
como
a
intensificação
deste
instante
em
que
o
passado
ainda
não
se dissolveu e
em
que
o
futuro
já
se destaca. Nesse
sentido,
ela
não
constitui
limite
ou
obstáculo
para
a
manifestação
concreta
do
infinito,
mas
explicitação da incontornável
vocação
da
matéria
para
a
expansão
(“l’expansion des choses infinies” de
que
fala
o
soneto
Correspondances [Correspondências][12]).
É,
pois,
na e
pela
metamorfose
que
o
infinito
se
desvela
como
possibilidade de
um
presente
cada
vez
mais
ampliado.
Trabalho
infinito
que
faz da
memória
que,
despertada
por
alguma “semelhança
deslocada”[13]
–
“as
semelhanças
que
erram”, na
fórmula
poética
de Victor Hugo –, retraduz esteticamente
esse
presente
o
palco
de uma atualização
contínua
e
anacrônica
de
formas:
assim
como
o
futuro,
o
presente
tornado
passado
jamais
se
consuma,
encontra-se
em
permanente
metamorfose
–
em
permanente
intensificação,
espessamento, infinitização. Daí a
expressão
paradoxal
que
encontramos
em
Le peintre de la vie moderne [O
pintor
da
vida
moderna]:
“la mémoire du présent”.[14]
Assim,
na
perspectiva
baudelairiana, a
lembrança
da
experiência
indizível
do
instante
lhe
restitui,
por
meio
de
sua
apresentação
estética,
sua
infinita
espessura.
Infinita
espessura
do passado-presente
que
se fará
ver
com
a
dimensão
alegórica
que
Baudelaire
lhe
vai
dar
e
que
lhe
permitirá –
ou
o condenará a –
retornar
indefinidamente
sob
os
escombros
dos tempos-de-agora
que
o sucedem, do
mesmo
modo
que
aqueles
esqueletos
e
escalpelos
das
pranchas
de
anatomia,
traídos
pela
“Morte”
e
pelo
“Nada”,
“em
algum
país
desconhecido”,
trabalham
até
o
fim
dos
tempos
em
sua
“estranha
colheita”.
Cito a
segunda
parte
do
poema
Le squelette laboureur [O
esqueleto
lavrador]:
Manants résignés et funèbres,
De tout l'effort de
vos
vertèbres,
Ou
de
vos
muscles dépouillés,
Dites, quelle moisson étrange,
Forçats arrachés au charnier,
Tirez-vous, et de quel fermier
Avez-vous à remplir la grange ?
Voulez-vous (d'un
destin trop dur
Épouvantable et clair emblème
!)
Montrer
que
dans la fosse même
Le sommeil promis
n'est pas sûr;
Qu'envers nous le
Néant est traître ;
Que
tout, même la Mort, nous ment,
Et
que
sempiternellement,
Hélas ! il nous faudra
peut-être
Dans quelque pays inconnu
Écorcher la terre revêche
Et pousser une
lourde bêche
Sous notre pied
sanglant et
nu
?[15]
Como
se pode
notar
neste
poema
–
bem
como
em
vários
outros
de Les fleurs du
mal
– a figuração
poética
da impossibilidade da
morte
apresenta na
verdade
o
motivo
da infinitude da
experiência.
***
Para
ir
adiante,
transcrevo uma
longa
passagem
de
um
artigo
de André Hirt,
autor
atual
cuja
leitura
da
obra
de Baudelaire
me
parece
bastante
renovadora – intensificadora:
O
presente
moderno
é
movimento,
na
verdade
passagem,
“forma”
da
passagem.
Ele
nem
mesmo
é “figurável” a
não
ser
unicamente na
imagem
paradigmática e
crucial
da “passante”.
(...) “Assim
ele
vai,
ele
corre,
ele
busca.
O
que
ele
busca?
(...)
Ele
busca
este
algo
que
nos
permitirão
chamar
de modernidade. Trata-se,
para
ele,
de
retirar
da
moda
o
que
ela
pode
conter
de poético no
histórico,
de
tirar
o
eterno
do
transitório”
[Le peintre de la vie moderne].
Ele
busca
o
que
já
ocorreu;
ele
busca
nomeá-lo
como
verdade.
Ele
busca
frasear
aquilo
que,
refugiado no
vazio
da
situação,
já
ocorrera.
Assim
o
Moderno
é
movimento.
Baudelaire
busca
uma
figura
e
encontra
apenas
o
movimento
tremido da
forma
na
passagem.
Pois
a
forma,
diferentemente
da
figura,
é
passagem.
A
esse
respeito,
a
consciência
é
movimento
da
forma,
sempre
em
atraso
em
relação
à
figura.
