Prosa Concreta”:

As Galáxias de Haroldo de Campos e depois

 

Marjorie Perloff

 

(Autora de vários livros e artigos sobre a poesia moderna e pós-moderna e também sobre as artes plásticas, incluindo, dentre outros, The Futurist Moment: Avant-Garde, Avant Guerre, and the Language of Rupture (Chicago, 1986), Radical Artifice: Writing Poetry in the Age of Media (Chicago, 1992) e Wittgenstein’s Ladder, Poetic Language and the Strangeness of the Ordinary (Chicago, 1996). Ela acaba de publicar Vienna Paradox, (New Directions, 2004), um livro de memórias sobre a sua infância numa Viena de antes da Segunda Guerra Mundial.)

 

 

Tradução de Micaela Kramer

 

(poeta, tradutora, Mestre em Literatura Comparada pela Sorbonne Nouvelle,

Graduada em Literatura Comparada, pela New York University)

 

 

A prosa [de Gertrude Stein] é um tipo de poesia concreta com margens justificadas.

 

--David Antin[1]

 

O ato da linguagem é também um ato de sobrevivência. Ordem da palavra = ordem do mundo.

--Steve McCaffrey[2]

 

À primeira vista, a poesia concreta e a poesia em prosa (ou prosa poética) pareceriam representar dois extremos, com a lírica (texto em versos, emoldurado pelo espaço em branco) como termo intermediário. O poema concreto é geralmente entendido como uma constelação visual em que, como propunha o “plano-piloto para a poesia concreta” publicado pelos poetas do grupo Noigandres, “o espaço gráfico age como agente estrutural.”[3] De fato, nas palavras de Dick Higgins, o poema concreto tem por característicadefinir a sua própria forma e ser visualmente e, se possível, estruturalmente original ou mesmo único. Além do mais, à diferença do poema padrão renascentista, ou das formas do caligrama de Apollinaire, que são, de diversos modos o seu precursor, “a forma visual [dos poemas concretos] é, sempre que possível, abstrata, as palavras ou letras que o compõem agindo como ideogramas.”[4] Mas, à diferença, digamos, dos ideogramas nos Cantos de Ezra Pound, texto de onde os poetas Noigandres extraíram seu nome,[5] o poema concreto é geralmente curto; como diz Rosemarie Waldrop, “sua característica mais evidente é a redução. […] Tanto as convenções como as frases são substituídas pela disposição espacial.” “Normalmente não vemos as palavras,” comenta Waldrop, “as lemos, ou seja, por elas chegamos à sua significação, a seu conteúdo. A poesia concreta é, antes de mais nada, uma revolta contra essa transparência da palavra.”[6]

Tome-se, por exemplo, o conhecido poema concreto de Haroldo de Camposfala/ prata / cala/ ouro[7] que brinca com o provérbio “o silêncio é de ouro”, como também com o epíteto clássicolíngua de prata”:     

 

                                   fala

                                   prata

                                   cala

                                   ouro

                                   cara

                                   prata  

                                   coroa

                                   ouro

                                   fala

                                   cala

                                   para

                                   prata ouro

                                   cala fala

                                   clara

 

             Das dezesseis palavras da constelação quatrofala”, “prata”, “cala”, e “ouro” – cada uma aparece três vezes: “fala”, no início, é “prata”, a palavra com que rima, “cala”, é “ouro”. Mas o emprego de epítetos parece não ser mais que mero acaso – “cara oucoroa” –: e então o quinto par – “fala” / “cara” se junta aos dois contrários (“fala”/ “cala”), e é seguido por umpara que rompe a estrutura em escada do poema. Deste modo (sob os degraus, por assim dizer), uma dupla inversão se estabelece: substantivo e adjetivo se invertem, agora, “prata” “cala”, e “ouro” “fala”. De fato, o que é “clara” (a última palavra do poema, usada aqui pela primeira vez, combina “cala” e “cara visual e fonicamente), é queouro” é a dominante, a única palavra que não combina com nenhuma das outras, pois além de conter o único “u” do poema, é a única que, por não terminar em “a”, não rima com as demais. O silêncio, sugere Haroldo, pode ser de ouro, mas, ao menos em nossa cultura, é o ouro que fala![8]

O poema é um bom exemplo da redução a que Waldrop se refere: contém apenas oito palavras diferentes (o cálculo é 4 x 3 + 4 = 16) e sua sintaxe é mínima, não havendo nenhum conectivo relacionando os pares de substantivos e adjetivos. A localização visual é fundamental para o significado: os possíveis pares quase nus descendo os degraus, são bloqueados na linha 11 pela palavra isolada “para”; a seguir, vêm os pares combinados e revertidos das penúltimas linhas, que conduzem ao “clara final. A modulação do “fala” / “prata inicial ao “clara final é certamente temporal, mas o texto é também auto-reflexivo, cada ítem apontando não para o que lhe sucede como para o anterior; como nota o próprio Haroldo, a constelação como um todo se assemelha à estrutura serial na música, como, por exemplo, à Klangfarbenmelodie de Anton Webern (ver MES 12).

Enquanto que um poema concreto como este deve ser compreendido como o que os poetas Noigandres, seguindo Joyce, chamaram de verbivocovisual,[9] o poema em prosa, lido necessariamente do início ao fim, é primordialmente temporal. Não importa o quão disjuntivo, ou semanticamente aberto ele seja, não importa o quanto é constituído por aquilo que Ron Silliman chamou de “a nova frase[10], o poema em prosa é normalmente um bloco de texto cujas palavras, sílabas e letras não possuem nenhuma significação ótica. Como nota R.P. Draper, no caso da prosa ocidental, supõe-se automaticamente que as letras que formam as palavras sejam separadas por um espaço de outras letras formando palavras, que estas palavras avancem pelo papel da esquerda à direita, e que as linhas assim formadas sejam estritamente paralelas e progridam para baixo a intervalos iguais.

Em Rational Geomancy, Steve McCaffrey e bpNichol nos lembram que o livro convencional “organiza o conteúdo seguindo três módulos: o fluxo lateral da linha, a construção vertical ou colunar de linhas sobre a página, e, em terceiro lugar, um movimento linear organizado através da profundidade (a disposição seqüencial de página sobre página).” Em termos práticos, isso significa que “o livro assume o seu formato material específico através de seu propósito de acomodar informação lingüística impressa de forma linear” (GEO 60). Além do mais, “a prosa impressa incentiva uma inatenção à margem direita como ponto terminal. A tendência a ler continuamente, como se o livro fosse uma linha prolongada”, é incentivada. Longe de ser uma unidade visual, a página torna-se assimum obstáculo a ser superado” (GEO 61). Mesmo quando o poema em prosa esquiva-se da narrativa, em geral ele exibe a mesma continuidade que o Concretismo rejeita em favor da forma espacial.

            Eis, por exemplo, o poema em prosa de James Tate, “Casting a Long Shadow”, que aparece no número mais recente da revista The Prose Poem:

 

Foi aqui que a criança teve a visão da Virgem Mãe. Ela estava em bem aqui e a Mãe Santíssima estava em cima naquela rocha (fumando um charuto[11] mas não acreditamos nessa parte). A criança chorou de alegria e foi correndo chamar a mãe. A mãe estava assistindo à sua novela predileta e acusou a criança de estar fazendo arte. Quando a novela terminou a mãe concordou em sair. Vários corvos estavam conversando uns com os outros. Nuvens de tempestade se aproximavam. De repente a mãe deu uma bofetada na criança.[12]

 

 

[This is where the child saw the vision of the Virgin Mother. She was standing right here and the Blessed Mother was up there on that rock (smoking a cheroot but we don’t believe that part). The child wept for joy and ran to get her mother. The mother was watching her favorite soap opera and accused the child of playing pranks. When the soap opera ended the mother agreed to go outside. Several ravens were talking to one another. Storm clouds were moving in. The mother suddenly slapped the child across the cheek.]                       

