“Prosa
Concreta”:
As
Galáxias
de Haroldo de
Campos
e depois
Marjorie Perloff
(Autora de
vários
livros e
artigos
sobre a
poesia
moderna e
pós-moderna e
também
sobre as
artes
plásticas,
incluindo, dentre outros, The Futurist Moment:
Avant-Garde,
Avant Guerre, and the Language of Rupture (Chicago,
1986),
Radical
Artifice: Writing Poetry in the Age of Media
(Chicago, 1992) e Wittgenstein’s Ladder, Poetic Language and the Strangeness
of the Ordinary (Chicago, 1996). Ela acaba de
publicar Vienna
Paradox, (New Directions, 2004),
um
livro de
memórias
sobre a
sua
infância
numa Viena de
antes da
Segunda
Guerra
Mundial.)
Tradução de Micaela Kramer
(poeta, tradutora, Mestre em Literatura Comparada pela Sorbonne Nouvelle,
Graduada em
Literatura Comparada, pela New York University)
A
prosa
[de Gertrude Stein] é
um
tipo
de
poesia
concreta
com
margens
justificadas.
--David Antin
O
ato
da
linguagem
é
também
um
ato
de
sobrevivência.
Ordem
da
palavra
=
ordem
do
mundo.
--Steve McCaffrey
À
primeira
vista, a
poesia
concreta e a
poesia
em
prosa (ou
prosa
poética) pareceriam
representar
dois
extremos,
com a
lírica (texto
em
versos, emoldurado
pelo
espaço
em
branco)
como
termo
intermediário. O
poema
concreto é
geralmente
entendido
como uma
constelação
visual
em
que,
como propunha o “plano-piloto
para a
poesia
concreta” publicado
pelos
poetas do
grupo Noigandres, “o
espaço
gráfico age
como
agente estrutural.”
De
fato, nas
palavras de
Dick Higgins, o
poema
concreto tem
por
característica “definir
a
sua
própria
forma e
ser
visualmente
e, se
possível,
estruturalmente
original
ou
mesmo
único.
Além do
mais, à
diferença do
poema
padrão
renascentista,
ou das
formas do
caligrama de Apollinaire,
que
são, de
diversos
modos o
seu
precursor, “a
forma
visual [dos
poemas
concretos]
é,
sempre
que
possível,
abstrata, as
palavras
ou
letras
que o
compõem agindo
como
ideogramas.”
Mas, à
diferença,
digamos, dos
ideogramas
nos
Cantos
de Ezra Pound,
texto de
onde os
poetas
Noigandres extraíram
seu
nome,
o
poema
concreto é
geralmente
curto;
como diz
Rosemarie Waldrop, “sua
característica
mais
evidente é a
redução. […]
Tanto as
convenções
como as
frases
são
substituídas
pela
disposição
espacial.” “Normalmente
não vemos
as
palavras,”
comenta Waldrop, “as lemos,
ou seja,
por
elas
chegamos à
sua
significação, a
seu
conteúdo. A
poesia
concreta é,
antes de
mais
nada, uma
revolta
contra essa
transparência da
palavra.”
Tome-se,
por
exemplo, o
conhecido
poema
concreto de
Haroldo de
Campos “fala/
prata /
cala/
ouro”
que
brinca
com o
provérbio “o
silêncio é
de
ouro”,
como
também
com o
epíteto
clássico “língua
de
prata”:
fala
prata
cala
ouro
cara
prata
coroa
ouro
fala
cala
para
prata
ouro
cala
fala
clara
Das dezesseis
palavras da
constelação
–
quatro “fala”,
“prata”,
“cala”,
e “ouro” –
cada uma
aparece
três
vezes: “fala”,
no
início, é “prata”,
a
palavra
com
que
rima, “cala”,
é “ouro”.
Mas o
emprego de
epítetos
parece
não
ser
mais
que
mero
acaso – “cara”
ou “coroa”
–: e
então o
quinto
par – “fala”
/ “cara” se
junta aos
dois
contrários
(“fala”/ “cala”),
e é seguido
por
um “para”
que rompe a
estrutura
em
escada do
poema. Deste
modo (sob
os
degraus,
por
assim
dizer), uma
dupla
inversão se
estabelece:
substantivo
e
adjetivo se invertem,
agora, “prata”
“cala”,
e “ouro” “fala”.
De
fato, o
que é “clara”
(a
última
palavra do
poema, usada
aqui
pela
primeira
vez, combina
“cala”
e “cara”
visual e
fonicamente), é
que “ouro”
é a
dominante, a
única
palavra
que
não combina
com nenhuma
das outras,
pois
além de
conter o
único “u” do
poema, é a
única
que,
por
não
terminar
em “a”,
não
rima
com as
demais. O
silêncio,
sugere Haroldo, pode
ser de
ouro,
mas, ao
menos
em
nossa
cultura, é o
ouro
que
fala!
O
poema é
um
bom
exemplo da
redução a
que Waldrop
se refere: contém
apenas
oito
palavras
diferentes
(o
cálculo é 4
x 3 + 4 = 16) e
sua
sintaxe é
mínima,
não havendo
nenhum
conectivo relacionando
os
pares de
substantivos
e
adjetivos. A
localização
visual é
fundamental
para o
significado:
os
possíveis
pares –
quase
nus descendo
os
degraus,
são
bloqueados na
linha 11
pela
palavra
isolada “para”; a
seguir, vêm os
pares
combinados e revertidos das penúltimas
linhas,
que conduzem
ao “clara”
final. A
modulação do
“fala”
/ “prata”
inicial ao “clara”
final é
certamente
temporal,
mas o
texto é
também
auto-reflexivo,
cada ítem
apontando
não
só
para o
que
lhe sucede
como
para o
anterior;
como
nota o
próprio Haroldo, a
constelação
como
um
todo se
assemelha à
estrutura
serial na
música,
como,
por
exemplo, à
Klangfarbenmelodie de Anton Webern (ver
MES 12).
Enquanto
que
um
poema
concreto
como
este deve
ser compreendido
como o
que os
poetas
Noigandres, seguindo Joyce, chamaram de verbivocovisual,
o
poema
em
prosa, lido
necessariamente do
início ao
fim, é
primordialmente
temporal.
Não importa
o
quão
disjuntivo,
ou
semanticamente
aberto
ele seja,
não importa
o
quanto é
constituído
por
aquilo
que Ron
Silliman chamou de “a
nova
frase”,
o
poema
em
prosa é
normalmente
um
bloco de
texto cujas
palavras,
sílabas e
letras
não possuem
nenhuma significação
ótica.
Como
nota R.P.
Draper, no
caso da
prosa
ocidental,
supõe-se automaticamente
que as
letras
que formam
as
palavras
sejam separadas
por
um
espaço de
outras
letras
formando
palavras,
que estas
palavras
avancem
pelo
papel da
esquerda à
direita, e
que as
linhas
assim
formadas sejam
estritamente
paralelas e
progridam
para
baixo a
intervalos
iguais.
Em Rational Geomancy, Steve McCaffrey e bpNichol
nos lembram
que o
livro
convencional
“organiza o
conteúdo
seguindo
três
módulos: o
fluxo
lateral da
linha, a
construção
vertical
ou
colunar
de
linhas
sobre a
página, e,
em
terceiro
lugar,
um
movimento
linear organizado
através da
profundidade
(a
disposição
seqüencial
de
página
sobre
página).”
Em
termos
práticos,
isso
significa
que “o
livro assume
o
seu
formato
material
específico
através de
seu
propósito de
acomodar
informação
lingüística
impressa de
forma
linear” (GEO 60).
Além do
mais, “a
prosa
impressa
incentiva
uma inatenção à
margem
direita
como
ponto
terminal. A
tendência a
ler continuamente,
como se o
livro fosse
uma
só
linha
prolongada”, é incentivada.
Longe de
ser uma
unidade
visual, a
página
torna-se
assim “um
obstáculo a
ser superado” (GEO 61).
Mesmo
quando o
poema
em
prosa
esquiva-se da
narrativa,
em
geral
ele exibe a
mesma
continuidade
que o
Concretismo
rejeita
em
favor da
forma
espacial.