Dizendo de
outro
modo,
toda
figura
do
sujeito,
como
da
substância,
ainda
mais
da substância-sujeito, é inadequada e
apenas
pressuposta. Na
verdade,
a
consciência
e o
sujeito
percebem, na
inquietude
e na
angústia,
sua
infinidade.
É
por
isso
que
o
sujeito
manifesta
o
paradoxo
de
sua
satisfação
vã e
finita
e de
sua
insatisfação
infinita.
A
idéia
do
sujeito
absoluto,
preenchido, é
certamente
sensata
(necessariamente pressuposta
pelo
entendimento),
mas
falsa.
A
infinidade,
ao
contrário,
no
movimento
da
forma,
abre
para
a
verdade:
é
ela
que
solicita a
consciência
poética
na afirmação da sobre-potência da
imaginação
que
escava e
fratura
os
critérios
do
entendimento.[16]
Interessa-me
especialmente
aqui
esse
“movimento
tremido da
forma
na
passagem”
que
Baudelaire
encontra
em
sua
busca
da
figura.
Relembremos o
final
do
soneto
A une
passante
[A uma
passante]:
Pois
parece-me
que
é
esse
movimento
da
passante
que
não
cessa de
escapar
que
expõe[18]
a “figura”
que
Baudelaire “não
encontra”
em
sua
concretude
infinita
de
coisa,
concretude pacificada, opacificada
justamente
pelo
entendimento,
para
usar
o
conceito
de Hegel
com
que
Hirt dialoga
aqui.
Ou,
para
introduzirmos a
questão
da
alegoria
tal
como
posta
por
Walter Benjamin, o
que
se expõe,
com
o “movimento
tremido”, é “o
fundo
obscuro
sobre
o
qual
se devia
destacar
claramente
o
mundo
do
símbolo”,
símbolo
que,
na
tradição
clássica,
operava
como
“unidade”
perfeita
entre
“o
objeto
sensível”
e “o
objeto
metafísico”.[19]
Unidade
instantânea
sintética
e
plena
de
um
sentido
que
uma
visão
do
infinito
como
sucessão
irreversível
e
cega
de
formas
(de
um
Diderot,
por
exemplo)
já
dissolvera
mas
à
qual
a
alegoria
baudelairiana irá
contrapor
uma temporalidade
outra,
a da “catástrofe
em
permanência”
do spleen,[20]
de
um
sentido
que
não
cessa de
cessar,
de se
curto-circuitar:
da
passagem
ao
impasse,
como
eu
dizia no
início.
Nos
termos
de
Origem
do
drama
barroco
alemão:
A
unidade
de
tempo
da
experiência
simbólica é o
instante
místico, no
qual
o
símbolo
recolhe o
sentido
no
local
oculto,
na
floresta,
se se pode
dizer,
que
está no
interior
de
si
mesmo.
Por
outro
lado,
a
alegoria
não
está
isenta
de uma
dialética
que
lhe
corresponde, e a
serenidade
contemplativa
com
a
qual
ela
mergulha no
abismo
que
separa a
imagem
e a significação
nada
tem desta
suficiência
indiferente,
inerente
à
intenção
do
signo,
que
parece a
ele
aparentada.[21]
A
imagem
alegórica dilata,
pois,
o
instante
que
ela
vem
materializar
por
meio
da
suspensão
insolúvel
de
seu
sentido,
como
neste
encontro
com
a
passante,
que
sempre
já
ocorreu
sem
jamais
ter
ocorrido. É
justamente
ao
desejo
de
restituir
em
sua
dimensão
infinita
a
experiência
disso
que
se vive
sem
viver[22]
– uma
vez
que
“o
conhecimento
e a
verdade
jamais
são
idênticos”[23]
–
que
responde
em
Baudelaire a
reflexão
estética[24],
seja
em
sua
vertente
propriamente
poética,
seja
em
sua
vertente
crítica.
Desejo
este
que
Baudelaire sabe
irrealizável
e
que
as figurações da
morte
em
sua
obra
poética
encenam
magistralmente.
Pois
a
morte
vem
justamente
figurar
a
impossível
materialização da infinitude do
instante,
sua
concentração
máxima,
no
limite,
irrealizável:
porque,
como
já
o pressentimos
com
Une charogne,
só
há
cadáveres
vivos.[25]
“Os
mortos
ressuscitavam
moribundos”,[26]
escreve Maurice Blanchot,
nos
permitindo
inferir
que
se
viver
em
plenitude
a
própria
morte
implica
morrer
sem
morrer,
nossa
morte
é
impossível.