 

O subgênero de poesia em prosa representado pelo texto de Tate é o da fábula sardônica, a história aparentemente casual que termina com uma epifania irônica, neste caso o da realidade materna que dissipa o sonho da criança.  Max Jacob foi um mestre pioneiro desta forma. Nesta variação parabólica do poema em prosa, o semântico predomina e o visual não exerce nenhum papel significativo: o olhar do leitor se move do início ao fim sem prestar atenção à margem direita. De fato, a narrativa (“Isto é o que aconteceu…”) exige continuidade e portanto, há pouco jogo sonoro interno ou ritmo visual. Como McCaffrey et Nichol colocaram, a página é pouco mais do que um obstáculo a ser superado.   

Mas, como os autores de Rational Geomancy alegam, existe prosa que não satisfaz a essas convenções. Desde logo, o poema em prosa é em si mesmo um questionamento sobre as linhas. O verso, mesmo o verso livre (a palavra verso vem do latim vertere, “virar”, que significa mover-se de a a b e, em seguida, de b a c) é, por definição, um tipo de receptáculo e, por isso alguns poetas, de Baudelaire até hoje, têm tentado, em certos momentos críticos, evitá-lo. McCaffrey nota que “terminamos por entender [a progressão linear] não somente como disposição espacial, mas também como um modo de pensar ” (VOS 372). Um modo de pensar que foi posto em questão nos anos de 1860, quando Baudelaire, em sua dedicatória à Arsène Houssaye (1862), no prefácio de Le Spleen de Paris, (Les petits poèmes en prose), declara, “Quel est celui de nous qui n’a pas, dans ses jours d’ambition, rêvé le miracle d’une prose poétique, musicale sans rythme et sans rime, assez souple et assez heurtée pour s’adapter aux mouvements lyriques de l’âme, aux ondulations de la rêverie, aux soubresauts de la conscience?”[13]

            Os poemas em prosa do próprio Baudelaire são dispostos como páginas impressas normais: o design visual desempenha um papel importante. Os parágrafos são muitas vezes bem curtos, e os mais longos são freqüentemente interrompidos por fragmentos de diálogo. De fato, que,  no caso, o elemento narrativo é tão marcado, os poemas de Le Spleen de Paris podem ser mais propriamente designados como ficções curtas. Quanto a isso, nem a poesia em prosa de Baudelaire nem a de Rimbaud (nem mesmo a de Mallarmé) abriram o caminho para a experimentação da prosa concretista. Em vez disso, os poetas Noigandres se voltaram a dois escritores de prosa: Gertrude Stein e, sobretudo, James Joyce. Os irmãos Campos vinham traduzindo Finnegans Wake desde o final dos anos cinqüenta, e, em 1962, publicaram o Panaroma do Finnegans Wake, que contém, além de outros textos, o que Haroldo chama de “transcriação de onze fragmentos (apresentação bilingüe), acompanhada de comentários interpretativos.”[14] De fato, Haroldo nos lembra que “os elementos verbivocovisuais da prosa joyciana – a palavra montagem considerada como uma unidade mosaica composta ou como um nódulo textural básico (por exemplo, silvamoonlake) – foram enfatizados desde o início do movimento da poesia concreta” (TriQu 55). Ele cita uma formulação anterior de Augusto de Campos: “O micro-macrocosmo joyciano, que alcançou seu auge em Finnegans Wake, é outro excelente exemplo [de poesia proto-concreta] [...] Aqui, o contraponto é o moto perpétuo. O ideograma é obtido pela sobreposição de palavras, verdadeiras montagens lexicais. Sua infra-estrutura é um design circular em que cada parte é início, meio e fim.”[15] 

Pode parecer estranho que a Poesia Concreta, com sua ênfase no espaço gráfico como agente estrutural, e a convicção de que, na constelação verbivocovisual, forma e conteúdo são isócronos, tome como exemplo uma obra de seiscentos e vinte e oito páginas de prosa contínua, umromance que, com exceção do Livro II, Capítulo 2 (“UNDE ET UBI”[16]), com suas glosas marginais, seus pictogramas, suas partituras musicais, e suas formas geométricas, não parece explorar de modo algum a dimensão visual do texto. Mas talvez o que necessite ser reconfigurado seja a palavra visual. Haroldo nos dá uma dica em seu ensaio “A obra de arte aberta” (que, aliás, precedeu por alguns anos à conhecida Opera Aperta de Umberto Eco).[17] Ao comentar a “origanização circular da matéria poética”, Haroldo acrescenta:

 

Também o universo joyciano evoluiu […] a partir de um desenvolvimento linear no tempo, para o espaço-tempo ou contenção do todo na parte (“allspace in a notshall” – nutshell, casca de noz), adotando como organograma do Finnegans Wake o círculo vico-vicioso. […] cada unidade “verbivocovisual” é ao mesmo tempo continente-conteúdo da obra inteira, “myriadminded” no instante […]  a ponto de conter todo um cosmos metafórico numa palavra. Donde o poder dizer-se do Finnegans que retém a propriedade do círculo, da eqüidistância de todos os pontos em relação ao centro: a obra é porosa à leitura, por qualquer das partes através das quais se procure assediá-la.

 

“Allspace in a notshall” sugere que, para Haroldo, a poética concreta não é uma questão de localização verbal ou de tipografia inovadora (como para alguns de seus colegas), e sim a natureza fonética, ideogramática, paragramática dos próprios morfemas e palavras. Por conseguinte, a distinção entrepoema visual” e “prosa” se dissolve. Considere-se o seguinte trecho da seção Anna Livia Plurabelle de Finnegans wake, publicada em Panaroma do Finnegans Wake, que inclui as traduções da obra de Joyce por Haroldo e Augusto. A tradução de Augusto de Campos, que se torna o Fragmento 8, cobre a maior parte da página 202 (sete linhas do topo da página e três do final).

 

Fala-me, fala-me, cam é que ela veio vedeando de dentre a sua gente, o neckar que ela era, a diabolina? […] Jungindo um, tangendo outro, tocando um flanco e tocantando um canto e papagarelando e papillionando e riachando rumo do seu leste. Quiangque foi o primo que aarrombou? Allegueny ele era, comboquer que eles fossem, um tático ataque ou síngulo combate. […] Ela diz que dificilmente saberia quemnos annais seu desviolador foi, um dinasta de Leinster, um lobo do mar, ou o que ele fez ou quão joviosa ela jogueteava ou quanto, quando, onde ou quem vez que vez ele ana morava. Ela era uma tímida, tênue fina meiga mini mima miga duma coisinha então, saltiritando, por silvalunágua e ele era um bruto andarulho larábil ferramundo dum Curraghman, cortando o seu feno para o sol cair a pino, tão rijo como os carvalhos (deus os preteje!) costumavam ruflar pelos canais do fortífero Kildare, o que primeiro florestfossenfiou champinhando através dela. Ela pensou que ia sussumir subterra de ninfante virgonha quando ele lhe botou o olho de tigris!

 

[Tell me, tell me, how cam she camlin through all her fellows, the neckar she was, the diveline? Casting her perils before our swains from Fonte-in-Monte to Tidingtown and from Tidingtown tilhavet. Linking one and knocking the next, tapting a flank and tipting a jutty and palling in and pietaring out and clyding by on her eastway. Waiwhou was the first thurever burst? Someone he was, whuebra they were, in a tactic attack or in single combat. Tinker, tilar, souldrer, salor, Pieman Peace or Polistaman. Thats the thing Im elwys on edge to esk. Push up and push vardar and come to uphill headquarters! Was it waterlows year, after Grattan or Flood, or when maids were in Arc or when three stood hosting? Fidaris will find where the Doubt arises like Nieman from Nirgends found the Nihil. Worry you sighin foh, Albern, O Anser? Until the gemmans fistiknots, Qvic and Nuancee! She cant put her hand on him for the moment. Tez thelon langlo, walking weary! Such a loon waybashwards to row! She sid herself she hardly knows whuon the annals her graveller was, a dynast of Leinster, a wolf of the sea, or what he did or how blyth she played or how, when, why, where, and who offon he jumpnad her and how it was gave her away. She was just a young thin pale soft shy slip of a thing then, sauntering, by silvamoonlake and he was a heavy trudging lurching lieabroad of a Curragham, making his hay for whose sun to shine on, as tough as the oaktrees (peats be with them!) used to rustle that time down by the dykes of killing Kildare, for forstfellfoss with a plash across her. She thought she sanhk neathe the ground with a nymphant shame when he gave her the tigris eye!]