Eis,
por
exemplo, o
poema
em
prosa de
James Tate, “Casting
a Long Shadow”,
que aparece
no
número
mais
recente da
revista
The Prose Poem:
Foi
aqui
que
a
criança
teve a
visão
da
Virgem
Mãe.
Ela
estava
em
pé
bem
aqui
e a
Mãe
Santíssima
estava
lá
em
cima
naquela
rocha
(fumando
um
charuto
mas
não
acreditamos nessa
parte).
A
criança
chorou de
alegria
e foi correndo
chamar
a
mãe.
A
mãe
estava assistindo à
sua
novela
predileta
e acusou a
criança
de
estar
fazendo
arte.
Quando
a
novela
terminou a
mãe
concordou
em
sair.
Vários
corvos
estavam conversando uns
com
os
outros.
Nuvens
de
tempestade
se aproximavam. De
repente
a
mãe
deu uma
bofetada
na
criança.
[This is where the child saw the vision
of the Virgin Mother. She was standing right here and the Blessed Mother was up
there on that rock (smoking
a cheroot but we don’t believe that part). The child wept for joy and ran to get
her mother. The mother was watching her favorite soap opera and accused the
child of playing pranks. When the soap opera ended the mother agreed to go
outside. Several ravens were talking to one another. Storm clouds were moving
in. The mother suddenly slapped the child
across the cheek.]
O subgênero
de
poesia
em
prosa representado
pelo
texto de Tate é o da
fábula
sardônica, a
história
aparentemente
casual
que termina
com uma
epifania
irônica, neste
caso o da
realidade
materna
que dissipa o
sonho da
criança. Max Jacob foi
um
mestre
pioneiro desta
forma. Nesta variação
parabólica do
poema
em
prosa, o
semântico predomina e o
visual
não exerce
nenhum
papel
significativo: o
olhar do
leitor se move do
início ao
fim
sem
prestar
atenção à
margem
direita. De
fato, a
narrativa (“Isto
é o
que
aconteceu…”) exige continuidade e
portanto, há
pouco
jogo
sonoro
interno
ou
ritmo
visual.
Como
McCaffrey et Nichol colocaram, a
página é
pouco
mais do
que
um
obstáculo a
ser superado.
Mas,
como os
autores de
Rational Geomancy alegam, existe
prosa
que
não satisfaz
a essas
convenções.
Desde
logo, o
poema
em
prosa é
em
si
mesmo
um
questionamento
sobre as
linhas. O
verso,
mesmo o
verso
livre (a
palavra
verso
vem do
latim
vertere, “virar”,
que
significa mover-se de a a b e,
em
seguida, de
b a c) é,
por
definição,
um
tipo de
receptáculo
e,
por
isso
alguns
poetas, de
Baudelaire
até
hoje, têm
tentado,
em
certos
momentos
críticos,
evitá-lo. McCaffrey
nota
que
“terminamos
por
entender [a
progressão
linear]
não
somente
como
disposição
espacial,
mas
também
como
um
modo de
pensar ” (VOS
372).
Um
modo de
pensar
que foi
posto
em
questão
já
nos
anos de
1860,
quando
Baudelaire,
em
sua
dedicatória
à Arsène Houssaye (1862), no
prefácio de Le
Spleen de Paris, (Les petits poèmes en prose), declara, “Quel est
celui de nous qui n’a pas, dans ses jours d’ambition, rêvé le miracle d’une
prose poétique, musicale sans rythme et sans rime, assez souple et assez heurtée
pour s’adapter aux mouvements lyriques de l’âme, aux ondulations de la rêverie,
aux soubresauts de la conscience?”
Os
poemas
em
prosa do
próprio Baudelaire
são
dispostos
como
páginas
impressas
normais: o
design
visual
desempenha
um
papel
importante.
Os
parágrafos
são muitas
vezes
bem
curtos, e os
mais
longos
são
freqüentemente
interrompidos
por
fragmentos
de
diálogo. De
fato,
já
que, no
caso, o
elemento
narrativo é
tão marcado,
os
poemas de
Le Spleen de Paris podem
ser
mais
propriamente designados
como
ficções
curtas.
Quanto a
isso,
nem a
poesia
em
prosa de
Baudelaire
nem a de
Rimbaud (nem
mesmo a de
Mallarmé) abriram o
caminho
para a experimentação da
prosa
concretista.
Em
vez disso,
os
poetas
Noigandres se voltaram a
dois
escritores
de
prosa:
Gertrude Stein e,
sobretudo, James Joyce.
Os
irmãos
Campos
vinham traduzindo Finnegans Wake
desde o
final dos
anos
cinqüenta, e,
em 1962,
publicaram o Panaroma do Finnegans Wake,
que contém,
além de
outros
textos, o
que Haroldo
chama de
“transcriação de onze
fragmentos (apresentação
bilingüe), acompanhada de
comentários
interpretativos.”
De
fato,
Haroldo
nos lembra
que “os
elementos
verbivocovisuais da
prosa
joyciana – a
palavra
montagem
considerada
como uma
unidade
mosaica
composta
ou
como
um
nódulo
textural
básico (por
exemplo,
silvamoonlake) – foram enfatizados
desde o
início do
movimento da
poesia
concreta”
(TriQu 55).
Ele cita uma
formulação
anterior de
Augusto de
Campos: “O
micro-macrocosmo joyciano,
que alcançou
seu
auge
em
Finnegans Wake, é
outro
excelente
exemplo [de
poesia
proto-concreta] [...]
Aqui, o
contraponto é
o
moto
perpétuo.
O
ideograma é
obtido
pela
sobreposição de
palavras,
verdadeiras
montagens
lexicais.
Sua
infra-estrutura
é
um
design
circular
em
que
cada
parte é
início,
meio e
fim.”
Pode
parecer
estranho
que a
Poesia
Concreta,
com
sua
ênfase no
espaço
gráfico
como
agente
estrutural, e a
convicção de
que, na
constelação
verbivocovisual,
forma e
conteúdo
são
isócronos, tome
como
exemplo uma
obra de
seiscentos e vinte e
oito
páginas de
prosa
contínua,
um “romance”
que,
com
exceção do
Livro II,
Capítulo 2
(“UNDE ET UBI”),
com
suas
glosas
marginais,
seus
pictogramas,
suas
partituras
musicais, e
suas
formas
geométricas,
não parece
explorar de
modo
algum a
dimensão
visual do
texto.
Mas
talvez o
que
necessite
ser reconfigurado seja a
palavra
visual.
Haroldo
nos dá uma
dica
em
seu
ensaio “A
obra de
arte
aberta” (que,
aliás,
precedeu
por
alguns
anos à
conhecida
Opera
Aperta
de Umberto
Eco).
Ao
comentar a “origanização
circular da
matéria
poética”, Haroldo acrescenta:
Também
o
universo
joyciano evoluiu […] a
partir
de
um
desenvolvimento
linear
no
tempo,
para
o espaço-tempo
ou
contenção
do
todo
na
parte
(“allspace in a notshall” – nutshell,
casca
de
noz),
adotando
como
organograma
do Finnegans Wake o
círculo
vico-vicioso. […]
cada
unidade
“verbivocovisual” é ao
mesmo
tempo
continente-conteúdo da
obra
inteira,
“myriadminded” no
instante
[…] a
ponto
de
conter
todo
um
cosmos
metafórico
numa
só
palavra.
Donde o
poder
dizer-se do Finnegans
que
retém a
propriedade
do
círculo,
da
eqüidistância
de
todos
os
pontos
em
relação
ao
centro:
a
obra
é
porosa
à
leitura,
por
qualquer
das
partes
através
das
quais
se procure assediá-la.
“Allspace in a notshall” sugere
que,
para Haroldo, a
poética
concreta
não é uma
questão de
localização
verbal
ou de
tipografia
inovadora (como
para
alguns de
seus
colegas), e
sim a
natureza
fonética,
ideogramática, paragramática dos
próprios
morfemas e
palavras.