Como
no
soneto
Le rêve d’un curieux [O
sonho
de
um
curioso],
no
qual
o
poeta
sonha
que
assiste à
própria
morte
no
teatro:
J'étais comme l'enfant avide du
spectacle,
Haïssant le rideau comme on hait
un obstacle...
Enfin la vérité froide se révéla:
J'étais mort sans surprise, et
la terrible aurore
M'enveloppait. -
Eh
quoi ! n'est-ce donc
que
cela
?
La toile était levée et j'attendais encore.[27]
Desejo
de se
deixar
afetar
pela
possibilidade do
impossível,
forçar
suas
fronteiras,
eis
o
que
norteia a
poética
baudelairiana.
Espera
absoluta,
que
Blanchot define
assim:
A
espera
espera.
Por
meio
da
espera,
aquele
que
espera
morre esperando.
Ele
porta
a
espera
na
morte
e parece
fazer
da
morte
a
espera
do
que
é
ainda
esperado
quando
se morre.
A
morte,
considerada
como
um
acontecimento
esperado,
não
é
capaz
de
pôr
fim
à
espera.
A
espera
transforma o
fato
de
morrer
em
algo
que
não
basta
atingir
para
cessar
de
esperar.
A
espera
é o
que
nos
permite
saber
que
a
morte
não
pode
ser
esperada.[28]
Na
espera,
pois,
de uma
infinidade
acabada,
o
que
se afirma é
presença
da
alteridade
no
mesmo,
alteridade
que
não
somente
faz
com
que
uma
forma
tenha de
fato
podido
vir
a
ser
enquanto
tal,
mas
que
também,
como
eu
dizia no
início
com
Deguy, a impele a
infinitizar-se,
a
vir
a
ser
mais
ela
mesma,
isto
é,
vir
a ser-como o
que,
de
direito,
ela
pode
ainda
e
sempre
se
tornar.
Desdobramento
infinito
de
um
mundo
finito.
E é a
partir
de
seu
transbordamento,
como
poema,
na
língua
que
se tece a
infinita
espessura
da
experiência.
Dizendo de
outro
modo:
pela
via
do
poema,
transbordar
de
volta
para
dentro
do
acontecimento
que
deflagra
tal
experiência.
A
memória
do passado-presente
em
metamorfose.
Belos
exemplos
estão
nos
poemas
de
amor
e
esquecimento
retirados de À ce qui n’en finit pas [Ao
que
não
termina],
de Deguy:
Mais
ces jours de tristesse sans fond dont les pages en parois de papier simulent une
perspective sont la “vie future” où m’accompagne ton oubli: l’interminable
brièveté changée en brève infinité fait instance d’éternité.[29]
“La poésie
n’est pas seule”:[30]
porque,
a
cada
vez
– a
cada
poema
–, a figuração do
impasse
entre
o
finito
e o
infinito
constitui
passagem
de
um
ao
outro,
constitui co-nascimento,
conhecimento:
co-memoração.
Mas
trata-se de
um
saber
que,
no
que
se configura, no
que
se faz
conhecer,
se perde: de
um
saber
que,
por
assim
dizer,
não
pode cumprir-se
enquanto
tal.
“Ce à quoi nous nous préparons se dérobe”: “l’oreille ouverte comme un
oeil”[31],
buscamos a
figura
do
infinito,
mas
o
que
encontramos é uma
forma
finita
– e,
portanto,
sempre
provisória
– de
passagem:
o
presente
se querendo
mais
espesso,
“mais
ele
mesmo”,
mais
próximo
da “vitalidade
universal”
– e é
por
aí
que
ele
se comunica
com
a
eternidade
–[32]
mas
sempre
em
diferendo
com
o
infinito
sem
palavra
da
experiência
–
sua
espessura.
Como
bem
o sabia Baudelaire:
J’ai essayé plus d’une fois,
comme tous
mes
amis, de m’enfermer dans un système pour y prêcher à mon aise.