 

Lendo o que o próprio Joyce descreveu como umdiálogo tagarelo entre duas lavadeiras, de um lado ao outro do rio[18], não para prosseguir da esquerda à direita nem de cima para baixo, como no caso da prosa transparente típica. que a página não é interrompida por diálogos, parágrafos, ou citações inseridas, o leitor procura intuitivamente por configurações que possam “organizar” o fluxo verbal equivalente ao rio Anna Liffey, seu tema nominal. A pontuação pontos de exclamação, de interrogação, maiúsculas – torna-se tão importante quanto os substantivos próprios, reais ou formados por trocadilhos, especialmente quando aliteração. Consideremos a seguinte frase, que aparece aproximadamente no meio da seqüência

              

Fidaris will find where the Doubt arises like Nieman from Niergends found the Nihil.[19]  

 

O olho se move para o alto da página, passando por “Flood” até chegar a “Fonte-in-Monte” (Fonte na Montanha) na segunda linha; o neologismo Fidaris contém o morfema Fid, que evoca Fides () e Fideles (fiel). A é assim confrontada com “the Doubt that river arises” (a Dúvida que rio surge), mas a maiusculização de Dúvida sugere que este é também um dos nomes dos inumeráveis rios da seqüência, como em “the Doubt river rises”. De todo modo, a primeira metade da frase é posta em questão pela segunda, onde Nieman (Niemand = ninguém) de Niergends (nenhum lugar) encontra Nihil. No entanto, e aqui entra o “vocovisual”, não pode haverDúvidasobre a intrincada relação entre as palavras:

 

Fidaris (com “Flood” – inundação, na frase logo acima)>find→from→found[20] (aliteração de f, d, n)

 

Fidarisarises (rima)

 

NiemanNiergendsNihil (anáfora)

 

Além disso, há assonância do i, letra que aparece dez vezes no espaço de quatorze palavras. O agrupamento “Fidaris” se destaca deste modo, assim como “Albern, O Answer” e “Qvic and Nuancee” nas linhas que se seguem. “Nuancee” é um composto particulamente complexo, contendo “nuance” e então “Quick [com sotaque alemão] and with with nuancecomo também “Nancy”, “antsy” e “see”.

O contrário de tais efeitos de agrupamento é obtido por cláusulas que contêm os monossílabos mais comuns, como em: 

 

Ela era uma tímida tênue fina meiga mini meima miga duma coisinha então[21]

 

[She was just a young thin pale soft shy slim slip of a thing then] 

 

Clichê sobre clichê, com todos os conectivos no lugar! Mas agora a frase passa dessas palavras encurtadas para outras combinações, neologismos e trocadilhos com os ditos populares, na frase “saltiritando, por silvalunágua e ele era um bruto andarulho larábil ferramundo dum Curraghman, cortando o seu feno para o sol cair a pino, tão rijo como os carvalhos (deus os preteje!) costumavam ruflar pelos canais do fortífero Kildare, o que primeiro florestfossenfiou champinhando através dela”[22] Os trocadilhos aqui precisam ser vistos, especialmente “peats [peace] be with them!”[23], uma referência perfeitamente razoável ao cultivo de carvalhos, “killing Kildare”[24] onde o primeiro morfema do nome do condado é interpretado literalmente, e, “for forstfellfoss” (“florestfossenfiou”)[25], talvez apenas um trava-línguas quando ouvido, mas visualmente um trocadilho com frases como “first fell frost”, [primeiro caiu a geada], ou “forced [and she] fell [in the] foss”, [forçada [e ela] caiu [no] fosso]. O ru de “trudging” (“andarulho”) reaparece de forma quiasmática em “lurching” (“larábil”) e em “Curraghman,” e o “us” de “used” (“costumavam”) reaparece em “rustle” (“ruflar”).

Em seu estudo Ideograma: Lógica/ Poesia/ Linguagem (apenas parcialmente traduzido para o inglês)[26], Haroldo comenta o estudo do caractere chinês elaborado por Ernest Fenollosa. À diferença de Pound, que tomou Fenollosa ao da letra, Haroldo percebe como incorreta a noção do sinólogo de que, em chinês, as palavras seriam mais próximas às coisas do que em inglês, e que haveria uma ligação natural entre o ideograma e aquilo que ele representa. Ao invés, usando as teorias de Roman Jakobson e de Charles Peirce sobre as motivações semânticas e sintáticas, Haroldo alega que o argumento de Fenollosa deve ser entendido de maneira um tanto diferente:

 

Como, […] num segundo lance, a poesia “naturaliza” (coisifica) o signo, por força de sua função “auto-reflexiva”, da ênfase na materialidade da mensagem [...]

 

O parti-pris genético, acentuado pelorealismo mágico” de Fenollosa, perde importância, em favor da pertinência formal (intrínseca) da descrição. Neste ponto, a noção peirceana de “diagrama” permite trasladar (“traduzir”), para o âmbito das línguas fonético-alfabéticas (ou da poética dessas línguas, onde o lado palpável do signo assume o primeiro plano), a concepção fenollosiana (e poundiana) do ideograma e do método ideogrâmico de compor (sintaxe relacional, paralelística, paratática), tendo Saussure (o Saussure dos “anagramas enquantosucessão” assindética de paradigmas) e Jakobson (em especial o da “poesia da gramática”) como mediadores privilegiados.[27]  

           

Em outras palavras, para Haroldo, o interesse do ideograma não está em seu estatuto de signo visual que toma o lugar de um determinado significado; na verdade, o ideograma traz à nossa atenção o “lado palpável do signo em suasintaxe relacional, paralelística, paratáctica.” A relacionabilidade se torna a palavra chave, e as unidades a serem relacionadas são os fonemas e morfemas, assim como as palavras e as locuções.

Desta perspectiva, a poesia concreta é menos uma questão de forma espacial e de dispositivo tipográfico do que uma “ideogramatização” das próprias unidades verbais. A constelação ru/ur em “and he was a heavy trudging lurching lieabroad of a Curraghman,” com seu trocadilho com “lie” e “broad”, são itens que precisam ser vistos. No entanto, e isso tem obviamente sido o papel desempenhado por Wake para Haroldo e os outros concretistas, o método ideogrâmico, como reconcebido no estudo de Haroldo, pode ser utilizado emprosatão facilmente quanto em verso, ou em constelações espaciais características do poema concreto.

Agora estamos melhor situados para entender a seguinte afirmação de Haroldo em seu ensaio de 1977, “Sanscreed Latinized”:

 

Em 1963, comecei a escrever meu LIVRO DE ENSAIOS / GALÁXIAS […] O livro foi concebido como uma tentativa de eliminar o limite entre a poesia e a prosa[28] [grifo da autora], projetando o conceito mais amplo e mais conveniente de texto (como um conjunto de palavras com seus potenciais textuais […] O texto é definido como umfluxo de signos”, sem pontuação ou letras maiúsculas, fluindo através da página de forma ininterrupta, como uma expansão galáctica. Cada página, isolada, produz uma “concreção,” ou corpo autônomo coalescente, intercambiável com qualquer outra página para os propósitos da leitura. As “vértebras semânticas” unem o todo […] [O livro] é uma busca pelalinguagem em seu aspecto material,” sem “iníciomeiofim.” “Monólogo externo” foi a frase que utilizei para expressar essa “materialidade” “sem psicologia,” isto é, linguagem que se auto-enuncia (TriQu 58, grifo da autora).