Por
conseguinte,
a
distinção
entre “poema
visual” e “prosa”
se dissolve. Considere-se o
seguinte
trecho da
seção Anna Livia
Plurabelle de Finnegans wake, publicada
em
Panaroma do Finnegans Wake,
que inclui
as
traduções da
obra de
Joyce
por Haroldo
e
Augusto. A
tradução de
Augusto de
Campos,
que se
torna o
Fragmento 8,
cobre a
maior
parte da
página 202 (sete
linhas do
topo da
página e
três do
final).
Fala-me, fala-me, cam é
que
ela
veio
vedeando de
dentre
a
sua
gente,
o neckar
que
ela
era,
a diabolina? […] Jungindo
um,
tangendo
outro,
tocando
um
flanco
e tocantando
um
canto
e papagarelando e papillionando e riachando
rumo
do
seu
leste.
Quiangque foi o
primo
que
aarrombou? Allegueny
ele
era,
comboquer
que
eles
fossem,
um
tático
ataque
ou
síngulo
combate.
[…]
Ela
diz
que
dificilmente saberia quemnos annais
seu
desviolador foi,
um
dinasta de Leinster,
um
lobo
do
mar,
ou
o
que
ele
fez
ou
quão
joviosa
ela
jogueteava
ou
quanto,
quando,
onde
ou
quem
vez
que
vez
ele
ana
morava.
Ela
era
só
uma
tímida,
tênue
fina
meiga
mini
mima
miga duma coisinha
então,
saltiritando,
por
silvalunágua e
ele
era
um
bruto
andarulho larábil ferramundo dum Curraghman, cortando o
seu
feno
para
o
sol
cair
a
pino,
tão
rijo
como
os
carvalhos
(deus
os preteje!) costumavam
ruflar
pelos
canais
do fortífero Kildare, o
que
primeiro
florestfossenfiou champinhando
através
dela.
Ela
pensou
que
ia sussumir subterra de ninfante virgonha
quando
ele
lhe
botou o
olho
de tigris!
[Tell
me,
tell
me,
how cam she camlin through all her fellows, the neckar she was, the diveline?
Casting
her perils before our swains from Fonte-in-Monte to Tidingtown and from
Tidingtown tilhavet. Linking one and knocking the next, tapting a flank and
tipting a jutty and palling in and pietaring out and clyding by on her eastway.
Waiwhou was the first thurever burst? Someone he was, whuebra they were, in a
tactic attack or in single combat. Tinker,
tilar,
souldrer, salor, Pieman Peace or Polistaman. Thats the thing Im elwys on edge to
esk. Push up and push vardar and come to uphill headquarters! Was it waterlows
year, after Grattan or Flood, or when maids were in Arc or when three stood
hosting? Fidaris will find where the Doubt arises like Nieman from Nirgends
found the Nihil. Worry you sighin foh, Albern, O Anser? Until the gemmans
fistiknots, Qvic and Nuancee! She cant put her hand on him for the moment.
Tez
thelon langlo, walking weary! Such a loon waybashwards to row! She sid herself
she hardly knows whuon the annals her graveller was, a dynast of Leinster, a
wolf of the sea, or what he did or how blyth she played or how, when, why,
where, and who offon he jumpnad her and how it was gave her away. She was just a
young thin pale soft shy slip of a thing then, sauntering, by silvamoonlake and
he was a heavy trudging lurching lieabroad of a Curragham, making his hay for
whose sun to shine on, as tough as the oaktrees (peats be with them!) used to
rustle that
time
down by the dykes of killing Kildare, for forstfellfoss with a plash across her.
She thought she sanhk neathe the ground with a nymphant shame when he gave her
the tigris eye!]
Lendo o
que o
próprio Joyce descreveu
como
um “diálogo
tagarelo
entre duas
lavadeiras,
de
um
lado ao
outro do
rio”,
não dá
para
prosseguir da
esquerda à
direita
nem de
cima
para
baixo,
como no
caso da
prosa
transparente
típica.
Já
que a
página
não é
interrompida
por
diálogos,
parágrafos,
ou
citações
inseridas, o
leitor
procura
intuitivamente
por
configurações
que possam “organizar”
o
fluxo
verbal
equivalente ao
rio Anna Liffey,
seu
tema
nominal. A
pontuação –
pontos de
exclamação,
de interrogação,
maiúsculas –
torna-se
tão
importante
quanto os
substantivos
próprios,
reais
ou formados
por
trocadilhos,
especialmente
quando há
aliteração.
Consideremos a
seguinte
frase,
que aparece aproximadamente no
meio da
seqüência:
Fidaris will find where the Doubt
arises like Nieman from Niergends found the Nihil.
O
olho se move
para o
alto da
página, passando
por “Flood”
até
chegar a “Fonte-in-Monte” (Fonte na
Montanha) na
segunda
linha; o
neologismo Fidaris contém o
morfema Fid,
que evoca Fides (fé)
e Fideles (fiel). A
fé é
assim confrontada
com “the Doubt that river arises” (a
Dúvida
que
rio surge),
mas a maiusculização de
Dúvida sugere
que
este é
também
um dos
nomes dos
inumeráveis
rios da
seqüência,
como
em “the Doubt river rises”. De
todo
modo, a
primeira
metade da
frase é
posta
em
questão
pela
segunda,
onde Nieman (Niemand =
ninguém) de Niergends (nenhum
lugar)
encontra Nihil. No
entanto, e
aqui entra o “vocovisual”,
não pode
haver “Dúvida”
sobre a
intrincada
relação
entre as
palavras:
Fidaris
(com
“Flood” –
inundação,
na
frase
logo
acima)>find→from→found
(aliteração
de f, d, n)
Fidarisarises (rima)
NiemanNiergendsNihil
(anáfora)
Além disso,
há
assonância
do i,
letra
que aparece
dez
vezes no
espaço de
quatorze
palavras. O
agrupamento
“Fidaris” se destaca deste
modo,
assim
como
“Albern, O Answer” e “Qvic and Nuancee” nas
linhas
que se
seguem. “Nuancee” é
um
composto particulamente
complexo, contendo “nuance”
e
então “Quick [com
sotaque
alemão] and with with
nuance”
como
também “Nancy”, “antsy” e “see”.
O
contrário de
tais
efeitos de
agrupamento
é obtido
por
cláusulas
que contêm
os
monossílabos
mais
comuns,
como
em:
Ela
era
só
uma
tímida
tênue
fina
meiga
mini meima miga duma coisinha
então
[She
was just a young thin pale soft shy slim slip of a thing then]
Clichê
sobre
clichê,
com
todos os
conectivos
no
lugar!
Mas
agora a
frase
passa dessas
palavras
encurtadas
para outras
combinações,
neologismos
e
trocadilhos
com os
ditos
populares,
na
frase “saltiritando,
por
silvalunágua e
ele
era
um
bruto
andarulho larábil ferramundo dum Curraghman, cortando o
seu
feno
para o
sol
cair a
pino,
tão
rijo
como os
carvalhos (deus
os preteje!) costumavam
ruflar
pelos
canais do
fortífero Kildare, o
que
primeiro
florestfossenfiou champinhando
através
dela”
Os
trocadilhos
aqui
precisam
ser
vistos,
especialmente
“peats [peace] be with them!”,
uma
referência
perfeitamente
razoável ao
cultivo de
carvalhos,
“killing Kildare”
onde o
primeiro
morfema do
nome do
condado é
interpretado
literalmente,
e, “for forstfellfoss” (“florestfossenfiou”),
talvez
apenas
um
trava-línguas
quando
ouvido,
mas
visualmente
um
trocadilho
com
frases
como “first
fell frost”, [primeiro
caiu a
geada],
ou “forced
[and she] fell [in the] foss”, [forçada
[e
ela] caiu
[no]
fosso]. O
ru de “trudging” (“andarulho”) reaparece de
forma quiasmática
em “lurching”
(“larábil”) e
em “Curraghman,”
e o “us” de “used” (“costumavam”) reaparece
em “rustle”
(“ruflar”).