Mais
un système est une espèce de damnation qui nous pousse à une abjuration
perpétuelle; il en faut toujours inventer un autre, et cette fatigue est un
cruel
châtiment. Et toujours mon système était beau, vaste, spacieux, commode, propre
et lisse surtout; du moins il
me
paraissait tel. Et toujours un produit spontané, inattendu, de la
vitalité universelle
venait donner un démenti à ma science enfantine et vieillote, fille déplorable
de l’utopie. J’avais
beau déplacer
ou
étendre le criterium, il était toujours en retard sur l’homme universel, et
courait sans cesse après le beau
multiforme
et versicolore, qui se meut dans les spirales infinies de la vie.[33]
Se,
bem
entendido,
é à
atividade
crítica
que
Baudelaire se refere nesse
trecho,
para
ele
ela
é
análoga
à
atividade
propriamente
artística:
o
crítico
corre
atrás
desse “atraso”,
como
o
pintor
da
vida
moderna
atrás
do
moderno
(“...il va, il court, il cherche...”).[34]
Mas
o
que
se
encontra,
como
bem
sabe o
escultor
Idéolus, é
sempre
o
informe,
a des-figura: “...toujours du marbre...”,[35]
implicando a
consciência
de
que
a
forma
é
sempre
um
disfarce
–
em
esboço
– do
infinito,
de
que
há
sempre
uma
espessura
a espreitar-lhe os
contornos.[36]
Razão
pela
qual
a
arte
moderna
primará
cada
vez
mais
pelo
inacabamento
aparente,
por
meio
da
transgressão
das
normas
técnico-estilísticas, do imbricamento dos
gêneros,
da variação de
materiais
etc, visando
com
isso
não
a recusa da possibilidade de
apreender
a
experiência
do
presente,
mas
seu
(re)conhecimento
como
finito-infinito. E exigindo
para
tanto
que
se convoquem
todos
aqueles
outros
artistas
pensadores
que
tiram o
poeta
de
sua
solidão,
já
que
disso
tudo
resulta
que
procedimentos de
conhecimento
jamais
se resolvem na
obra
de
um
único
autor:
precisam de uma
configuração
de
alteridades
que
constituam,
justamente,
uma como-unidade
pensativa,[37]
para
além
de
individualidades,
já
que
estas
sempre
se encontram sintomaticamente adscritas às
circunstâncias:
é
assim
que
se
passa
de
poemas
à
poesia,
da
poesia
à
arte,
à
crítica,
à
história,
do
presente
ao passado-presente... e é
assim
que
a
poesia
não
está
só.
Como
nesta
configuração
compósita
que
já
sugeria,
por
exemplo,
a
imagem
de Rimbaud
sobre
o
que
sucede à
visão
do
desconhecido,
invocada
por
Baudelaire no
último
verso
de As
flores
do
mal
(“au fond de l’Inconnu pour trouver du nouveau!”):[38]
Il arrive à l’inconnu, et quand,
affolé, il finirait
par
perdre l’intelligence de ses visions, il les a vues!
Qu’il crève dans son
bondissement
par
les choses inouïes et innommables: viendront d’autres horribles travailleurs;
ils commenceront
par
les horizons où l’autre s’est affaissé!
[39]
Entretanto,
a
despeito
do
que
suas
“visões”
se terão
tornado,
cada
poeta,
cada
artista,
cada
crítico,
cada
tradutor,
cada
historiador,
cada
um
destes “trabalhadores”,
no tempo-de-agora, se
reencontra
só,
aquém
e
além
das
promessas
da
morte,
em
distante
proximidade
de
si,
da
forma,
do
mundo
– de
seu
infinito:
Ele
jamais
saberia o
que
sabia.
Era
isso,
a
solidão.[40]
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
BAUDELAIRE,
Charles.
Oeuvres complètes. Paris: Seuil, 1968.
BAUDELAIRE,
Charles.
As
flores
do
mal.
Edição
bilíngüe.
Trad. de Ivan Junqueira.
Rio
de
Janeiro:
Nova
Fronteira,
1985.
BENJAMIN,
Walter. Origine du drame baroque allemand.
Trad. de Sibylle Muller et André Hirt. Paris: Flammarion, 1975.
BENJAMIN, Walter. Le concept de critique esthétique dans le romantisme
allemand. Trad. de Philippe Lacoue-Labarthe et Anne-Marie Lang.
Paris: Flammarion, 1986.
BENJAMIN, Walter. “Zentralpark”.
Trad. de Jean Lacoste.
Em:
Revue d’esthétique.
Walter Benjamin.
Paris: Jean-Michel Place: 1990, numéro hors
série.
BENJAMIN, Walter. Walter Benjamin.
Trad. de Flávio
R. Kothe.
São
Paulo: Ática, 1991.
BENJAMIN, Walter.
“Sur quelques
thèmes baudelairiens”. Trad. de Maurice de Gandillac e Rainer Rochlitz.
Em:
Oeuvres III. Paris: Gallimard, 2000.
BLANCHOT, Maurice. L’attente l’oubli. Paris: Gallimard, 1962.
HIRT, André.
Baudelaire.
L’exposition de la poésie.
Paris: Kimé, 1998.
HIRT, André. Il faut être
absolument lyrique.
Une
constellation de Baudelaire.
Paris: Kimé, 2000.
KOFMAN, Sarah.
Mélancolie de
l’art.
Paris: Galilée, 1985.
MALRAUX, André.
“L’Espoir”.
Em:
Romans.
Paris: Gallimard, 1976.
MALRAUX, André.
