A PINTURA DE PAISAGEM ENTRE ARTE E CIÊNCIA:
GOETHE, HACKERT, HUMBOLDT

Claudia Valladão de Mattos*



EM 1807, O NATURALISTA ALEMÃO Alexander von Humboldt traria a público um pequeno livro intitulado Ansichten der Natur (Quadros da Natureza1), resultado de mais de cinco anos de pesquisas realizadas durante sua viagem pelo continente Americano2. À diferença dos 30 volumes contendo os detalhados relatos de sua expedição às Américas, publicados em Paris entre 1805 e 1839, sob o título de Voyage de Humboldt et Bompland, o pequeno volume de 1807 visava oferecer ao leitor o que Humboldt entendia como a síntese filosófica dessa experiência, realizada por meio do que chamou de Naturgemälde, ou “Pinturas da Natureza”. Isto é, Humboldt apresentava no livro uma visão ao mesmo tempo total e sintética (Totaleindruck), resultante da análise detalhada dos múltiplos fenômenos locais que compunham as fisiognomias (Phisiognomie) de segmentos específicos do grande corpo vivo de nosso planeta, que incluía também a dimensão humana.3 Para os diferentes segmentos climáticos que explorara em sua viagem pelo continente americano, portanto, o autor procurava compor no livro uma “pintura”, um “quadro” que colocasse “diante dos olhos do leitor” a Natureza tal como ela aparecia em sua totalidade nos sítios visitados, com sua organização específica e em toda sua vivacidade. Nesse sentido, Humboldt escreveria no prefácio à primeira edição do livro:
Timidamente entrego ao público uma série de trabalhos, criados diante de grandes objetos da natureza, no Oceano, nas florestas do Orinoco, nas estepes da Venezuela, nos desertos das montanhas peruanas e mexicanas. Alguns fragmentos foram escritos no local e novamente fundidos em uma totalidade. O grande panorama da Natureza, a prova da ação conjunta das Forças e a renovação do prazer que a visão não mediada dos trópicos proporciona ao homem de sentimento, são os objetivos que persigo.4
O livro fora, portanto, organizado como uma série de écfrases da natureza e, assim, conscientemente vinculado a um gênero clássico da retórica de grandes conseqüências para a construção da tradição artístico-literária.5 Esse fato posiciona firmemente a obra de Humboldt não só no âmbito do discurso científico, ao qual ela certamente pertence, mas também no âmbito de um discurso estético, apresentando-se inequivocamente como literatura.6 Tal vinculação deliberada de Humboldt à tradição da écfrase é plenamente afirmada na palestra de número dezesseis pertencente ao ciclo de conferências ministradas pelo autor entre 1827 e 1828 na Singakademie de Berlim, hoje conhecidas como Kosmos-Vorlesungen (Palestras sobre o Kosmos).7 Nesse texto, Humboldt oferece uma pequena história de descrições da natureza na literatura, demostrando que tais descrições teriam se desenvolvido plenamente apenas em seu próprio tempo – ainda que cite diversos exemplos da Antigüidade ao Renascimento – em particular entre autores franceses como Buffon, Bernardin de St. Pierre e Chateaubriand, onde se tornaram um gênero literário específico: “Entre os franceses essas descrições da natureza, especialmente da natureza exótica, compõem um subgênero da literatura, a poesie descriptive.” Porém, ainda segundo sua opinião, os franceses tendiam freqüentemente a cair em um excesso de subjetivismo, nocivo ao gênero, sendo Goethe o modelo ideal proposto pelo autor:
Acima de tudo queremos mencionar o grande mestre, em cuja obra prevalece um profundo sentimento para com a natureza. Tanto no Werther, como na Viagem [à Itália], na Metamorfose das Plantas, em toda parte ressoa esse sentimento entusiasmado, tocando-nos como ‘um vento suave soprado de um céu azul’.8
Num posfácio a uma recente edição alemã do Ansichten der Natur, Adolf Meyer-Abich reafirma a grande importância que o encontro com Goethe teve para a formação intelectual de Humboldt, entendendo as proposições deste último como a plena realização do pensamento do poeta sobre ciência: “Humboldt pode ser pensado como o completador das pesquisas de Goethe sobre a Natureza”, comenta o autor.9 Essa intensa identificação com as visões holísticas de Goethe fornece também uma explicação para o valor artístico que Humboldt desejava imprimir à sua obra, pois, para o grande poeta alemão, o verdadeiro conhecimento dependia de uma íntima colaboração entre arte e ciência. “Para encontrar-te no infinito, deves diferenciar e então juntar10”, escreveria Goethe numa passagem de poema dedicado ao pesquisador de nuvens Luke Howard, em 1803. A diferenciação caberia ao cientista e a síntese ao artista. A ciência, baseada em um método analítico, permitiria o reconhecimento das diferenças, mas somente a arte seria capaz de efetuar a síntese desses elementos dispersos e apresentá-los em um olhar essencial. 11 Como discípulo de Goethe, Humboldt adota conscientemente uma forma literária para seus Ansichten der Natur à busca de uma síntese que estaria a um passo além das descrições detalhadas contidas no Voyage.