Em
seu
estudo
Ideograma:
Lógica/
Poesia/
Linguagem
(apenas
parcialmente
traduzido
para o
inglês),
Haroldo comenta o
estudo do
caractere
chinês elaborado
por Ernest
Fenollosa. À
diferença de
Pound,
que tomou
Fenollosa ao
pé da
letra,
Haroldo percebe
como
incorreta a
noção do
sinólogo de
que,
em chinês,
as
palavras
seriam
mais
próximas às
coisas do
que
em
inglês, e
que haveria
uma
ligação
natural
entre o
ideograma e
aquilo
que
ele
representa. Ao
invés,
usando as
teorias de
Roman Jakobson e de
Charles
Peirce
sobre as
motivações
semânticas e
sintáticas, Haroldo alega
que o
argumento de
Fenollosa deve
ser
entendido de
maneira
um
tanto
diferente:
Como,
[…] num
segundo
lance,
a
poesia
“naturaliza” (coisifica) o
signo,
por
força
de
sua
função
“auto-reflexiva”, da
ênfase
na
materialidade
da
mensagem
[...]
O parti-pris
genético,
acentuado
pelo
“realismo
mágico”
de Fenollosa, perde
importância,
em
favor
da
pertinência
formal
(intrínseca)
da
descrição.
Neste
ponto,
a
noção
peirceana de “diagrama”
permite
trasladar
(“traduzir”),
para
o
âmbito
das
línguas
fonético-alfabéticas (ou
da
poética
dessas
línguas,
onde
o
lado
palpável
do
signo
assume o
primeiro
plano),
a
concepção
fenollosiana (e poundiana) do
ideograma
e do
método
ideogrâmico de
compor
(sintaxe
relacional, paralelística, paratática), tendo Saussure (o Saussure dos “anagramas”
enquanto
“sucessão”
assindética de
paradigmas)
e Jakobson (em
especial
o da “poesia
da
gramática”)
como
mediadores
privilegiados.
Em outras
palavras,
para Haroldo, o
interesse do
ideograma
não está
em
seu
estatuto de
signo
visual
que
toma o
lugar de
um
determinado
significado;
na
verdade, o
ideograma
traz à
nossa
atenção o “lado
palpável do
signo”
em
sua “sintaxe
relacional, paralelística, paratáctica.” A relacionabilidade se
torna a
palavra
chave, e as
unidades a
serem relacionadas
são os
fonemas e
morfemas,
assim
como as
palavras e
as
locuções.
Desta
perspectiva,
a
poesia
concreta é
menos uma
questão de
forma
espacial e
de
dispositivo
tipográfico
do
que uma
“ideogramatização” das próprias
unidades
verbais. A
constelação
ru/ur
em “and he
was a heavy trudging lurching lieabroad of a Curraghman,”
com
seu
trocadilho
com “lie” e
“broad”,
são
itens
que precisam
ser
vistos.
No
entanto, e
isso tem obviamente sido o
papel desempenhado
por Wake
para Haroldo e os
outros
concretistas, o
método ideogrâmico,
como reconcebido no
estudo de Haroldo, pode
ser utilizado
em “prosa”
tão facilmente
quanto
em
verso,
ou
em
constelações
espaciais
características do
poema
concreto.
Agora estamos
melhor
situados
para
entender a
seguinte
afirmação de Haroldo
em
seu
ensaio de
1977, “Sanscreed Latinized”:
Em
1963, comecei a
escrever
meu
LIVRO
DE
ENSAIOS
/
GALÁXIAS
[…] O
livro
foi concebido
como
uma
tentativa
de
eliminar
o
limite
entre
a
poesia
e a
prosa
[grifo
da autora], projetando o
conceito
mais
amplo
e
mais
conveniente
de
texto
(como
um
conjunto
de
palavras
com
seus
potenciais
textuais
[…] O
texto
é
definido
como
um
“fluxo
de
signos”,
sem
pontuação
ou
letras
maiúsculas,
fluindo
através
da
página
de
forma
ininterrupta,
como
uma
expansão
galáctica.
Cada
página,
isolada, produz uma “concreção,”
ou
corpo
autônomo
coalescente, intercambiável
com
qualquer
outra
página
para
os
propósitos
da
leitura.
As “vértebras
semânticas”
unem o
todo
[…] [O
livro]
é uma
busca
pela
“linguagem
em
seu
aspecto
material,”
sem
“iníciomeiofim.” “Monólogo
externo”
foi a
frase
que
utilizei
para
expressar
essa “materialidade”
“sem
psicologia,”
isto
é,
linguagem
que
se auto-enuncia (TriQu 58,
grifo
da autora).
A
noção de “galáxia”
como
texto
limite é
reiterado no
posfácio de
Haroldo
para
Galáxias,
onde diz
que
seu
texto opera
“nos
limites
extremos de
poesia e de
prosa”. Numa
entrevista a Roland
Greene,
Augusto
similarmente
endossa a
escrita “onde
o
critério de
poesia e de
prosa
coexistem numa
situação
limítrofe,
onde as
palavras da
prosa
são
como
que
ionizadas
por
sua
função
poética.” E
acrescenta: “tal
como
em
Finnegans Wake,
em
muitos
textos de
Gertrude Stein, e
nos
Diários de
John Cage,
que
são
análogos a
obras
líricas
que
incorporam a
linguagem da
prosa,
como
certos
trechos do
Galáxias
de Haroldo de
Campos.”
Consideremos o
texto de
abertura do
Galáxias,
“e
começo
aqui”,
traduzido
para o
francês
por Inés
Oseki-Depré, e
para o
inglês
por Suzanne
Jill Levine.
e
começo
aqui
e meço
aqui
este
começo
e
recomeço
e remeço e arremesso
e
aqui
me
meço
quando
se vive
sob
a
espécie
da viagem o
que
importa
não é a
viagem
mas
o
começo
da
por
isso meço
por
isso
começo
escrever
mil
páginas
escrever milumapáginas
para
acabar
com
a
escritura
para
começar
com
a escritura
para
acabarcomeçar
com
a
escritura
por
isso
recomeço
por
isso
arremeço
por
isso
teço
escrever
sobre
escrever
é
o futuro do
escrever
sobrescrevo sobrescravo
em
milumanoites miluma-páginas
ou
uma
página
em
uma
noite
que
é o mesmo noites e
páginas
mesmam ensimesmam
onde
o
fim
é o
começo
et ici je commence et ici je
me
lance
et ici j’avance ce commencement
et
je
relance
et j’y pense quand on vit sous l’espèce du voyage ce n’est
pas
le voyage qui compte
mais
le commencement du et pour ça je mesure et
l’épure s’épure et et je m’élance écrire millepages mille-et-une pages pour en
finir avec en commencer avec
l’écriture en finircommencer avec l’écriture
et
donc je recommence j’y reprends ma
chance
et j’avance écrire sur l’écriture
est le futur de l’écriture je surécris
suresclave dans les mille-et-une-
nuits les mille-et-une pages
ou
une page dans une nuit ce qui se ressemble s’assemble pages et nuits se miment
s’ensoimêment où le bout c’est le début
and here I begin I spin here the
beguine I respin and begin to release
and realize life begins not arrives
at the end of a trip which is why I
begin to respin to write-in
thousand pages write thousandone pages
to end write begin write beginend
with writing and so I begin to
respin to retrace to rewrite write
on writing the fututre of writings the
tracing the slaving a thousandone
nights in a thousandone pages or a page in one night the same night the same
pages same semblance
resemblance reassemblance where the end is begin
Galáxias é,
por
assim
dizer,
escrito
em
prosa,
apesar de
sua
margem
direita denteada
reforçar a
noção da
página
como “constelação,”
sua
aparência sendo
talvez
mais steiniana do
que joyciana,
criada
principalmente
por
rimas (sonoras e
visuais) e o
que poderíamos
chamar de hiper-repetição. O
texto de Haroldo transmuda as
palavras “começo” e
suas
variantes
como “meço,” “recomeço,”
“remeço,” “acabarcomeçar,” “arremeço,”
assim
como duas outras
galáxias, a
primeira remetendo à
escrita – “escrever,” “escritura,”
“sobrescrevo,” “sobrescravo,” (este
último
item brincando
com a
noção de
escrever
como
escravidão) – e a
segunda remetendo à
página
em
sua incarnação isolada
ou
múltipla: “uma
página
em uma
noite,”
ou “milumanoites,” “milumapáginas,” a
página e a
noite se tornando intercambiáveis. A
imagem do
círculo, “onde o
fim é o
começo”, (“où le but c’est le début,” “where
the end is begin”) é representada fônica e
visualmente
pela elaborada
rotação e
repetição de
palavras e
morfemas. Nas
palavras do East Coker de Eliot, “No
meu
início está o
meu
fim”:
“acabarcomeçar,” “finircommencer”, “beginend”.