L'Homme
précaire et la littérature.
Paris: Gallimard, 1977.
NOVAES,
Adauto (org.).
Tempo
e
história.
São
Paulo:
Companhia
das
Letras/
Secretaria
Municipal de
Cultura,
1992.
RAULET, Gérard. Walter Benjamin. Paris: Ellipses, 2000.
Resumo:
A
noção
de
infinito
em
Charles
Baudelaire,
tal
como
lida
por
Michel Deguy, remete à
vocação
de uma
experiência
para
alterar-se e, ao
mesmo
tempo,
intensificar-se
pela
via
de
sua
apresentação
estética.
A
partir daí, pretendo
discutir, num
diálogo
permanente
entre os
dois
poetas, a figuração
poética,
por
meio da
alegoria da
morte, da
infinita
espessura do
presente.
Palavras-chave: Baudelaire, Deguy,
poesia francesa
Abstract:
The idea of infinity in
Charles
Baudelaire, as interpreted by Michel Deguy, evokes the vocation of an experience
to alter and simultaneously to intensify itself through an aesthetic
presentation. From this point on, I interlace both poets and discuss the
aesthetic figuration, through the allegory of death, of the infinite thickness
of the present.
Keywords: Baudelaire, Deguy, french
poetry
[1] “O
que
se
mostra
‘por
si
mesmo’? Nada;
nada
é
evidente
por
si.
Dir-se-ia
antes
que
tudo
se
mostra
por
um
outro,
com
seus
outros.”
DEGUY, 1993, p.10. A
tradução de
passagens extraídas de
edições francesas é de
minha
responsabilidade. Referirei o
texto
também no
original
apenas
quando se
tratar de Michel Deguy e
Charles Baudelaire.
[2] “Se
digo
que
partir
é
morrer
um
pouco,
digo
que
é
como
–
morrer.
E
como
morrer
é
como
morrer
– uma
vez
que
não
há
experiência
da
morte
“ela-mesma” – concluo
entre
outras
coisas
isto
–
que
o “mesmo”
(a
essência)
é
aquilo
de
que
não
há
experiência,
mas
pensamento
aproximativo. E
que
a
rigor
não
há
tautologia
se o
ligeiro
“como”
se interpõe
entre
o
sujeito
e
seu
retorno
em
predicado.”
DEGUY, 1998, p.27-28.
[3] “No
eu
que
fala,
há
algo
de
totalmente
heterogêneo
ao
eu
encarnado
que
vive. O
logos
nada
tem a
ver
com
o eu-corpo,
entretanto
eles
são
votados
um
ao
outro,
fazem e
vão
e
são
juntos
(...) a
relação
do
Eu
com
o
corpo
é
problemática.
Ele
o “representa”
mal,
não
o capta o
bastante,
não
se prende a
ele,
não
consegue atendê-lo...” DEGUY, 1996, p.290.
[4] “...é
precisamente
porque
não
há nenhuma
palavra
para
dizer
esta
coisa
incontestável
na
experiência
(...)
que
precisamos de
frases,
língua,
aproximação,
prosopopéia
(figuras)
etc.,
até
que
se configure
aquilo
que
se subtrai.” DEGUY, 1998, p.31.
[5] “…infinitizar
é
redobrar
de
intensidade;
tornar-se
mais
o
mesmo;
por
meio
da
correspondência,
uma
relação
recontraída, reatada,
com
seu
outro,
ou
comparação. Há
perfumes
frescos-como-carnes-de-crianças.”
DEGUY, 1986, p.35-6.
[6]
Alusão,
evidentemente,
ao Jetztzeit de Walter Benjamin. Cf
particularmente
suas
Teses
sobre
filosofia
da
história.
BENJAMIN, 1991, p.153-164.
[7] Se é
possível
distinguir,
a
partir
do
século
XVIII, duas
modalidades
de
infinito
linear
– uma
modalidade
teleológica,
finalista
do
infinito,
de
que
é
tributária
uma
visão
clássica
da
história,
e
outra
que
resulta da
noção
de
presente
como
puro
lugar
de
passagem,
lugar
em
que
contingências
historicamente produzidas se encontram
em
permanente
dissolução
em
prol
do
devir,
da
alteridade,
fazendo do
mundo
que
nos
cerca
um
mundo
de
formas
em
sucessão
– (Cf ,
por
exemplo,
Alfredo Bosi. “O
tempo
e os
tempos”.
Em:
NOVAES,
1992, p.19-32), nenhuma
delas explicita essa
infinita
espessura
do
instante
que
se dá a
ler
com
Baudelaire.
[8] BAUDELAIRE, 1985,
p.172-177.