No presente artigo, porém, não desejo discutir o estilo literário de Alexander von Humboldt, nem os usos que ele fez da tradição letrada. Meu intento é, antes, desdobrar nossa discussão sobre a importância que a dimensão estética possuía para o autor, a fim de tratar de sua relação com outro gênero artístico, colocado por ele em pé de igualdade com a literatura em sua capacidade de realizar a síntese essencial ao conhecimento: a “Pintura de Paisagem”. Entender o conceito que Humboldt fazia do gênero é de grande importância, pois, como veremos, ele terá conseqüências também para o desenvolvimento da pintura de paisagem em diversas partes da América Latina, inclusive no Brasil.

Falando da tarefa do pintor de paisagem num capítulo central dos Ansichten der Natur, intitulado “Idéias sobre a fisiognomia das Plantas”, Humboldt afirma de forma poética: “Sob suas mãos (do artista), resolve-se o grande quadro mágico da natureza, como na obra escrita dos homens, em poucos e simples traços.”12 Ou seja, para Humboldt – assim como também para Goethe – a literatura e a pintura eram ambas capazes de auxiliar o cientista em sua tarefa de síntese, porém, nem toda literatura e nem toda pintura (lembremos a crítica que ele fazia ao excesso de subjetivismo dos franceses, por exemplo). Em algumas passagens de sua obra, Humboldt deixa claro que não é qualquer forma de pintura de paisagem que serve como parceira da ciência. Na mesma palestra da Kosmos-Vorlesung, citada acima, após a pequena história das descrições da natureza na literatura, Humboldt tece alguns comentários sobre os caminhos da pintura de paisagem, condenando tanto a pintura de paisagem de tipo holandesa, quanto a tradição da pintura de paisagem italiana:
À época do renascimento da arte italiana encontramos o início da pintura de paisagem na escola holandesa e entre os discípulos de Van Eyck. Mais especificamente, Heinrich von Bloss primeiramente tentou diminuir muito as figuras para assim permitir que a paisagem ganhasse em importância. Também nas grandes pinturas de paisagem italiana do período tardio: Ticiano, Bassano, Carracci, não se encontra uma imitação precisa, especialmente da natureza exótica e elas também utilizam determinados objetos de forma afetada e convencional, por exemplo, dão às palmeiras de tâmara, que imigraram do norte da África para a Sicília e Itália, uma aparência escamosa e estranha.13
Permanece, portanto, a seguinte questão: se para Humboldt nem todas as maneiras de pintar paisagens podiam ser de utilidade ao cientista, qual seria o modelo de pintura de paisagem adotado pelo autor? Como ocorre com relação a tantos outros aspectos de sua obra, podemos afirmar que também no que concerne a essa questão, Humboldt seguiria os passos de seu mestre Goethe. Assim, para compreendermos a sua visão sobre o gênero da paisagem, será necessário investigarmos as posições do poeta com respeito ao tema. Veremos que, por intermédio de Goethe, Humboldt adotou um modelo de pintura de paisagem de raiz clássica, porém diferente daquela de procedência lorrainiana, ou poussiniana. Um modelo que buscava realizar uma síntese entre as duas grandes tendências do gênero herdadas do século XVII: a pintura de paisagem ideal e a pintura de vista, originária do norte da Europa.14 Goethe interessara-se profundamente por essa nova concepção de pintura de paisagem depois de tê-la exercitado pessoalmente, durante sua viagem à Itália, sob a orientação do pintor alemão residente em Nápoles, Jakob Philipp Hackert (1737-1807),15 um dos inventores do novo gênero. Sabemos que Hackert também discutiu em detalhe seus métodos e concepções teóricas com Goethe, que os considerou de grande relevância, publicando- os em 1811 como parte de uma biografia que escreveu sobre o artista. 16 É muito provável, portanto, que tenha também transmitido tais pensamentos a Humboldt, com quem passou a se corresponder, após um primeiro encontro no ano de 1795 em Weimar. O quanto Goethe pensava num pintor como Hackert para colaborar com seu amigo naturalista fica claro numa passagem de carta enviada por Goethe a Humboldt em abril de 1807, ano da morte do pintor: “Nosso excelente Hackert sofreu um enfarte em Florença. Ele espera se recuperar novamente para a arte. Desejaria que alguém como ele estivesse ao seu lado nos países tropicais.”17 A referência a “nosso excelente Hackert” também não deixa dúvidas de que o artista era familiar a Humboldt.