A
longa
palavra “acabarcomeçar”,
com
sua
rima
interna, se destaca
visualmente na
página, e conduz o
olho a várias
direções, seguindo a
trajetória de “começo”
e de outras
palavras relacionadas a
ela
que contêm “es” e “os”.
Enquanto
que o
olho acompanha a
seqüência da
página, a
noção de
escrita
como circularidade, o
traçar e
retraçar de
palavras numa
página
que
até
então estava
em
branco, é transmitida
não
somente
pelos
significados das
palavras,
como
também
por
suas
configurações
visuais. Na
tradução de Levine
para o
inglês, a
ênfase é colocada na
segunda
sílaba de “begin,”
que
leva a “in” e “spin” e,
mais
abaixo, a “finish,” “fine,” “line”,
e
assim
por
diante. Estas últimas
são
apenas
rimas
visuais, sugerindo o
cuidado tomado
para
garantir
que o
leitor veja o
texto, e
não
através dele.
Assim, é
possível
considerar
Galáxias
um
poema
visual,
não no
sentido caligramático,
como no
caso de “Il Pleut” de Apollinaire,
ou de “Wind” de Eugen Gomringer,
mas
por
sua
atenção a
letras e
morfemas,
assim
como à paranomásia e ao paragrama.
Uma
série de “monólogos
externos”
em
prosa,
Galáxias
abre
caminho
para algumas das
mais
interessantes
experiências
verbais dos
anos
noventa. Ao dizê-lo,
não estou
levando
em
conta a
tendência
atual
em
fundir
prosa e
pictogramas, a alternação de
prosa e
verso,
ou o
uso de
recursos
tipográficos
(diferentes
tamanhos de
fonte,
negrito,
itálico,
linhas
revertidas
ou de
cabeça
para
baixo)
visando “efeitos
especiais”
na
grande
tradição da
página
futurista.
Como sugiro
em
Radical
Artifice,
tal
projeto
facilmente se dilui
nos
formatos
hoje
usuais de
publicidade,
outdoors,
revistas, e
layouts
de
sites de
internet.
Estou
sim pensando
em
“textos-limites,” “poemas
em
prosa”
que, à
semelhança do
Galáxias,
põem
em
cheque a
distinção
entre
poesia e
prosa, e
ressaltam a
materialidade
do
texto.
Consideremos,
por
exemplo, a “prosa”
aparentemente
normal da
seqüência
Lawn of Excluded Middle de Rosemarie Waldrop,
publicada
em 1993. Uma
das primeiras teóricas da
poesia
concreta,
Waldrop tem experimentado várias
formas de
verso e de
prosa;
em Lawn,
a
norma é o
parágrafo
em
verso
curto,
um
por
página.
Eis a
terceira
parte:
Eu
pus
uma
régua
na
minha
bolsa
porque
ouvi
homens
falarem de
seus
sexos.
Agora
temos
medidas
corretas e
algo
pegajoso
entre
colarinho
e
pescoço.
Uma
coisa
é inserir-se
num
espelho,
outra
bem
diferente
é
recuperar
a
própria
imagem
e
ter
seus
erros
tomados
por
objetividade.
Vítrea.
Como
no
humor.
Uma
mudança
de
perspectiva
é causada
pelo
músculo
ciliar,
mas
não
precisa
ser
conciliatória.
Todavia
o
olho
é a
câmera,
espaço
para
tudo
que
deve
entrar,
como
o
cilindro
chamado a
satisfação
de
espaço
vazio.
Somente
a
linguagem
produz uma
grama
tão
verde-grama.
[I
put a ruler in my handbag, having heard men talk about their sex.
Now we have correct measurements
and a stickiness
between collar and neck. It is one
thing to insert yourself
into a mirror, but
quite
another to get your image out again and have your errors pass for objectivity.
Vitreous.
As in
humor.
A change in perspective is caused by the ciliary muscle, but need not be
conciliatory. Still, the eye is a camera, room for everthing that is to enter,
like the cylinder called the satisfaction of hollow space.
Only language grows such grass-green grass.]
Quando vemos
este
bloco
textual,
com
suas
margens
direita e
esquerda justificadas,
nada
em
particular se destaca,
com
exceção
talvez da
primeira
letra,
um “I” maiúsculo
em
negrito,
e
mesmo
isto é uma
convenção de
impressão. E,
como no
caso de
prosa de
formato
usual, lemos o
texto da
esquerda
para a
direita e de
frase
em
frase
até
sua
conclusão.
Apesar do
título do
livro
claramente
brincar
com a
lei do
terceiro
excluído, a
lei da
lógica
formal
onde
tudo é
verdadeiro
ou
falso, o
que Waldrop rejeita
como sendo uma
falsificação da
experiência, o
seu
não é
um
texto
primordialmente paragramático,
em
que
morfemas e
fonemas de uma
dada
palavra se separam
para
formar
novas
constelações.
A
linguagem é
tão
importante
para Waldrop
quanto
para Haroldo de
Campos,
só
que,
para
ela,
como
para o Wittgenstein
que
ela cita na
contracapa, “A
poesia [é] uma
lógica
alternativa,
menos
linear.” “Wittgenstein”, escreve Waldrop, “faz
da
linguagem,
com
suas
ambigüidades,
a
base da
filosofia.
Seus
jogos se
realizam no
Gramado do
Terceiro
Excluído,”
que “brinca
com a
idéia da
mulher
como
terceiro
excluído
[…],
mais
especificamente,
com o
útero,
centro
vazio do
corpo da
mulher,
lugar da
fertilidade.”
Em
conseqüência,
a “lógica”
que
governa o
poema
em
prosa de
Waldrop é
absurda
em
seu
hiper-literalismo. A
poeta põe uma
régua
dentro da
bolsa, “porque
ouvi[u]
homens
falarem de
seus
sexos.” “Agora,”
nota
com
orgulho,
“temos
medidas
corretas”,
mas o “algo
pegajoso”
que resulta
parece
estar no
lugar
errado: “entre
colarinho e
pescoço.” Suponho
que a
frase
seguinte
deriva da
proposição de
Wittgenstein
em
que “um
desenho
nos manteve
capturados. E
não podíamos
sair dele
porque
pertencia à
nossa
linguagem.”
Lemos
que “uma
coisa é inserir-se num
espelho,
outra
bem
diferente é
recuperar a
própria
imagem…” É
possível
gerar a
própria
imagem
simplesmente
ao se
por
diante de
um
espelho,
mas é
claro
que
não podemos
“recuperar”
esta
imagem, e
manter
sua
posse,
pois a
imagem de
um
espelho
não tem
vida
própria.
Além disso,
da
perspectiva
da
mulher,
“inserir-se” é uma
prerrogativa
masculina, o
que põe
em
questão os
esforços da
mulher
para “recuperar
a
própria
imagem” e “ter
os
seus
erros
tomados
por
objetividade.”
Como a
palavra
que se segue
nos diz, a
situação é “Vítrea,”
tão vidrenta
e escorregadia
como a “grama
[…] verde-grama”, uma
frase
que
desafia a
lei da
lógica,
onde o
atributo de
uma
coisa
não pode
ser
idêntico
àquela
coisa.
“Vítrea.
Como no
humor.” O
que
quer
dizer
esse “como”?
O
humor seria
vítreo?
Transparente?
Quebradiço? No
poema de
Waldrop, uma
dada
expressão
ou
frase parece
apenas “seguir”
à
que
lhe
antecede,
lógica
ou
temporalmente.