           

A noção de “galáxia como texto limite é reiterado no posfácio de Haroldo para Galáxias, onde diz que seu texto opera “nos limites extremos de poesia e de prosa”. Numa entrevista a Roland Greene, Augusto similarmente endossa a escritaonde o critério de poesia e de prosa coexistem numa situação limítrofe, onde as palavras da prosa são como que ionizadas por sua função poética.” E acrescenta: “tal como em Finnegans Wake, em muitos textos de Gertrude Stein, e nos Diários de John Cage, que são análogos a obras líricas que incorporam a linguagem da prosa, como certos trechos do Galáxias de Haroldo de Campos.”[29]

            Consideremos o texto de abertura do Galáxias, “e começo aqui”, traduzido para o francês por Inés Oseki-Depré, e para o inglês por Suzanne Jill Levine.

           

e começo aqui e meço aqui este começo e recomeço e remeço e arremesso

e aqui me meço quando se vive sob a espécie da viagem o que importa

não é a viagem mas o começo da por isso meço por isso começo escrever

mil páginas escrever milumapáginas para acabar com a escritura para começar com a escritura para acabarcomeçar com a escritura por isso recomeço por isso arremeço por isso teço escrever sobre escrever é

o futuro do escrever sobrescrevo sobrescravo em milumanoites miluma-páginas ou uma página em uma noite que é o mesmo noites e páginas mesmam ensimesmam onde o fim é o começo

                                  

et ici je commence et ici je me lance et ici j’avance ce commencement

                                   et je relance et j’y pense quand on vit sous l’espèce du voyage ce n’est

                                   pas le voyage qui compte mais le commencement du et pour ça je mesure et

                                   l’épure s’épure et et je m’élance écrire millepages mille-et-une pages  pour en

finir avec en commencer avec l’écriture en finircommencer avec l’écriture

                                   et donc je recommence j’y reprends ma chance et j’avance écrire sur l’écriture

est le futur de l’écriture je surécris suresclave dans les mille-et-une-

nuits les mille-et-une pages ou une page dans une nuit ce qui se ressemble s’assemble pages et nuits se miment s’ensoimêment où le bout c’est le début

 

and here I begin I spin here the beguine I respin and begin to release

and realize life begins not arrives at the end of a trip which is why I

begin to respin to write-in thousand pages write thousandone pages

to end write begin write beginend with writing and so I begin to

respin to retrace to rewrite write on writing the fututre of writings the

tracing the slaving a thousandone nights in a thousandone pages or a page in one night the same night the same pages same semblance

                                   resemblance reassemblance where the end is begin 

 

                                                                                                                     

Galáxias é, por assim dizer, escrito em prosa, apesar de sua margem direita denteada reforçar a noção da página comoconstelação,” sua aparência sendo talvez mais steiniana do que joyciana, criada principalmente por rimas (sonoras e visuais) e o que poderíamos chamar de hiper-repetição. O texto de Haroldo transmuda as palavrascomeço” e suas variantes como “meço,” “recomeço,” “remeço,” “acabarcomeçar,” “arremeço,” assim como duas outras galáxias, a primeira remetendo à escrita – “escrever,” “escritura,” “sobrescrevo,” “sobrescravo,” (este último item brincando com a noção de escrever como escravidão) – e a segunda remetendo à página em sua incarnação isolada ou múltipla: “uma página em uma noite,” ou “milumanoites,” “milumapáginas,” a página e a noite se tornando intercambiáveis. A imagem do círculo, “onde o fim é o começo”, (“où le but c’est le début,” where the end is begin”) é representada fônica e visualmente pela elaborada rotação e repetição de palavras e morfemas. Nas palavras do East Coker de Eliot, “No meu início está o meu fim[30]: “acabarcomeçar,” “finircommencer, beginend”.                            

A longa palavra “acabarcomeçar”, com sua rima interna, se destaca visualmente na página, e conduz o olho a várias direções, seguindo a trajetória de “começo” e de outras palavras relacionadas a ela que contêm “es” e “os”. Enquanto que o olho acompanha a seqüência da página, a noção de escrita como circularidade, o traçar e retraçar de palavras numa página que até então estava em branco, é transmitida não somente pelos significados das palavras, como também por suas configurações visuais. Na tradução de Levine para o inglês, a ênfase é colocada na segunda sílaba de “begin,” que leva a “in” e “spin” e, mais abaixo, a “finish,” “fine,” “line”, e assim por diante. Estas últimas são apenas rimas visuais, sugerindo o cuidado tomado para garantir que o leitor veja o texto, e não através dele.

Assim, é possível considerar Galáxias um poema visual, não no sentido caligramático, como no caso de “Il Pleut” de Apollinaire, ou de “Wind” de Eugen Gomringer, mas por sua atenção a letras e morfemas, assim como à paranomásia e ao paragrama. Uma série de “monólogos externos em prosa, Galáxias abre caminho para algumas das mais interessantes experiências verbais dos anos noventa. Ao dizê-lo, não estou levando em conta a tendência atual em fundir prosa e pictogramas, a alternação de prosa e verso, ou o uso de recursos tipográficos (diferentes tamanhos de fonte, negrito, itálico, linhas revertidas ou de cabeça para baixo) visando “efeitos especiais” na grande tradição da página futurista. Como sugiro em Radical Artifice[31], tal projeto facilmente se dilui nos formatos hoje usuais de publicidade, outdoors, revistas, e layouts de sites de internet. Estou sim pensando em “textos-limites,” “poemas em prosa que, à semelhança do Galáxias, põem em cheque a distinção entre poesia e prosa, e ressaltam a materialidade do texto.

Consideremos, por exemplo, a “prosa aparentemente normal da seqüência Lawn of Excluded Middle de Rosemarie Waldrop[32], publicada em 1993. Uma das primeiras teóricas da poesia concreta, Waldrop tem experimentado várias formas de verso e de prosa; em Lawn, a norma é o parágrafo em verso curto, um por página. Eis a terceira parte:

 

Eu pus uma régua na minha bolsa porque ouvi homens falarem de seus sexos.

Agora temos medidas corretas e algo pegajoso

 

entre colarinho e pescoço. Uma coisa é inserir-se

           

num espelho, outra bem diferente é recuperar a própria imagem e ter seus erros tomados por objetividade. Vítrea. Como no humor. Uma mudança de perspectiva é causada pelo músculo ciliar, mas não precisa ser conciliatória. Todavia o olho é a câmera, espaço para tudo que deve entrar, como o cilindro chamado a satisfação de espaço vazio. Somente a linguagem produz uma grama tão verde-grama.

           

[I put a ruler in my handbag, having heard men talk about their sex.

Now we have correct measurements and a stickiness

 

between collar and neck. It is one thing to insert yourself

                                                                                                                                         

into a mirror, but quite another to get your image out again and have your errors pass for objectivity. Vitreous. As in humor. A change in perspective is caused by the ciliary muscle, but need not be conciliatory. Still, the eye is a camera, room for everthing that is to enter, like the cylinder called the satisfaction of hollow space. Only language grows such grass-green grass.]                                                                                                             

                                                                               

Quando vemos este bloco textual, com suas margens direita e esquerda justificadas, nada em particular se destaca, com exceção talvez da primeira letra, um “I” maiúsculo em negrito[33], e mesmo isto é uma convenção de impressão. E, como no caso de prosa de formato usual, lemos o texto da esquerda para a direita e de frase em frase até sua conclusão. Apesar do título do livro claramente brincar com a lei do terceiro excluído, a lei da lógica formal onde tudo é verdadeiro ou falso, o que Waldrop rejeita como sendo uma falsificação da experiência, o seu não é um texto primordialmente paragramático, em que morfemas e fonemas de uma dada palavra se separam para formar novas constelações.