Goethe, Hackert e a pintura de paisagem

Tendo em vista a postura bastante conservadora de Goethe com relação às artes plásticas, seu apoio a um modelo clássico e acadêmico de arte que privilegiava a pintura de História e sua obstinada oposição às novas tendências românticas representadas por pintores como Philipp Otto Runge e Caspar David Friedrich,18 só é possível compreender o grande valor que ele atribuiria à obra do pintor de paisagem Jakob Philipp Hackert se levarmos em conta suas idéias sobre as relações entre arte e ciência. Tais idéias são as mesmas que tanto influenciaram Humboldt e que tornou natural a adesão deste às visões de Goethe também no que concerne à questão da representação pictórica da paisagem.

Desde muito cedo Goethe cultivou, ao lado das atividades de poeta e teórico da arte, uma intensa atividade científica. Seu interesse pelas ciências ganhou grande impulso nos anos de 1770, quando entrou em contato com o suíço Johann Caspar Lavater (1741-1801), passando a colaborar na coleta de material para o seu livro Physiognomische Fragmente (Fragmentos Fisionômicos).19 Obstinado por demonstrar uma correlação entre a fisionomia externa do ser humano e seu caráter, Lavater colecionava retratos de pessoas famosas de toda Europa, acrescidos de uma descrição de suas personalidades.20 Esses retratos eram preferencialmente traçados em silhueta (Schattenrisse) e em seguida submetidos a um método comparativo para determinar a relação entre certas formas físicas e traços de caráter. Basicamente, a metodologia de Lavater previa uma “redução” da forma humana a seus aspectos essenciais, captados na silhueta, e uma comparação dos resultados obtidos.21 Em seu livro, Lavater dedicaria um capítulo inteiro à questão da silhueta, fazendo ali o seguinte comentário:
Da simples silhueta juntei mais conhecimento sobre a fisionomia do que de todos os outros retratos; através dela, apurei mais a minha sensibilidade para a fisionomia do que através da observação da natureza que está sempre em transformação; – A silhueta resume a atenção dispersa, concentra-a em simples contorno e limites, tornando a observação mais fácil, leve e exata; – a observação e, com ela também, a comparação.22
Esse procedimento fascinou o jovem Goethe, que o incorporou ao seu próprio pensamento científico. Ou seja, como bem observou Carl Weizsäcker,23 Goethe desenvolveu um método de investigação baseado na morfologia comparada, não enraizando a forma em uma lei, tal como começava a fazer a ciência já em sua época, mas deduzindo a lei da própria forma sensível. Aplicando tal método de descrição morfológica e comparação das formas, Goethe esperava ser capaz de vislumbrar os nexos entre as diversas instâncias do real, ou, em outras palavras, a ordem imanente à Natureza.