De
fato, a
familiaridade do
bloco
textual na
página
em
branco acaba
por se
mostrar
tão
questionável
quanto a
lei do
terceiro
excluído.
Por
exemplo, a
própria fixidez da
estrutura de Waldrop é contraditada
por
seu
fraseado; as
palavras,
que, ao chegarem às
margens,
não
são separadas
em
sílabas, encaixam-se na
área limitada
somente
porque a
poeta permite
um espacejamento
desigual
entre as
palavras,
assim produzindo
espaços
em
branco
salientes.
Em
seu
novo
livro de “poemas
em
prosa,” Reluctant Gravities, Waldrop se
refere a esta
prática
como a uma “jardinagem
de
espaços
em
branco,
que, ao se
deslocar
para
dentro
desde a
margem
direita, suspende o
tempo. A
suspensão se
fixa, é
fixada tipograficamente
em
colunas
que
precipitam falsas
memórias de
um
jardim, de
uma
vinha, de
uma
treliça.”
Assim,
este
trecho
específico
tem
um
número
diferente de
caracteres
por
linha,
desde
quarenta e
cinco
caracteres
(na
primeira
linha)
até
cinqüenta e
três (na
quarta). O
espacejamento
mais
amplo de
certas
palavras
como
“conciliatória” enfatiza a
sua
relação
fônica e
visual
com outras
palavras,
neste
caso
com “ciliar”
(de uma
pestana) na
sexta
linha, e
com “cilindro”,
na
sétima.
Além do
mais, o
espacejamento da
oitava
linha (que
tem
apenas
quarenta e
sete
caracteres),
cria o “espaço
(bem)
vazio”,
seu
ponto de
referência,
e os
olhos do
leitor
são
inevitavelmente
atraídos
pelas
palavras
seguintes “somente
a
linguagem
produz”; estas
não
são
seguidas de
nenhuma
outra
palavra na
linha
que se
segue.
Além disso,
a “grama”
aponta de
volta
para “produz”
assim
criando uma “galáxia”
neste
gramado do
terceiro
excluído
Um
segundo
exemplo de
um
bloco de
prosa
atento à
margem
direita é
“Aenigma” de Steve McCaffery :
quando
sou lido sou sentenciado e retirado da
equivalência
quando
a
sombra
levanta
sua
caixa
sou
luz
quando
meus
dedos
se transformam
em
frontes
sou
um
coração
de
águia
ensinando
escorpiões
a dansar
quando
há
cidades
sou a
cor
cinza
quando
há
um
incêndio
nacional
sou uma
cama
d’água
partilhada
onde
eu
for tentado
por
precisão
torno-me
ruga
alhures
se modificam
meu
centro
repito uma
palavra
antes
que
a
próxima
faça
sentido
caso
minha
voz
se enxerte numa
pergunta
então
a
terceira
persona substituirá uma
capa
de
cartão
se
conto
a
mim
mesmo
estas possibilidades a
mim
conto
que
uma
lona
cedeu
para
que
ao
ser
comido na
resposta
ainda
me
farão
propostas.
[when i am read i am sentenced and
detached from equivalence when the shadow lifts its box im
light
when my fingers turn to foreheads im an eagles heart instructing scorpions to
dance when they
are
cities im the colour grey when theres a national blaze i am a bed of shared
water wherever i am tempted by precision i become a wrinkle elsewhere if they
modify my centre i repeat a word before the next one has a meaning should my
voice be grafted to a question then the third persona will replace a cardboard
cover if i tell myself these possibilities i tell myself a canvas has subsided
so that when i am eaten in the answer i am still proposed.]
A
expressão
essencial nesta
composição de doze
linhas é “I am”, “sou” (e
suas
variantes : ‘ser’ ‘for’, ‘mim’,
‘me’), sendo
que o “Aenigma” (escrito
de
forma
arcaica) do
título é “o
que sou?” As
respostas
dependem de
advérbios de
tempo e de
lugar:
bem no
meio do
texto
encontra-se a
frase “onde
eu for,” e a
referência a
“alhures”,
embaixo da
qual seguem
diretamente
uma
após a
outra
cinco
ocorrências
de “quando.”
“Meu
centro,” “minha
voz,” “se
conto a
mim
mesmo,” “a
mim
conto”: a
auto-referência é
posta
em
primeiro
plano
durante
todo o
texto. E, no
entanto,
este é o
menos
pessoal dos
poemas,
como diria
Haroldo,
um “monólogo
externo,”
em
que a “linguagem
se auto-enuncia.” De
fato, o “eu”
ubíquo
não é
um
indivíduo
em
particular,
e
sim uma
função de
um
jogo
maior de
linguagem.
A
abertura, “Quando
sou lido sou sentenciado e reitrado da
equivalência”
abre o
caminho
para a
atividade
paragramática do
poema.
Ser “lido” implica
inevitávelmente
ser sentenciado:
leitores de
prosa
processam
frases
consecutivas –
mas esta
demanda (que
este
poeta
não pode
satisfazer) torna-se
também uma
espécie de
sentença de
morte.
Além disso,
o
texto é
“retirado da
equivalência”
de
linhas de
comprimentos
equivalentes, de
declarações
equivalentes. E,
como
não há
pontuação, as
construções
“quando,
então”
tornam-se equívocas, as
cláusulas
muitas
vezes
apontando
tanto
para
frente
quanto
para
trás,
como
por
exemplo
em
“quando
há
cidades sou
a
cor
cinza
quando há
um
incêndio
nacional.”
De
fato,
do
início
ao
fim do
texto,
post hoc
não é
nunca
propriamente propter hoc.
Ademais,
trocadilhos
regularmente
prejudicam a possibilidade da
comunicação.
“Quando
a
sombra
levanta
sua
caixa, sou
luz,”
por
exemplo,
brinca
com o
gerúndio
“shadowboxing”,
e
mais
especificamente
talvez,
com a
conhecida
canção de
Duke Ellington “I’m beginning to see the
light”,
que contém a
estrofe,
“Costumava
vaguear
pelo
parque /
Shadowboxing no
escuro, /
Então
você chegou e provocou
uma
faísca, /
Agora é
um
fogo de
alarme-quatro.” Este
fogo
torna-se
um
incêndio
nacional na
quinta
linha, e
quando
isso
ocorre,
então
“sou uma
cama d’água
partilhada.”
Bom
para
apagar as
chamas,
mas
como é
que
partilhamos a
água?
Como a
sétima
linha o
coloca, o
método de
McCaffery é de
suspensão:
“repito uma
palavra
antes
que a
próxima faça
sentido.”
Portanto, sendo “sentenciado e retirado da
equivalência,” o
texto deve defender-se
sozinho.
Mesmo se o “aenigma” do
título
nunca for resolvido, a textualidade se impõe
sobre o
leitor: “ao
ser comido na
resposta
ainda
me farão
propostas.”
Notem
que esta
última
linha é a
única
que
não alcança a
margem
direita justificada, chamando a
atenção do
leitor
para as “propostas”.
Ainda
que se
assemelhe a
um
parágrafo de
prosa
comum, o
“Aenigma” de McCaffery exerce
assim os
seus
significados
visual e
concretamente.
Vê-se
que a
tipografia
teve
grande
influência
sobre a
desconstrução das
categorias “prosa/verso.”
Uma
prosa “galaxial”
um
tanto
diferente é a de Joan Retallack, num
trecho de
seu
livro How to Do Things with Words chamado
“Narrative as
memento mori”:
No
café
da
manhã
no Ramada Inn
Paul
precisava
testar
o procedimento
par
a
revelar
um
fotograma. (Ele
não
de
seja chamá-lo de Rayografia
por
raz
ões
políticas.)
Doug pediu 2
ovos
f
ritos
com
presunto.
Eu
pedi Special
K e uma
banana.
Paul
pediu
rabanada
e iniciou o fotograma colocando
um
pedaço
de
papel
sensível
azul
retan
gular
sobre
o
seu
caderno,
empurran
do tachinhas
em
cada
um
dos
quatro
cantos
para
mantê-lo no
lugar.