A linguagem é tão importante para Waldrop quanto para Haroldo de Campos, que, para ela, como para o Wittgenstein que ela cita na contracapa, “A poesia [é] uma lógica alternativa, menos linear.” “Wittgenstein”, escreve Waldrop, “faz da linguagem, com suas ambigüidades, a base da filosofia. Seus jogos se realizam no Gramado do Terceiro Excluído,” quebrinca com a idéia da mulher como terceiro excluído […], mais especificamente, com o útero, centro vazio do corpo da mulher, lugar da fertilidade.” Em conseqüência, a “lógica que governa o poema em prosa de Waldrop é absurda em seu hiper-literalismo. A poeta põe uma régua dentro da bolsa, “porque ouvi[u] homens falarem de seus sexos.” “Agora,” nota com orgulho, “temos medidas corretas”, mas o “algo pegajoso que resulta parece estar no lugar errado: “entre colarinho e pescoço.” Suponho que a frase seguinte deriva da proposição de Wittgenstein em queum desenho nos manteve capturados. E não podíamos sair dele porque pertencia à nossa linguagem.”[34] Lemos que “uma coisa é inserir-se num espelho, outra bem diferente é recuperar a própria imagem…” É possível gerar a própria imagem simplesmente ao se por diante de um espelho, mas é claro que não podemos “recuperar esta imagem, e manter sua posse, pois a imagem de um espelho não tem vida própria. Além disso, da perspectiva da mulher, “inserir-se” é uma prerrogativa masculina, o que põe em questão os esforços da mulher pararecuperar a própria imagem” e “ter os seus erros tomados por objetividade.” Como a palavra que se segue nos diz, a situação é “Vítrea,” tão vidrenta e escorregadia como a “grama […] verde-grama”, uma frase que desafia a lei da lógica, onde o atributo de uma coisa não pode ser idêntico àquela coisa.

Vítrea. Como no humor.” O que quer dizer essecomo”? O humor seria vítreo? Transparente? Quebradiço? No poema de Waldrop, uma dada expressão ou frase parece apenasseguir” à que lhe antecede, lógica ou temporalmente. De fato, a familiaridade do bloco textual na página em branco acaba por se mostrar tão questionável quanto a lei do terceiro excluídoPor exemplo, a própria fixidez da estrutura de Waldrop é contraditada por seu fraseado; as palavras, que, ao chegarem às margens, não são separadas em sílabas, encaixam-se na área limitada somente porque a poeta permite um espacejamento desigual entre as palavras, assim produzindo espaços em branco salientes. Em seu novo livro de “poemas em prosa,” Reluctant Gravities, Waldrop se refere a esta prática como a uma “jardinagem de espaços em branco, que, ao se deslocar para dentro desde a margem direita, suspende o tempo. A suspensão se fixa, é fixada tipograficamente em colunas que precipitam falsas memórias de um jardim, de uma vinha, de uma treliça.”[35]

Assim, este trecho específico tem um número diferente de caracteres por linha, desde quarenta e cinco caracteres (na primeira linha) até cinqüenta e três (na quarta). O espacejamento mais amplo de certas palavras como “conciliatória” enfatiza a sua relação fônica e visual com outras palavras, neste caso comciliar” (de uma pestana) na sexta linha, e comcilindro”, na sétima. Além do mais, o espacejamento da oitava linha (que tem apenas quarenta e sete caracteres), cria o “espaço (bem) vazio”, seu ponto de referência, e os olhos do leitor são inevitavelmente atraídos pelas palavras seguintessomente a linguagem produz”; estas não são seguidas de nenhuma outra palavra na linha que se segue. Além disso, a “grama” aponta de volta para “produz” assim criando uma “galáxia” neste gramado do terceiro excluído  

Um segundo exemplo de um bloco de prosa atento à margem direita é “Aenigma” de Steve McCaffery :

 

quando sou lido sou sentenciado e retirado da equivalência quando a sombra levanta sua caixa sou luz quando meus dedos se transformam em frontes sou um coração de águia ensinando escorpiões a dansar quando cidades sou a cor cinza quando um incêndio nacional sou uma cama d’água partilhada onde eu for tentado por precisão torno-me ruga alhures se modificam meu centro repito uma palavra antes que a próxima faça sentido caso minha voz se enxerte numa pergunta então a terceira persona substituirá uma capa de cartão se conto a mim mesmo estas possibilidades a mim conto que uma lona cedeu para que ao ser comido na resposta ainda me farão propostas.

 

[when i am read i am sentenced and detached from equivalence when the shadow lifts its box im light when my fingers turn to foreheads im an eagles heart instructing scorpions to dance when they are cities im the colour grey when theres a national blaze i am a bed of shared water wherever i am tempted by precision i become a wrinkle elsewhere if they modify my centre i repeat a word before the next one has a meaning should my voice be grafted to a question then the third persona will replace a cardboard cover if i tell myself these possibilities i tell myself a canvas has subsided so that when i am eaten in the answer i am still proposed.]

 

A expressão essencial nesta composição de doze linhas é “I am”, “sou” (e suas variantes : ‘ser’ ‘for’, ‘mim’, ‘me’), sendo que o “Aenigma” (escrito de forma arcaica) do título é “o que sou?” As respostas dependem de advérbios de tempo e de lugar: bem no meio do texto encontra-se a fraseonde eu for,” e a referência a “alhures”, embaixo da qual seguem diretamente uma após a outra cinco ocorrências de “quando.” “Meu centro,” “minha voz,” “se conto a mim mesmo,” “a mim conto”: a auto-referência é posta em primeiro plano durante todo o texto. E, no entanto, este é o menos pessoal dos poemas, como diria Haroldo, ummonólogo externo,” em que a “linguagem se auto-enuncia.” De fato, o “eu ubíquo não é um indivíduo em particular, e sim uma função de um jogo maior de linguagem.

A abertura, “Quando sou lido sou sentenciado e reitrado da equivalência” abre o caminho para a atividade paragramática do poema. Ser “lido” implica inevitávelmente ser sentenciado: leitores de prosa processam frases consecutivas – mas esta demanda (que este poeta não pode satisfazer) torna-se também uma espécie de sentença de morte. Além disso, o texto é “retirado da equivalência” de linhas de comprimentos equivalentes, de declarações equivalentes. E, como não pontuação, as construçõesquando, então” tornam-se equívocas, as cláusulas muitas vezes apontando tanto para frente quanto para trás, como por exemplo em quando cidades sou a cor cinza quando um incêndio nacional.” De fato, do início ao fim do texto, post hoc não é nunca propriamente propter hoc. Ademais, trocadilhos regularmente prejudicam a possibilidade da comunicação. “Quando a sombra levanta sua caixa, sou luz,”[36] por exemplo, brinca com o gerúndio “shadowboxing”[37], e mais especificamente talvez, com a conhecida canção de Duke Ellington “I’m beginning to see the light”, que contém a estrofe, “Costumava vaguear pelo parque / Shadowboxing no escuro, / Então você chegou e provocou uma faísca, / Agora é um fogo de alarme-quatro.”[38] Este fogo torna-se um incêndio nacional na quinta linha, e quando isso ocorre, então “sou uma cama d’água partilhada.” Bom para apagar as chamas, mas como é que partilhamos a água? Como a sétima linha o coloca, o método de McCaffery é de suspensão: “repito uma palavra antes que a próxima faça sentido.” Portanto, sendo “sentenciado e retirado da equivalência,” o texto deve defender-se sozinho. Mesmo se o “aenigma” do título nunca for resolvido, a textualidade se impõe sobre o leitor: “ao ser comido na resposta ainda me farão propostas.”

Notem que esta última linha é a única que não alcança a margem direita justificada, chamando a atenção do leitor para as “propostas”. Ainda que se assemelhe a um parágrafo de prosa comum, o “Aenigma” de McCaffery exerce assim os seus significados visual e concretamente. Vê-se que a tipografia teve grande influência sobre a desconstrução das categoriasprosa/verso.” 