Outra observação sobre o pensamento de Goethe é importante para compreendermos sua posição de cientista, especialmente durante e após sua viagem à Itália.24 Uma vez que, do seu ponto de vista, existia um vínculo essencial entre homem e mundo – “a matéria nunca existe sem o espírito e o espírito nunca sem a matéria”25 –, ordenar o mundo exterior significava ordenar, ao mesmo tempo, o mundo interior. Conhecer a ordem da natureza (no sentido goetheano de reconhecer os nexos presentes no mundo sensível) seria o equivalente, portanto, a harmonizar o espírito com ela. Mas como se processaria essa investigação do mundo sensível?

Goethe entende a ciência como conhecimento sobre a forma. A lei, a ordem específica que rege um fenômeno na natureza, deveria, portanto, ser buscada na fisionomia do próprio fenômeno. O olhar aparece como o instrumento essencial do cientista, que trabalha, como dissemos acima, fazendo a operação de separar aquilo que lhe parece diferente e juntar o semelhante. Porém, como a essência do fenômeno encontra-se nele mesmo, a expressão última da ordem, ou lei natural, revelada nesse processo não poderia caber à ciência, que procede sempre de forma abstrata, mas só poderia ser exposta plenamente na arte. Essa “imagem da natureza” produzida pela arte teria ainda uma vantagem sobre a própria natureza: o fato de ser estática, expondo uma visão permanente da mesma, despida dos elementos casuais que a povoam em seu curso incessante de transformação.26 Eis aqui também a origem da idéia de “Quadros da Natureza” que encontramos em Humboldt.

Segundo Goethe, o mundo moderno, onde prevalece a ciência analítica na qual “para compreender os variados objetos não-humanos um esfacelamento das forças e capacidades, uma fragmentação da unidade é quase inevitável27”, não favorecia o movimento de integração entre arte e ciência que fora uma das marcas dos pensadores da Antigüidade. Do seu ponto de vista, uma batalha incansável deveria ser travada para reconquistar essa harmonia dos antigos, tão essencial ao conhecimento, para a contemporaneidade. Goethe parece ter reconhecido na pintura de paisagem de Hackert um caminho privilegiado para a realização desse objetivo.

Insistimos que o interesse de Goethe por Hackert só pode ser compreendido dentro desta perspectiva. Goethe encontrou em Hackert um artista que trabalhava segundo seu princípio de análise e síntese, reconhecendo os elementos (individuais) característicos de uma paisagem e integrando-os, com arte, num todo significativo – numa Naturgemälde – para usarmos o conceito posteriormente cunhado por Humboldt. Procurando compreender o lugar especial que Hackert conquistou no pensamento de Goethe, Wolfgang Krönig comenta em um catálogo sobre o artista:
O olhar reconhecedor e a reprodução da clareza e da ordem do fenômeno natural observado – essas características das melhores possibilidades imbuídas na obra de Hackert, devem ter encontrado um eco especial em Goethe (...). Hackert não é para ele um artista que se situa ao lado ou no lugar dos grandes pintores figurativos como aqueles dos italianos, mas antes um artista que fez das relações entre arte e natureza o tema de sua obra.28
Ao tornar-se discípulo de Hackert na Itália, Goethe desejava aprender a ver a paisagem com seus olhos, ou seja, com olhos de pintor “ingênuo”29 capaz de identificar as formas essenciais da natureza e devolvê-las em uma imagem-síntese. Como professor, por sua vez, Hackert garantira a Goethe que havia um método preciso para aprender seu métier.30 O poeta submeteuse, portanto, à aprendizagem dos princípios do artista com alegria e otimismo e aparentemente foram essas lições que ele transmitiu mais tarde também a Humboldt. A compreensão específica do gênero da paisagem que resultou de todos esses encontros foi, em última instância, o que definiu a posição privilegiada da pintura de paisagem ao lado das descrições literárias da natureza, como uma fiel parceira do cientista, no contexto da obra de Humboldt.