Colo
cou uma
colher,
um
cinzeiro
e 4 pac
otinhos de
açúcar
sobre
o
papel
sen
sível e
em
seguida
o levou
para
for
a
para
revelar,
voltando
alguns
min
utos
mais
tarde
sem
o fotograma, ma
s
com
um
recipiente
de
alumínio
ret
angular
cheio
de
água.
Colocou o re
cipiente
sobre
a
mesa
ao
lado
de su
a
rabanada.
Doug disse
estar
enverg
onhado
com
a
quantidade
de
comida
e
m
seu
prato.
Eu
estava desapontada
porque
a garçonete
não
me
trouxe
um
a
banana
inteira.
Contei a
história
da
banana
voadora avistada na
mesma
cidade
da Rússia (Voronezh?)
onde
h
á
pouco
anunciaram a
presença
de al
ienígenas passeando
pelo
parque
com
um
robô.
Paul
saiu
pra
checar
o fot
ograma. Disse
que
quando
o
papel
se
nsível se descora as
imagens
estão
reveladas. Estava
preocupado
que
nã
o houvesse
bastante
luz.
A
manhã
es
tava
nublada. Doug falou
que
na vin
da de
trem
tinha
conversado
com
Mar
cia
sobre
a
banda
de rock pós-punk
de
sua
filhas. Disse
que
se interes
savam
por
letras
violentas. De algu
ma
forma
surgiu o
assunto
de misogi
nia.
Paul
retornou e falou
que
o fo
tograma
não
estava
pronto
e
que
est
ava
realmente
preocupado
que
não
ho
uvesse
bastante
sol.
Achei
que
as f
atias de
banana
no
meu
Special K er
am
menos
de
um
1/3 de uma
banana
in
teira.
Paul
saiu
novamente
pra
chec
ar
o
andamento
do fotograma. Doug h
avia
comido
tudo
de
seu
prato.
Perc
ebi
que
não
queria o
suco
de laranj
a
que
pedira,
mas
mesmo
assim
bebi.
[At
breakfast in the Ramada Inn
Paul
needed to
test the procedure for de
veloping a
photogram. (He does not
wish to
call it a Rayograph for pol
itical
reasons.) Doug ordered 2 egg
s sunnyside
up with ham. I ordered
Special K
and a
banana.
Paul
ordere
d French
toast and began the photog
ram placing
a blue rectangular piec
e of
sensitive paper on his noteboo
k, sticking
push pins in each of th
e four
corners
to hold it in place.
He placed a
spoon, an ashtray, and
4 packets
of
sugar
on the senstive
paper and
then took it outside to d
evelop,
returning a few minutes lat
er without
the photogram, but with
a
rectangular aluminium pan filled w
ith water. He placed the pan on the
table next to his French toast. Dou
g said he was embarrassed by all th
e food on his plate. I was disappoi
nted because the waitress didn’t br
ing
me
a whole
banana.
I told the s
tory of the flying
banana
sighted i
n the same village in Russia (Voron
ezh?) where aliens were recently re
ported strolling in the park with t
heir robot.
Paul
went out to check
the photogram. He said when the sen
sitive paper turns pale the images
are
developped. He was worried there
might not be enough
light.
It was a
foggy morning. Doug said he had tal
ked with Marcia on the train coming
up about her daughters post-punk r
ock band. He said they were into vi
olent lyrics. Somehow the subject o
f misogyny arose.
Paul
came back
d said the photogram wasn’t ready a
nd he was really worried
there wasn
t enough sun. I thought the slices
of
banana
on my special K were less
than 1/3 of a whole
banana.
Paul
we
nt back out to check the progress o
f the photogram. Doug had finished
a
ll the food on his plate. I realiz
ed I didn’t want the orange juice I
had ordered, but I drank it
anyway.]
A “narrativa”
de Retallack, o relato de
um
café da
manhã
com
Paul e Doug
no Ramada Inn, é uma
história
que
não vai a
lugar
nenhum,
exceto
sobre a
página;
mas, na
página, há
bastante “ação”
verbal. Se
Waldrop e McCaffery ajustam o espacejamento
para poderem
cumprir as
exigências
de uma
margem
direita
justificada, Retallack
começa
com uma
restrição
específica:
trinta e
cinco
caracteres
por
linha,
incluindo os
espaços
que
funcionam
como
pausas.
Quando uma
frase
alcança a
margem
criada
por esta
regra, a
palavra
em
questão deve
ser retalhada,
nos dando
ítens
como
“retan/gular”, “sen/sível”, “min/utos”, “fot/ograma”, “Mar/cia”,
“algu/ma”, “misogi/nia”, “in/teira”. A
margem
esquerda
torna-se
assim uma
coluna de
letras,
verticalmente
produzindo
palavras
como “usa”
e “saca”.
Que verdadeiramente
estranha é a
formação das
palavras,
sugere a
poeta. Do
princípio ao
fim do
texto, a
produção do fotograma
por
Paul
(“disse
que
quando o
papel se/nsível se
descora as
imagens
estão/ reveladas”) é
análoga ao
próprio
processo poético,
onde as
palavras
são dotadas
de uma
vida
nova
por
suas
decomposições
e
suas
localizações
sobre o
papel “sensível
à
luz”.
Decisões: o
que
pedir no
café da
manhã, o
que
fazer
com o
papel, se encontram de
formas
engraçadas,
enquanto
que a
mulher
que
fala exprime
a
sua
decepção “porque
a garçonete
não
me trouxe
um/a
banana
inteira”,
um
detalhe
que de
alguma
forma se funde
com a
misoginia
em
potencial de
seus
dois
companheiros.
Como o
fotograma (que
não pode
ser chamado de
“Rayografia
por raz/ões
políticas”,
obviamente
para
evitar a
referência à
Man Ray, o
inventor
desta
forma de
arte), o “memento
mori” de Retallack é
um
memorial
não da
morte
mas das
trivialidades do
cotidiano: “Perc/ebi
que
não queria o
suco de
laranj/a
que pedira,
mas
mesmo
assim bebi.”
Meu
quarto e
último
exemplo é
extraído do capitulo II de No. 111 2.7.9310.20.93 de Kenneth Goldsmith:
A door, à la, a
pear,
a peer, a rear, a ware, A woah!, Abba, abhorred, abra, abroad, accord, acère,
acha,
Ada, ada, add a, adda, adore, Aetna, afford, afire, afore, afyre, ah air, ah
car, ah ere, Ah Ha, ah ha, ain’t tha, air blur, air bra, airfaire, alder, all
ears, all yours, alla, Allah, aller, allya, alpha, alswa,
ama,
amber, ambler, AmFar, amir,
amor,
Ana,
ana,
and ka, and
uh,
and war, anear, Anka, Anna, anvers, apes ma, appeere, aqua,
ara,
arbour, archer,
ardor,
ardour,
are
our,
are
there,
Are
there?,
Are
uh?,
arm bears, armoire, armor, armour,
arrear,
as far, ashore, asper, ass
tear,
asthore, atcher, atma, au pair, au poivre,
auntre,
aura,
austere, Auxerre, aw arrgh, aw awe, aw war, award, aware, awed jaw, Ayler,
bazaar,
baba,
babka, bacca,
baga,
bagba, bagger, baiter,
bamba,
bancha, baner, bang your, bania, banker, banter,
bar
burr,
bar
straw, barbed wire, barber, barbour, bare rear, bare
tears,
Barère, batter, baxa, be here, be square, Beans Dear?, beau-père, beaver,
BeavHer, bedder, bedsore, beeba, beemba, been there, beer blare, beer blur, beer
here, begba, beggar, beggere, Bel Air,
Bela,
bela,
belcher, ben wa, Ben-Hur, bencher, bender, Bernard, Bertha, bestir,
beta,
betcha, betta, better, bettre, bever, beware,
bezoar,
bibber, bicker, bidder, biddler, bider, bien sûr, bifore, Big Star, Big Sur,
bigga, bigger, bim-ba, bird’s rear, bismer, BiStar, biter, bitter, bittre,
blabber, black
tears,
blah corps, Blair’s, blare, blanca, blare blur, blaster, blather,
blazer,
bleahhh, blear corps, bleeder, bleeper, blender, blinder, blisker, blisper,
blister, blixa, blobber, blonder, bloomer, blooper, blubber,
Das
quatro, a
prosa de Goldsmith é a
mais gerada
por
regras,
apesar de
que,
como John Cage, de muitas
formas
seu
mentor, Goldsmith obviamente “colecionou”
suas
palavras e
expressões de
acordo
com
seu
gosto. O
surpreendente “livro
enciclopédico de
referência
inútil” de seiscentos e
seis
páginas daí
resultante, foi
composto
pelo
poeta,
que colecionou todas as
palavras e
expressões
que terminam
com o
som
habitual do
inglês
americano, chamado
por
lingüistas de schwa (, er),
encontradas
por
ele no
tempo explicitado
pelo
título (seja
em
livros, no
rádio
ou na
televisão, na
internet
ou
em
conversas
reais). As
expressões
são organizadas
por
ordem
alfabética,
por
contagem silábica e/ou
de
letras, começando
com ítens de uma
só
sílaba no
primeiro
capítulo (“A, a, aar, aas, aer, agh, ah, air...”) e
terminando
com a
sílaba 7,228, “The Rocking Horse Winner” de D.H.