Uma prosa “galaxial” um tanto diferente é a de Joan Retallack, num trecho de seu livro How to Do Things with Words chamado “Narrative as memento mori”:[39]

 

                        No café da manhã no Ramada Inn Paul

                        precisava testar o procedimento par

a revelar um fotograma. (Ele não de

seja chamá-lo de Rayografia por raz

ões políticas.) Doug pediu 2 ovos f

ritos com presunto. Eu pedi Special

K e uma banana. Paul pediu rabanada

e iniciou o fotograma colocando um

pedaço de papel sensível azul retan

gular sobre o seu caderno, empurran

do tachinhas em cada um dos quatro

cantos para mantê-lo no lugar. Colo

cou uma colher, um cinzeiro e 4 pac

otinhos de açúcar sobre o papel sen

sível e em seguida o levou para for

a para revelar, voltando alguns min

utos mais tarde sem o fotograma, ma

s com um recipiente de alumínio ret

angular cheio de água. Colocou o re

cipiente sobre a mesa ao lado de su

a rabanada. Doug disse estar enverg

onhado com a quantidade de comida e

m seu prato. Eu estava desapontada

porque a garçonete não me trouxe um

a banana inteira. Contei a história

da banana voadora avistada na mesma

cidade da Rússia (Voronezh?) onde h

á pouco anunciaram a presença de al

ienígenas passeando pelo parque com

um robô. Paul saiu pra checar o fot

ograma. Disse que quando o papel se

nsível se descora as imagens estão

reveladas. Estava preocupado que

o houvesse bastante luz. A manhã es

tava nublada. Doug falou que na vin

da de trem tinha conversado com Mar

cia sobre a banda de rock pós-punk

de sua filhas. Disse que se interes

savam por letras violentas. De algu

ma forma surgiu o assunto de misogi

nia. Paul retornou e falou que o fo

tograma não estava pronto e que est

ava realmente preocupado que não ho

uvesse bastante sol. Achei que as f

atias de banana no meu Special K er

am menos de um 1/3 de uma banana in

teira. Paul saiu novamente pra chec

ar o andamento do fotograma. Doug h

avia comido tudo de seu prato. Perc

ebi que não queria o suco de laranj

a que pedira, mas mesmo assim bebi.  

 

                        [At breakfast in the Ramada Inn Paul

                        needed to test the procedure for de

                        veloping a photogram. (He does not

                        wish to call it a Rayograph for pol

                        itical reasons.) Doug ordered 2 egg

                        s sunnyside up with ham. I ordered

                        Special K and a banana. Paul ordere

                        d French toast and began the photog

                        ram placing a blue rectangular piec

                        e of sensitive paper on his noteboo

                        k, sticking push pins in each of th

                        e four corners to hold it in place.

                        He placed a spoon, an ashtray, and

                        4 packets of sugar on the senstive

                        paper and then took it outside to d

                        evelop, returning a few minutes lat

                        er without the photogram, but with

                        a rectangular aluminium pan filled w

ith water. He placed the pan on the

table next to his French toast. Dou

g said he was embarrassed by all th

e food on his plate. I was disappoi

nted because the waitress didn’t br

ing me a whole banana. I told the s

tory of the flying banana sighted i

n the same village in Russia (Voron

ezh?) where aliens were recently re

ported strolling in the park with t

heir robot. Paul went out to check 

the photogram. He said when the sen

sitive paper turns pale the images

are developped. He was worried there

might not be enough light. It was a

foggy morning. Doug said he had tal

ked with Marcia on the train coming

up about her daughters post-punk r

ock band. He said they were into vi

olent lyrics. Somehow the subject o

f misogyny arose. Paul came back

d said the photogram wasn’t ready a

nd he was really worried there wasn

t enough sun. I thought the slices

of banana on my special K were less

than 1/3 of a whole banana. Paul we

nt back out to check the progress o

f the photogram. Doug had finished a

ll the food on his plate. I realiz

ed I didn’t want the orange juice I

had ordered, but I drank it anyway.]

 

A “narrativa” de Retallack, o relato de um café da manhã com Paul e Doug no Ramada Inn, é uma história que não vai a lugar nenhum, exceto sobre a página; mas, na página, há bastanteação verbal. Se Waldrop e McCaffery ajustam o espacejamento para poderem cumprir as exigências de uma margem direita justificada, Retallack começa com uma restrição específica: trinta e cinco caracteres por linha, incluindo os espaços que funcionam como pausas. Quando uma frase alcança a margem criada por esta regra, a palavra em questão deve ser retalhada, nos dando ítens como “retan/gular”, “sen/sível”, “min/utos”, “fot/ograma”, “Mar/cia”, “algu/ma”, “misogi/nia”, “in/teira”. A margem esquerda torna-se assim uma coluna de letras, verticalmente produzindo palavras comousa” e “saca[40]. Que verdadeiramente estranha é a formação das palavras, sugere a poeta. Do princípio ao fim do texto, a produção do fotograma por Paul (“disse que quando o papel se/nsível se descora as imagens estão/ reveladas”) é análoga ao próprio processo poético, onde as palavras são dotadas de uma vida nova por suas decomposições e suas localizações sobre o papelsensível à luz”. Decisões: o que pedir no café da manhã, o que fazer com o papel, se encontram de formas engraçadas, enquanto que a mulher que fala exprime a sua decepçãoporque a garçonete não me trouxe um/a banana inteira”, um detalhe que de alguma forma se funde com a misoginia em potencial de seus dois companheiros. Como o fotograma (que não pode ser chamado de “Rayografia por raz/ões políticas”, obviamente para evitar a referência à Man Ray, o inventor desta forma de arte), o “memento mori” de Retallack é um memorial não da morte mas das trivialidades do cotidiano: “Perc/ebi que não queria o suco de laranj/a que pedira, mas mesmo assim bebi.”

Meu quarto e último exemplo é extraído do capitulo II de No. 111 2.7.9310.20.93 de Kenneth Goldsmith:

 

A door, à la, a pear, a peer, a rear, a ware, A woah!, Abba, abhorred, abra, abroad, accord, acère, acha, Ada, ada, add a, adda, adore, Aetna, afford, afire, afore, afyre, ah air, ah car, ah ere, Ah Ha, ah ha, ain’t tha, air blur, air bra, airfaire, alder, all ears, all yours, alla, Allah, aller, allya, alpha, alswa, ama, amber, ambler, AmFar, amir, amor Ana, ana, and ka, and uh, and war, anear, Anka, Anna, anvers, apes ma, appeere, aqua, ara, arbour, archer, ardor, ardour, are our, are there, Are there?, Are uh?, arm bears, armoire, armor, armour, arrear, as far, ashore, asper, ass tear, asthore, atcher, atma, au pair, au poivre,

 

auntre, aura, austere, Auxerre, aw arrgh, aw awe, aw war, award, aware, awed jaw, Ayler, bazaar, baba, babka, bacca, baga, bagba, bagger, baiter, bamba, bancha, baner, bang your, bania, banker, banter, bar burr, bar straw, barbed wire, barber, barbour, bare rear, bare tears, Barère, batter, baxa, be here, be square, Beans Dear?, beau-père, beaver, BeavHer, bedder, bedsore, beeba, beemba, been there, beer blare, beer blur, beer here, begba, beggar, beggere, Bel Air, Bela, bela, belcher, ben wa, Ben-Hur, bencher, bender, Bernard, Bertha, bestir, beta, betcha, betta, better, bettre, bever, beware, bezoar, bibber, bicker, bidder, biddler, bider, bien sûr, bifore, Big Star, Big Sur, bigga, bigger, bim-ba, bird’s rear, bismer, BiStar, biter, bitter, bittre, blabber, black tears, blah corps, Blair’s, blare, blanca, blare blur, blaster, blather, blazer, bleahhh, blear corps, bleeder, bleeper, blender, blinder, blisker, blisper, blister, blixa, blobber, blonder, bloomer, blooper, blubber,[41]    

 