Os “fragmentos teóricos” de Hackert e os “quadros da natureza” de Humboldt

A primeira menção de Goethe ao pintor Jakob Philipp Hackert aparece em seu diário de viagem sob a data de 15 de novembro de 1786, portanto antes da viagem a Nápoles.31 Porém foi durante esta viagem que Goethe passou a conviver por mais tempo com o pintor e, maravilhando-se com sua destreza em captar a paisagem italiana, decidiu tornar-se seu aluno. A 15 de março de 1787, em Caserta, ele anotaria:
Também a mim ele conquistou por completo, sendo paciente com minhas deficiências [...]. Quando pinta aquarelas, ele tem sempre três tintas à mão e, como trabalha avançando do plano de fundo para frente, empregando as tintas uma após a outra, segue daí um quadro que não se sabe ao certo de onde veio.32
Em sua última passagem por Roma, antes de retornar definitivamente a Weimar, Goethe reencontraria Hackert, voltando às aulas de desenho e realizando visitas às galerias da cidade em sua companhia, para ouvir seus comentários sobre as paisagens de Gaspard e Nicolas Poussin, Claude Lorrain e outros artistas antigos e contemporâneos. Não há dúvida, portanto, que a visão de Goethe sobre o gênero da pintura de paisagem formou-se sob o impacto das opiniões e dos conselhos de Hackert. O que mais fascinava Goethe era a maestria com que o pintor captava os detalhes da natureza, os tipos de árvores, a geografia da paisagem e a atmosfera própria ao local retratado, porém sem ser subserviente ao real, como no caso da pintura de vista de origem nórdica, mas extraindo dessa paisagem, o mais característico e essencial, isto é, nos termos de Goethe, dando-lhe uma Forma. Durante sua segunda estada em Roma, ele escreveria: “Estive fora com o Sr. Hackert que possui uma capacidade inacreditável para copiar a natureza dando ao mesmo tempo uma forma ao desenho.”33

Na compreensão de Goethe, ao fundir o gênero da paisagem ideal de tipo italiana, com a observação detalhada praticada na pintura de vista, Hackert encontrara uma forma de extrair da paisagem real seu elemento ideal, isto é, universal. Como comentou Norbert Miller, em um estudo sobre as relações do poeta com o pintor: “Ele aprendeu com Hackert a ver a paisagem habitual como ideal e a valorizar a observação dos detalhes característicos como pressupostos para o reconhecimento do todo.”34 Era essa forma “ingênua” de olhar o mundo, equivalente ao olhar dos antigos, que Goethe desejava aprender com Hackert.

Quanto aos preceitos teóricos do pintor correspondiam ao que Goethe via em sua obra, é um tema que já abordei em outra parte e que, portanto, não discutirei aqui.35 Porém é certo que o método de trabalho de Hackert e seus resultados visíveis vinham ao encontro das convicções de Goethe, parecendo ser a realização prática do seu sonho de integração entre conhecimento científico e estética. Lembrando a grande dívida teórica que o próprio Humboldt sentia para com Goethe e levando em consideração a ascendência positiva de Hackert sobre o poeta, não deve surpreender o fato de encontrarmos inúmeros pontos de tangência entre a compreensão da tarefa do pintor de paisagem apresentada nos fragmentos teóricos compostos por Hackert em certas passagens do Ansichten der Natur. Poderíamos mesmo dizer que, através de Goethe, Alexander von Humboldt herdou muitos aspectos próprios à perspectiva original do pintor sobre a questão da paisagem, transformando os procedimentos descritos por ele em verdadeiro instrumento de pesquisa sobre a fisionomia da terra. Nas mãos de Humboldt, as concepções teóricas de Hackert tornam-se preceitos fundamentais capazes de garantir uma colaboração perfeita entre cientista e artista.

Spix e Martius: Atlas da Viagem pelo Brasil, “Plantas da América Tropical”,
Litografia a partir de desenho de E. Mayer, 1823.