[9]
“…uma
carniça
infame…”
[10] “As
formas fluíam
como
um
sonho
além da
vista,/
Um
frouxo
esboço
em
agonia,/
Sobre
a
tela
esquecida, e
que
conclui o
artista/
Apenas
de
memória
um
dia.”
[11] MALRAUX, 1976,
p.780 e MALRAUX, 1977, p.245,
respectivamente.
[12] “...a
expansão
das
coisas
infinitas...” BAUDELAIRE, 1985, p.114-115.
[13] DIDI-HUBERMAN,
2000, p.20.
[14] “...a
memória
do
presente...”BAUDELAIRE,
1968, p.554.
Expressão
que devemos
ler
nos
dois
sentidos
que o
duplo genitivo permite.
[15] “Desses
torrões
por
vós
cavados,/
Tíbios
campônios
em
destroços,/
De
todo
esse
esforço
dos
ossos/
Ou
dos
músculos
esfolados,//
Dizei,
que
messe
estranha
e
alheia,/
Galés
expulsos
de
um
carneiro,/
Ceifais, e de
que
fazendeiro/
Deveis
deixar
a
granja
cheia?//
Quereis (de
um
destino
tão
duro/
Espantoso
e
límpido
emblema!)/
Mostrar
que
nem
na
cova
extrema/
Sequer
dormir
nos
é
seguro;//
Que
o
Nada
conosco
é
falsário;/
Que
tudo,
a
morte
até,
nos
mente,/
Que
desde
sempre
eternamente/
Talvez
nos
seja
necessário//
Nalgum
país
desconhecido/
Escalpelar
a
terra
má/ E
empurrar
uma
áspera
pá/
Com
pé
descalço
e
dolorido?”
BAUDELAIRE, 1985, p.346-349.
[16] HIRT, 2000, p.194-195.
[17] “Que
luz…
e a
noite
após!
–
Efêmera
beldade/
Cujos
olhos
me
fazem
nascer
outra
vez,/
Não
mais
hei de
te
ver
senão
na
eternidade?//
Longe
daqui!
tarde
demais!
nunca
talvez!/
Pois
de ti
já
me
fui, de
mim
tu
já
fugiste,/
Tu
que
eu
teria
amado,
ó
tu
que
bem
o viste!” BAUDELAIRE, 1985, p.344-345.
[18] O
termo “exposição” será
longamente trabalhado
por HIRT (1998).
[19] BENJAMIN, 1985, p.172-173.
[20] “O spleen é o
sentimento
que corresponde à
catástrofe
em
permanência.” BENJAMIN, 1990, p.9.
[21] BENJAMIN, 1985, p.178.
[22] Nesse
sentido,
seria interessante
discutir
as
seções
II, III e IV de “Sobre
alguns
temas
baudelairianos”, nas
quais
Benjamin discute
particularmente
as
relações
entre
memória
e
experiência
com
Freud, Proust e Baudelaire. É
evidente
que
a
memória
involuntária
proustiana traz à
consciência
algo
dessa
ordem,
pois
aquilo
que
ela
permite
evocar
jamais
é da
ordem
do
que
foi
conscientemente
vivido.
Trata-se de uma
recriação
e
não
de uma
reconstituição
do
passado,
como
se evidencia
em
inúmeras
passagens
da Recherche. Cf.
BENJAMIN, 2000, p. 332-345.
[24]
Reflexão
no
sentido
que
lhe
atribui Benjamin
em
O
conceito
de
crítica
de
arte
no
romantismo
alemão.
Cito uma
passagem
que
me
parece
emblemática:
“[A
crítica
da
obra]
nada
mais
deve
fazer
do
que
descobrir
as
disposições
ocultas da
própria
obra,
executar
suas
intenções
secretas.
Ela
deve, no
próprio
sentido
da
obra,
isto
é,
em
sua
reflexão,
ultrapassar
a
obra,
torná-la
absoluta.
A
coisa
é
clara;
para
os românticos a
crítica
é
bem
menos
o
julgamento
de uma
obra
que
o
método
de
seu
acabamento. É nesse
sentido
que
eles
exigiram uma
crítica
poética,
que
eles
superaram a
diferença
entre
crítica
e
poesia,
afirmando: ‘A
poesia
só
pode
ser
criticada
pela
poesia.
Um
julgamento
sobre
a
arte
que
não
seja
ele
próprio
uma
obra
de
arte,
[...]
como
apresentação
da
impressão
necessária
em
seu
devir,
[...]
não
tem
direito
de
cidadania
no
reino
da
arte.’”
BENJAMIN, 1986, p.111-112.