Das quatro, a prosa de Goldsmith é a mais gerada por regras, apesar de que, como John Cage, de muitas formas seu mentor, Goldsmith obviamente “colecionou” suas palavras e expressões de acordo com seu gosto. O surpreendentelivro enciclopédico de referência inútil” de seiscentos e seis páginas daí resultante, foi composto pelo poeta, que colecionou todas as palavras e expressões que terminam com o som habitual do inglês americano, chamado por lingüistas de schwa (, er), encontradas por ele no tempo explicitado pelo título (seja em livros, no rádio ou na televisão, na internet ou em conversas reais). As expressões são organizadas por ordem alfabética, por contagem silábica e/ou de letras, começando com ítens de uma sílaba no primeiro capítulo (“A, a, aar, aas, aer, agh, ah, air...”) e terminando com a sílaba 7,228, “The Rocking Horse Winner” de D.H. Lawrence, que não é jamais identificada. A página em questão é a abertura do segundo capítulo, onde as unidades são compostas por duas sílabas. Recitar o texto é uma grande proeza, mas notem que quando se a página, as palavras e expressões criam toda espécie de ritmo e repetição, como por exemplo em “be here, be / square,” “Beens Dear, beau-père,” “beaver, BeavHer, bedder, bed-/sore, beeba, beemba, been there.” O olho do leitor pode avançar de forma vertical (“betcha”, “bicker”, “bigga”, “bittre”, “blare”), como também de modo horizontal e até mesmo diagonalmente, enquanto passamos de “A door” a “Blue Cheer”. Palavras que começam com maiúsculas se destacam (“Anka, Anna, anvers, apes ma” ou “Big Star, Big Sur, / bigga”), criando fascinantes inventários disjuntivos da linguagem hoje utilizada nos Estados Unidos.   

A catalogação absurda que é a base de No. 111, por exemplo, “Are there?, Are uh?, arm bears, armoire, armor, armour, arrear, as far, ashore, asper, ass tear, asthore, atcher, atma, au pair, au poivre, auntre, aura, austere, Auxerre” e, à medida em que as sílabas se tornam mais longas, unidades como “How do you spell onomatopoeia? How long do you plan to be almost there?” (do capítulo X, p.137), constituem um documento sócio-político, um memento mori, pode-se dizer, dos discursos que caracterizam os anos noventa, desde os da revista National Enquirer e dos programas de auditório na TV, até as gírias do cotidiano e a bela prosa de D.H. Lawrence. No meio disso tudo, Goldsmith nos apresenta trechos em que a transmissão defeituosa de informação (geralmente, a transcrição do oral para o escrito), fenômeno tão comum hoje em dia, produz exemplos de linguagem como a seguinte:

 

CXCV

 

Meu filho está sob os cuidados do médico, e não deve fazer educação física hoje. Porfavor o executem. Porfavor desculpem Mary por ter faltado. Ela estava doente e atirei nela. Porfavor desculpem Fred por ser. É a culpa de seu pai. Porfavor ackusem Fred por ter faltado no dia 28 29 30 31 32 e 33 de janeiro. Mary não pôde ir à escola hoje porque estava incomodada por veias muito próximas. Mary não foi à escola ontem porque foi visitada por uma ressaca. Porfavor dispensem Mary de Jim ontem. Ela estava administrando. Porfavor desculpem Fred por ter faltado. Ele estava resfriado e não conseguia procriar bem. Porfavor desculpem Mary. Ela tem estado doente e debaixo do médico. Porfavor desculpem Mary por ter faltado ontem. Ela estava de cama com o vovô; (No. III, p.490).  

 

[My son is under the doctor’s care and should not take P.E. today. Please execute him. Please excuse Mary for being absent. She was sick and I had her shot. Please excuse Fred for being. It was his father’s fault. Please ackuse Fred for being absent on Jan. 28 29 30 31 32 and 33. Mary could not come to school today because she was bothered by very close veins. Mary was absent from school yesterday as she was having a gangover. Please excuse Mary from Jim yesterday. She was administrating. Please excuse Fred for being absent. He had a cold and could not breed well. Please excuse Mary. She has been sick and under the doctor. Please excuse Mary from being absent yesterday. She was in bed wih grandpa; (No. 111, p.490).]

 

Este catálogo parodístico de desculpas médicas padrões produzidas pelos pais para os professoresgosto especialmente de “she was sick and I had her shot” [“ela estava doente e atirei nela”], “she was having a gangover” [“foi visitada por uma ressaca”], e “she was bothered by very close veins” [“estava incomodada por veias muito próximas”] – nada menos é do que uma construção verbivocovisual. O que Haroldo de Campos percebeu no início dos anos sessenta, quando fez poemas concretos comofala / prata”, é que a revolução tecnológica dos nossos tempos produziria uma situação onde o ato de “ler” significa cada vez maisver”, onde a dicotomia é menos entrepoesia” (verso) e “prosa” do que entre ver e ver através. “Please excuse Fred for being absent. He had a cold and could not breed well.” [“Porfavor desculpem Fred por ter faltado. Ele estava resfriado e não conseguia procriar bem.”]
 

Resumo  

A poesia concreta e a poesia em prosa parecem representar dois extremos, no entanto, ao olhá-las mais de perto, a oposição entre as duas é menos rígida. Os poetas Noigandres foram eles mesmos influenciados por escritores de prosa como Gertrude Stein e James Joyce, especialmente pelas construções verbivocovisuais deste último, em Finnegans Wake. Galáxias, de Haroldo de Campos, é umtexto limite” e, apesar de escrito usando as linhas da prosa, ele utiliza as constelações e a “ideogramatização” de unidades verbais, privilegiadas pela poesia concreta.  A revolta da poesia concreta contra a transparência da linguagem e a sua ênfase no ato de ver um texto em vez de através dele, abriram caminhos para a poesia – incluindo a poesia em prosaque é escrita hoje, quando os avanços tecnológicos vêm criando uma situação ondeler” se aproxima cada vez maisver”.  

            Abstract 

Concrete Poetry and prose poetry may seem to be at opposite extremes, yet, at a closer look, the rigid opposition between the two seems to break down. The Noigandres poets were themselves highly influenced by prose writers such as Gertrude Stein and James Joyce, especially by the latter’s verbivocovisual constructions in Finnegans Wake.  Haroldo de CamposGalaxias is a “limit text”, which, although written in prose lines, uses the constellations and the “ideogrammatization” of verbal units so privileged by Concrete Poetry.

Concrete poetry’s revolt against the transparency of language, and its emphasis on the act of seeing rather than of merely seeing through a text, set the stage for poetry – including prose poetry – being written today, when the advances in technology have created a situation where the act of “reading” increasingly approaches that of “seeing”.

 

Palavras Chaves:       

Poesia concreta, poesia em prosa, Noigandres, verbivocovisual,  texto-limite, constelações.

 

Key Words: 

Concrete Poetry, prose poetry, Noigandres, verbivocovisual, “limit text”, constellations

 