Um dos pontos fundamentais de convergência entre as idéias propagadas por Hackert e as de Humboldt, que comprovam a familiaridade deste último com as teorias do pintor, diz respeito à definição, importantíssima do ponto de vista prático, dos elementos que determinam a construção da “impressão geral” de uma paisagem na fantasia humana e que, em conseqüência, deveriam receber uma atenção especial por parte do artista, além dos métodos específicos de representação desses elementos. Em seus “fragmentos”, Hackert insiste que o elemento essencial de uma paisagem é sua vegetação, postulando o estudo das árvores como indispensável para a formação de um bom pintor da natureza. Constatando, no entanto, o excessivo tempo necessário para o artista conhecer e desenhar todos os tipos de árvores, Hackert propõe uma divisão das mesmas em três tipos, seguindo a aparência de seus ramos e folhagens: “Segundo meu princípio, divido de forma geral todas as árvores em três classes, de acordo com a forma como pessoalmente as gravei e publiquei. O artista e o amador devem treinar suas mãos segundo elas, caso queira aprender a desenhar.”36

No Ansichten der Natur, Humboldt parece adotar a idéia de Hackert sobre a importância da vegetação para a formação da impressão geral apresentada pela natureza aos sentidos: “é impossível negar que o elemento principal que determina essa impressão é a vegetação (Pflanzendecke)”, escreveria ele no livro. Humboldt também adota a idéia de uma classificação morfológica do mundo vegetal, considerando a tendência espontânea do artista em fazer tal classificação, como um indício importante de seu talento: “O pintor (e exatamente o fino sentimento de natureza do artista entra em jogo aqui) diferencia no pano de fundo uma paisagem de pinheiros ou de palmeiras, de uma com arbustos, porém não esses de outras florestas de folhas.”37 Em seguida expande a classificação de Hackert, adequando-a às suas próprias pesquisas científicas, de três para dezesseis grupos “protótipos”. O treino do pintor nos aspectos individuais dos diferentes grupos o ajudaria a apurar sua sensibilidade inata de modo a poder colaborar mais eficientemente com a ciência.

Dezesseis formas de plantas determinam principalmente a fisionomia da Natureza. [...] Que interessante e rico para o pintor de paisagem seria uma obra que apresentasse aos olhos primeiro individualmente as dezesseis formas principais apontadas e em seguida em seus contrastes mútuos!38
Nessa passagem, fica ainda clara uma certa hierarquia no processo de construção da paisagem. O artista deveria inicialmente captar os elementos individuais da mesma, para num segundo momento compor, a partir de seus esboços, as massas ou grupos contrastantes, capazes de revelar a “impressão total” ou o caráter específico da região estudada. Essa mesma concepção do processo de execução de uma pintura de paisagem reaparece mais tarde também no Kosmos:
Os esboços realizados diante das cenas naturais só podem levar a reproduzir o caráter de regiões longínquas do mundo após o retorno, em paisagens acabadas. Eles o farão de forma tanto mais perfeita se o artista entusiasmado tiver desenhado ou pintado ao ar livre, diante da natureza, uma grande quantidade de estudos isolados de copas de árvores, de galhos frondosos carregados de flores e frutos, de troncos caídos, cobertos de parasitas ou orquídeas, de rochedos, trechos das margens dos rios e partes do solo da floresta.39
O método paulatino de construção da paisagem a partir do sólido conhecimento de seus aspectos parciais é central na teoria sobre o gênero da paisagem de Hackert. Para ele, o estudo demorado dos tipos individuais era o que garantia a manutenção da riqueza e variedade da vegetação no quadro final. O artista que não se esforçasse para aprender as diferentes formas da natureza isoladamente, tenderia, numa grande composição, a pintar sempre o mesmo tipo de árvore. Esta é, por exemplo, a crítica que Hackert dirige aos grandes pintores de paisagem de tradição italiana:
Na composição de uma paisagem é o mais importante garantir que tudo seja grandioso, tal como as que Nicolas e Gaspard Poussin, Carracci e Domenichino fizeram [...]. No entanto, podemos censurar nesses mestres que suas árvores são sempre iguais e que uma só raramente se diferencia da outra.40
No mesmo sentido, Hackert escreve sobre o processo de aprendizagem do artista:
Quando a mão do artista estiver mais ou menos treinada, de forma a conseguir anotar em todas as suas mudanças e em todas as formas as folhas e as partes das árvores, então ele deve desenhar copiando a natureza, sem se deter muito tempo em cópias de desenhos.41
Jakob Philipp Hackert: “Paisagem Italiana sobre o Etna”,
óleo sobre tela 65x88,5.