[25]
Como diz Sarah Kofman nesta
bela
passagem de Mélancolie de l’art,
evocando de
certo
modo a
tensão
entre o
mesmo e o
outro a
partir do
cadáver: “[A]
fascinação
pela inquietante
estranheza da
arte é a
mesma
que a provocada
pelo
cadáver,
este
duplo do
vivo
que a
ele se assemelha
perfeitamente ao
ponto de
ser
com
ele confundido
sem no
entanto
ser
ele;
bem
mais
imponente,
mais
colossal,
ele
que neste
combate
com
seu
irmão
inimigo foi o vencedor, tomou o
lugar daquele
que
ele devorou e se viu
assim magnificado.” KOFMAN, 1985, p.18.
[26] BLANCHOT, 1962, p.43.
[27] “Eu
era
como
a
criança
à
espera
do
espetáculo,/
Odiando o
pano
como
se odeia
um
obstáculo.../
Mas
a
fria
verdade
enfim
se revelou://
Eu
morrera
sem
susto,
e a
terrível
aurora/
Me
envolvia. –
Mas
como!
O
que
então
se passou?/ O
pano
já
caíra e
eu
não
me
fora
embora.”
BAUDELAIRE, 1985, p.438-439.
[28] BLANCHOT, 1962, p.42.
[29] “Mas
esses
dias
de
tristeza
sem
fundo
dos
quais
as
páginas
em
paredes
de
papel
simulam uma
perspectiva
são
a “vida
futura”
onde
me
acompanha
seu
esquecimento:
a
interminável
brevidade
mudada
em
breve
infinidade
insta a
eternidade.”
DEGUY, 2004, p.220-223.
[30] “A
poesia
não
está
só”.
Aproprio-me
aqui
uma
vez
mais
de uma
expressão
de Michel Deguy,
que
também
dá
título
a
um
de
seus
livros.
Cito
aqui
uma
passagem
que
ilustra
bem
a
perspectiva
do
livro
como
um
todo.
Como
se
vê
desde
o
início,
trata-se de
alusão
a Baudelaire: “... s’il s’agit d’ “évasion” et de “paradis artificiels”,
nous demandons où aboutit l’évasion, dans quel paradis artificiel? À ce
monde changé en lui-même, c’est-à-dire en monde
par
sa relation à l’oeuvre qui le figure, le représente.
Un
dehors transformé, ouvragé, en labyrinthe, appelons ça un dedans. L’issue de
secours à pratiquer, passage secret empruntable dans les deux
sens,
et qui n’est secret qu’à proportion de notre léthargie – ce
ne-pas-s’en-apercevoir qui nous laisse vivre –, nous reconduit où, donne sur
quoi?
L’ouvrage du
labyrinthe invente un dehors qui “parle à l’âme sa langue natale” – ni
utopique, ni idiotique, ni idéologique, ni supersticieuse: un jardin
par
exemple qui soit comme le monde, c’est-à-dire tel
que
le monde tienne à cette figuration symbolique de lui en son dedans.”
[“...se se
trata
de ‘evasão’
e de ‘paraísos
artificiais’,
perguntamos
onde
termina a
evasão,
em
que
paraíso
artificial?
Neste
mundo
transformando
em
si
mesmo,
isto
é,
em
mundo
por
sua
relação
com
a
obra
que
o
figura,
o representa.
Um
fora
transformado,
obrado,
em
labirinto,
chamemos
isso
um
dentro.
A
saída
de
emergência
a
ser
praticada,
passagem
secreta
que
pode
ser
tomada
nos
dois
sentidos,
e
que
só
é
secreta
na
proporção
de
nossa
letargia
–
este
não-se-aperceber
que
nos
deixa
viver
–,
nos
leva
para
onde,
dá
em
quê?
A
obra
do
labirinto
inventa
um
fora
que
‘fala
à
alma
sua
língua
natal’
–
nem
utópica,
nem
idiótica,
nem
ideológica,
nem
supersticiosa:
um
jardim
por
exemplo
que
seja
como
o
mundo,
isto
é,
que
seja
tal
que
o
mundo
se ligue a essa figuração simbólica dele
em
seu
dentro.”]
DEGUY, 1987, p.169-170.
[31] “Aquilo
para
que
nos
preparamos
escapa”;
“a
orelha
aberta
como
um
olho”.
DEGUY, 2004, p.226-227 e p.218-219.
[32]
Analisando a
concepção
de
presente
sob
a
perspectiva
de Baudelaire, André Hirt escreve: “É
bem
a uma
modificação
da
concepção
do
tempo
que
se assiste. Da
idéia
de
um
escoamento
progressivo
no
Moderno,
ou
degressivo nas
considerações
platônicas
ou
rousseauistas, passa-se à do
tempo
como
esquema
da
eternidade.
Pois
cada
presente
toca
a
eternidade
e
não
mais
se opõe a
ela.