[1] David Antin, “Some Questions about Modernism”, Occident, 8, new series (Spring 1974): 14.  
[2] Steve MaCaffrey & bpNichol, Rational Geomancy: The Kids of the Book-Machine. The Collected Research Reports of the Toronto Research Group 1973-1982 (Vancouver: Talon Books, 1992), p.99; à seguir citado como GEO.
[3] Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, “Plano-piloto para poesia concreta,” em Mary Ellen Solt, Concrete Poetry : A World View, ed. Mary Ellen Solt (Bloomington e Londres : Indiana University Press, 1971), pp.70-72, e Solt, “A world Look at Concrete Poetry,” pp.7-66, esp. pp.7-8. Esta coleção fundamental é a seguir citada como MES. Cf . Johanna Drucker, “Experimental, Visual, and Concrete Poetry: Historical Context and Basic Concepts,” em Avant-Garde Poetry Since the 1960s, editado por K. David Jackson, Eric Vos & Johanna Drucker (Amsterdam-Atlanta, GA: Rodopi, 1996), pp. 39-40. Esta coleção é a seguir citada como VOS. Cf. R. P. Draper, “Concrete Poetry,” em New Literary History, 2, número 2 (Inverno 1971): 330. “A visualização é imprescindível à poesia concreta ou visual […] a utilização do espaço é intraduzível em qualquer outra dimensão.” Este ensaio é a seguir citado como NLH. 
[4] Dick Higgins, “Concrete Poetry,” em Encyclopedia of Poetry and Poetics, ed. Alex Preminger e T.V.F. Brogan (Princeton: Princteon University Press, 1993), pp.233. 
[5] Em MES, Solt explica: “Em 1952 […] três poetas de São Paulo, Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari, formaram um grupo que chamaram de Noigandres a partir dos Cantos de Ezra Pound. No Canto XX, ao se deparar com a palavra na obra do trovador provençal Arnaut Daniel, o velho Lévy exclama: ‘Noigandres, eh, noigandres / Now what the DEFFIL can that mean!’ Esta palavra enigmática servia muito bem aos propósitos dos três poetas brasileiros, que buscavam definir um novo conceito formal” (p.12). Este livro é a seguir citado como MES.   
[6] Rosemarie Waldrop, “A Basis of Concrete Poetry,” Bucknell Review (Outono 1976) p: 143-44, 41. O “plano-piloto” dos Noigandres também fala de “estrutura espaço-temporal em vez de um mero desenvolvimento temporal-linear.” (MES 71.)
[7] Ver MES, Figura 11, p.101 e Figura 11, p.102 para a tradução de Solt para o inglês. O poema data de 1962.
[8] Solt interpreta o poema de forma um pouco diferente: “quando o jogo termina, o silêncio pode se transformar em prata, a fala pode se transformar em ouro (mas se a fala é clara).” A referência à claridade da linguagem faz com que isso seja, segundo Solt, uma referência ao próprio poema concreto.
[9] Ver: “programa-piloto”, MES 72.
[10] Ron Silliman, “The New Sentence”, The New Sentence (New York: Roof Books, 1992), pp.63-93, e cf. Bob Perelman, “Parataxis and Narrative: The New Sentence in Theory and Practice”, The Marginalization of Poetry: Language Writing and Literary History (Princeton University Press, 1996), pp.59-78. No ótimo resumo de Perelman, “uma frase nova isolada é mais ou menos comum, mas adquire seu efeito ao ser colocada ao lado de outra frase com relação à qual tem uma relevância tangencial [...] Parataxe é essencial: o significado autônomo de uma frase é intensificado, questionado e modificado pelo grau de separação ou de conexão que o leitor percebe em relação às frases em seu redor. Isto, no nível formal imediato. De uma perspectiva mais ampla, a nova frase surge de uma tentativa de redefinir os gêneros; a tensão entre parataxe e narrativa é fundamental. ”
[11] N. T.:  no original, “cheroot” (charuto com as duas pontas cortadas).  
[12] Larry Levis, “The Plains”, The Prose Poem: An International Journal, 8 (1999), p.78.
[13] Charles Baudelaire, Le Spleen de Paris (Texto de 1869), ed. Y.G. Le Dantec; revisado par Claude Pichois (Paris: Gallimard: Bibliothèque de la Pléiade, 1961), p.229. Quem de nós, em seus momentos de ambição, não tem sonhado com o milagre da prosa poética, musical, sem ritmo ou rima, flexível e irregular o bastante para se adaptar aos impulsos líricos da alma, às ondulações do devaneio, aos sobressaltos da consciência?”
[14] Haroldo de Campos, “Sanscreed Latinized: The Wake in Brazil and Hispanic America,” Tri Quarterly, 38 (Inverno 1977): 56. Para as traduções ver: Augusto e Haroldo de Campos, Panaroma do Finnegans Wake, (São Paulo, Editora Perspectiva, 1971) e Augusto de Campos, “Dos fragmentos do Finnegans Wake,” além do ensaio sobre as traduções em `A Margem da Margem (São Paulo: Editora Schwarcz, 1989), pp.35-48. Para as traduções de Stein feitas por Augusto de Campos, ver “gertrude é uma gertrude” em O Anticrítico (São Paulo: Companhia das Letras, 1986), pp.177-89. A influência de Stein no poema em prosa, que seria assunto para um outro artigo, tem a ver com a maneira em que a repetição e a permutação de palavras monossilábicas e dissilábicas criam padrões visuais assim como verbais
[15] Augusto de Campos, “Introdução”, Teoria da poesia concreta, A. & H. de Campos, Décio Pignatari, S.P.: Livraria Duas Cidades, 1975; e Augusto de Campos (VOS 376): “Yale Symphosymposium on Contemporary Poetics and Concretism,” VOS 376: Augusto cita “o caleidoscópio vocabular de Finnegans Wake e suas polileituras textuais” e a “prosa experimental, minimalista e molecular de Gertrude Stein” como importantes fontes para os Noigandres.”
[16] James Joyce, Finnegans Wake (New York: Penguin, 1976), pp.260-308; é a seguir citado como FW. 
[17] Haroldo de Campos, “A obra de arte aberta em Teoria da Poesia Concreta, op. cit., pp.30-31. No prefácio da edição brasileira de Opera Aperta, Umberto Eco escreveu, “é mesmo curioso, que, alguns anos antes de eu escrever Obra Aberta, Haroldo de Campos, num pequeno artigo, lhe antecipasse os temas de modo assombroso, como se êle tivesse resenhado o livro que eu ainda não tinha escrito, e que eu iria escrever sem ter lido seu artigo.”
[18] James Joyce, Letters, Vol.1, ed. Stuart Gilbert (New York: Viking Press, 1957), p.213.   
[19] N. T.: Esta frase não consta na tradução de Augusto de Campos.
[20] N. T.: literalmente, “>achar→de→achou”
[21] N.T. Tradução de A. de Campos.
[22] Idem.
[23] N.T. Literalmente : “Turfa [paz] esteja com eles”; na tradução de A. de Campos: “deus os preteje.”
[24] N. T. Literalmente: “matando kildare”.
[25] N. T. :Emprego parênteses para as traduções de Augusto, e colchetes para as minhas literais
[26] Ver Haroldo de Campos, “Ideograma, Anagrama, Diagrama: Uma leitura de Fenollosa” em Ideograma: Lógica/ Poesia/ Linguagem, São Paulo, Edusp, 2000, H. de Campos (Org.), pp.23-107.
[27] Ibid., pp.81-2.
[28] Haroldo de Campos, Galáxias (São Paulo: Editora ex Libris, 1984), posfácio não paginado, republicado como cabeçalho à tradução de Oseki-Déprés para o francês. No posfácio, Haroldo escreve que as Galáxias foram publicadas pela primeira vez na revista Invenção, São Paulo, 1964, e publicadas a seguir de forma irregular em vários lugares até 1976.  
[29] Roland Greene, “From Dante to the Post-Concrete: An Interview with Augusto de Campos,” em Harvard Library Bulletin, “Material Poetry of the Renaissance / The Renaissance of Material Poetry,” 3, n°2 (Verão 1992): 20.
[30] “In my beginning is my ending.”
[31] Marjorie Perloff, Radical Artifice: Writing Poetry in the Age of Media (Chicago: University of Chicago Press, 1991), pp.115-20.
[32] Rosemarie Waldrop, Lawn of Excluded Middle (Providence: Tender Buttons, 1993), p.13.
[33] N.T., um ‘E’ na tradução.
[34] Ludwig Wittgenstein, Philosophical Investigations, 3d. ed., Trad. G.E.M. Anscombe (New York: Macmillan, 1958), #115. 
[35] Rosemarie Waldrop, Lawn of Excluded Middle (Providence: Tender Buttons, 1993), p.13.
[36] “When the shadow lifts its box, I’m light.”
[37] N.T.: treinamento de boxe com adversário imaginável.
[38] “Used to wander in the park / Shadowboxing in the dark, / Then you came and caused a spark, / That’s a four-alarm fire now.”
[39] Joan Retallack, How to Do Things with Words (Los Angeles: Sun & Moon, 1998), pp. 105-106.
[40] N.T. No original: “eke” e “pee”.
[41] Kenneth Goldsmith, No. 111 2.7.9310.20.96 (Great Barrington, MA: The Figures, 1997), p.3 e na internet: http://www.ubuweb.com. Este trecho não foi traduzido por ser baseado (exclusivamente) no aspecto sonoro das palavras, em seus significantes.


 

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