Lawrence,
que
não é
jamais identificada. A
página
em
questão é a
abertura do
segundo
capítulo,
onde as
unidades
são compostas
por duas
sílabas.
Recitar o
texto é uma
grande
proeza,
mas notem
que
quando se
vê a
página, as
palavras e
expressões criam
toda
espécie de
ritmo e
repetição,
como
por
exemplo
em “be here, be / square,” “Beens Dear, beau-père,”
“beaver, BeavHer, bedder, bed-/sore, beeba, beemba, been there.” O
olho do
leitor pode
avançar de
forma
vertical (“betcha”, “bicker”, “bigga”, “bittre”, “blare”),
como
também de
modo
horizontal e
até
mesmo
diagonalmente,
enquanto passamos de “A door” a “Blue Cheer”.
Palavras
que começam
com
maiúsculas se destacam (“Anka, Anna, anvers, apes
ma”
ou “Big Star, Big Sur, / bigga”), criando
fascinantes
inventários
disjuntivos da
linguagem
hoje utilizada
nos
Estados Unidos.
A catalogação
absurda
que é a
base de No. 111,
por
exemplo, “Are there?,
Are
uh?, arm bears, armoire, armor, armour,
arrear, as far, ashore, asper, ass
tear, asthore, atcher, atma, au pair, au poivre,
auntre,
aura, austere, Auxerre” e, à
medida
em
que as
sílabas se tornam
mais longas,
unidades
como “How do you spell onomatopoeia? How long do
you plan to be almost there?” (do
capítulo X, p.137), constituem
um
documento sócio-político,
um
memento mori, pode-se
dizer, dos
discursos
que caracterizam os
anos noventa,
desde os da
revista National Enquirer e dos
programas de
auditório na TV,
até as
gírias do
cotidiano e a
bela
prosa de D.H. Lawrence. No
meio disso
tudo, Goldsmith
nos apresenta
trechos
em
que a
transmissão defeituosa de
informação (geralmente,
a
transcrição do
oral
para o
escrito),
fenômeno
tão
comum
hoje
em
dia, produz
exemplos de
linguagem
como a
seguinte:
CXCV
Meu
filho
está
sob
os
cuidados
do
médico,
e
não
deve
fazer
educação
física
hoje.
Porfavor o executem. Porfavor desculpem Mary
por
ter
faltado.
Ela
estava
doente
e atirei nela. Porfavor desculpem Fred
por
ser.
É a
culpa
de
seu
pai.
Porfavor ackusem Fred
por
ter
faltado no
dia
28 29 30 31 32 e 33 de
janeiro.
Mary
não
pôde
ir
à
escola
hoje
porque
estava incomodada
por
veias
muito
próximas. Mary
não
foi à
escola
ontem
porque
foi visitada
por
uma
ressaca.
Porfavor dispensem Mary de Jim
ontem.
Ela
estava administrando. Porfavor desculpem Fred
por
ter
faltado.
Ele
estava
resfriado
e
não
conseguia
procriar
bem.
Porfavor desculpem Mary.
Ela
tem
estado
doente
e
debaixo
do
médico.
Porfavor desculpem Mary
por
ter
faltado
ontem.
Ela
estava de
cama
com
o
vovô;
(No. III, p.490).
[My son is under the doctor’s care
and should not take P.E. today. Please execute him. Please excuse Mary for being
absent. She was sick and I had her shot. Please excuse Fred for being. It was
his father’s fault. Please ackuse Fred for being absent on Jan. 28 29 30 31 32
and 33. Mary could not come to school today
because
she was bothered by very
close
veins. Mary was absent from school yesterday as she was having a gangover.
Please excuse Mary from Jim yesterday. She was administrating. Please excuse
Fred for being absent. He had a cold and could not breed well. Please excuse
Mary. She has been sick and under the doctor. Please excuse Mary from being
absent yesterday. She was in bed wih
grandpa; (No. 111, p.490).]
Este
catálogo parodístico de
desculpas médicas
padrões produzidas
pelos
pais
para os
professores –
gosto
especialmente de “she was sick and I had her shot”
[“ela estava
doente e atirei nela”], “she was having a gangover” [“foi
visitada
por uma
ressaca”], e “she was bothered by very
close veins” [“estava incomodada
por
veias
muito próximas”] –
nada
menos é do
que uma
construção verbivocovisual. O
que Haroldo de
Campos percebeu no
início dos
anos sessenta,
quando fez
poemas
concretos
como “fala /
prata”, é
que a
revolução
tecnológica dos
nossos
tempos produziria uma
situação
onde o
ato de “ler” significa
cada
vez
mais “ver”,
onde a
dicotomia é
menos
entre “poesia” (verso)
e “prosa” do
que
entre
ver e
ver
através. “Please excuse Fred for
being absent. He had a cold and could not breed well.” [“Porfavor
desculpem Fred
por
ter faltado.
Ele estava
resfriado e
não conseguia
procriar
bem.”]
Resumo
A
poesia
concreta e a
poesia
em
prosa parecem
representar
dois
extremos, no
entanto, ao olhá-las
mais de
perto, a
oposição
entre as duas é
menos
rígida. Os
poetas Noigandres foram
eles
mesmos influenciados
por
escritores de
prosa
como Gertrude Stein e James Joyce,
especialmente pelas
construções verbivocovisuais deste
último,
em Finnegans Wake. Galáxias, de
Haroldo de Campos, é
um “texto
limite” e,
apesar de
escrito usando as
linhas da
prosa,
ele utiliza as
constelações e a “ideogramatização” de
unidades
verbais, privilegiadas
pela
poesia
concreta. A
revolta da
poesia
concreta
contra a
transparência da
linguagem e a
sua
ênfase no
ato de
ver
um
texto
em
vez de
através dele, abriram
caminhos
para a
poesia – incluindo a
poesia
em
prosa –
que é
escrita
hoje,
quando os
avanços
tecnológicos vêm criando uma
situação
onde “ler” se aproxima
cada
vez
mais “ver”.
Abstract
Concrete
Poetry and prose poetry may seem to be at opposite extremes, yet, at a closer
look,
the rigid opposition between the two seems to break down. The Noigandres
poets were themselves highly influenced by prose writers such as Gertrude Stein
and James Joyce, especially by the latter’s verbivocovisual constructions
in Finnegans Wake. Haroldo de
Campos’
Galaxias is a “limit text”, which, although written in prose lines, uses
the constellations and the “ideogrammatization” of
verbal
units so privileged by Concrete Poetry.
Concrete
poetry’s revolt against the transparency of language, and its emphasis on the
act of seeing rather than of merely seeing through a text,
set
the stage for poetry – including prose poetry – being written today, when the
advances in technology have created a situation where the act of “reading”
increasingly
approaches
that of “seeing”.
Palavras
Chaves:
Poesia
concreta,
poesia
em
prosa, Noigandres, verbivocovisual,
texto-limite, constelações.
Key Words:
Concrete Poetry, prose poetry,
Noigandres, verbivocovisual, “limit text”, constellations