O
tempo
não
é
mais
a
emanação
ou
o
aparecer
degradado de
um
ser,
mas
um
modo
de
acesso
à
eternidade.
Estar-se-á na
eternidade
sendo verdadeiramente,
isto
é, tocando no
fundamento
da
vitalidade
de uma
época.”
Grifo
meu.
HIRT, 1998, p.188.
[33]
“Tentei
mais
de uma
vez,
como
todos
os
meus
amigos,
encerrar-me num
sistema
para
nele
pregar
à
minha
vontade.
Mas
um
sistema
é uma
espécie
de
danação
que
nos
conduz a uma abjuração
perpétua;
é
preciso
sempre
inventar
outro,
e essa
fadiga
é
um
cruel
castigo.
E
meu
sistema
era
sempre
belo,
vasto,
espaçoso,
cômodo
e,
sobretudo,
bem
liso;
pelo
menos
assim
ele
me
parecia. E
sempre
um
produto
espontâneo,
inesperado
da
vitalidade
universal
vinha
desmentir
a
minha
ciência
infantil
e
caduca,
filha
deplorável
da
utopia.
Por
mais
que
eu
deslocasse
ou
estendesse o
critério,
ele
estava
sempre
atrasado
em
relação
ao
homem
universal,
e corria
incessantemente
atrás
do
belo
multiforme
e versicolor,
que
se move nas
espirais
infinitas da
vida.”
BAUDELAIRE, 1968, p.362.
[34] “...ele
vai,
ele
corre,
ele
busca...”
BAUDELAIRE, 1968, p.553.
[35] “...ainda
mármore...”
BAUDELAIRE, 1968, p.429.
Primeira
cena
da
peça
inacabada
de Baudelaire intitulada Idéolus,
cujo
manuscrito
foi encontrado
apenas
em
1928.
[36] Uma
bela
imagem
baudelairiana ilustra
bem
a
questão:
a do “infinito
diminutivo”,
em
Mon coeur
mis
à
nu
[Meu
coração
desnudado]: “Pourquoi le spectacle
de la mer est-il
si
infiniment et
si
éternellement agréable? Parce
que
la mer offre à la fois l’idée de l’immensité et du mouvement. Six
ou
sept lieues représentent pour l’homme le rayon de l’infini.
Voilà un infini diminutif.
Qu’importe s’il suffit à suggérer l’idée de l’infini
total.”
[“Por
que
o
espetáculo
do
mar
é
tão
infinitamente
e
tão
eternamente
agradável?
Porque
o
mar
oferece a
um
só
tempo
a
idéia
da
imensidão
e do
movimento.
Seis
ou
sete
léguas
representam
para
o
homem
o
raio
do
infinito.
Eis
um
infinito
diminutivo.
O
que
importa se
ele
basta
para
sugerir
a
idéia
do
infinito
total.”]
BAUDELAIRE, 1968, p.636. André Hirt (1998) e Michel Deguy (1986) fazem
alusão a essa
passagem.
[37] A
inspiração
aqui
vem, uma
vez
mais,
de Deguy,
que
trabalha
sistematicamente
com
a
lógica
do “comme-un” [“como-um”] (Um
exemplo:
“L’attention poétique cherche à dire le comme-un des mortels” [“A
atenção
poética
busca
dizer
o como-um dos
mortais”]
DEGUY, 1993, p.10), permitindo-nos
pensar
esta como-unidade
pensativa,
que
seria
possível
definir
assim:
“Pas de colloques secrets ni de fureur dans la poche cordonnant la bombe
mais
des encoignures assez vaines; pas de dogmes ni de pubis tragique de sombre
groupe allumant de terreurs la réalité,
mais
de rapprochement de veines.” [“Não
havia
colóquios
secretos
nem
furor
no
bolso
intentando a
bomba,
mas
arestas
vãs;
não
havia
dogma
nem
púbis
trágico
de
sinistro
grupo
incendiando a
realidade
com
terrores,
mas
aproximações
de
veias.”]
DEGUY, 2004, p.80-81.
[38] “...no
fundo
do
desconhecido
para
encontrar
o
novo.”
BAUDELAIRE, 1985, p.452-453.
[39] “Ele
chega
ao
desconhecido,
e
mesmo
quando,
enlouquecido, terminasse
por
perder
a
inteligência
de
suas
visões,
ele
as viu!
Que
se arrebente
em
seu
salto
pelas
coisas
inauditas e
inomináveis:
virão
outros
horríveis
trabalhadores;
eles
começarão
onde
o
outro
se enfraqueceu!” RIMBAUD, 1980, p.186.
[40] BLANCHOT, 1962,
p.21.