Também a integração entre os elementos físicos e morais da paisagem, proposta por Humboldt em seu conceito de “quadros da natureza”, isto é, o reconhecimento de sua dimensão histórica,42 aparece já em posição de destaque nos “fragmentos teóricos” de Hackert, determinando o resultado visual final do quadro. A integração entre Natureza e História na pintura de paisagem é discutida nos “fragmentos”, sob o título de “Efeito Moral”, onde o autor enfatiza o prazer que retiramos da visão de uma paisagem marcada pela história humana: “Muitas paisagens nos trazem um prazer extraordinário quando nos apresentam regiões onde grandes feitos ocorreram, como batalhas ou outras grandes ocasiões da história.”

Como argumenta Herbert von Einem,43 Goethe via a história humana como parte integrante da natureza e certamente aprovava e valorizava a presença da dimensão humana nas paisagens realizadas pelo pintor. É provável que a questão, que o ocupou especialmente durante a estadia na Itália, tenha sido tema de discussão com seu amigo Humboldt, que por sua vez, deu um caráter mais antropológico à questão ao abordá-la no Ansichten de Natur: “O conhecimento do caráter natural das diferentes regiões do mundo está intimamente vinculado à história e à cultura da raça humana.” Não mais apenas os eventos históricos excepcionais, como na perspectiva de Hackert, aderem- se à paisagem, mas o seu caráter é determinado pela simbiose específica instaurada entre os seres humanos e seu habitat.

É evidente que questões como essas também faziam parte da ordem do dia e podiam ser, facilmente, traçadas de volta aos escritos teóricos de Winckelmann, por exemplo, de quem Goethe considerava-se discípulo. Porém quero sugerir aqui que em muitos aspectos, os procedimentos propostos por Hackert em seus “fragmentos teóricos”, acabaram ajudando Humboldt, através da mediação de Goethe, a materializar a idéia de uma pintura da natureza que incorporaria princípios derivados da écfrase.

O fato de a obra de Hackert, e não de artistas românticos, por exemplo, ter servido de modelo para a caracterização da tarefa do pintor, na perspectiva de Humboldt, teve sua importância. Ela significou, entre outras coisas, como afirma Werner Busch,44 a adesão do naturalista a uma visão clássica de pintura de paisagem, que transparece já em seu conceito de “impressão total” (Totaleindruck).45 A preferência de Humboldt por uma pintura clássica, do tipo hackertiana, revela-se ainda na escolha dos artistas que colaboraram na ilustração de suas obras, como Gottlieb Schick, Bellerman, ou Friedrich Wilhem Gmelin, todos vinculados, de uma forma ou de outra, ao círculo de Goethe e Heinrich Meyer em Weimar. Sobre o último artista Meyer e Fernow escreveriam numa introdução ao texto de Goethe “Winckelmann und sein Jahrhundert” (“Winckelmann e o seu século”):
Entre os desenhistas de paisagens monocromáticas encontram-se, ao lado de Hackert, os já mencionados Birmann e Kniep, ao lado destes Gmelin [...]. Como amigo pessoal de Hackert, ele aprendeu as técnicas com esse mestre, provando ter bom conhecimento do efeito, postura etc., ao desenhar com fidelidade a natureza.46
Alexander von Humboldt foi também figura de referência para diversos artistas que viajaram pelo Brasil, como Johann Moritz Rugendas, Thomas Ender e Carl von Martius, contribuindo para determinar a forma como captavam a natureza americana. Uma vez que esses artistas estiveram freqüentemente em contato direto com pintores da Academia local,47 não seria, a meu ver, de todo falso pensarmos numa possível influência do modelo hackertiano herdado por Humboldt sobre a pintura de paisagem brasileira. 48 Isso ajudaria a explicar, por exemplo, a importante diferença entre a pintura de paisagem norte-americana do século XIX, fortemente marcadas pela estética do sublime,49 e a produzida no Brasil, que mantém um parentesco intrigante com o tipo de pintura criada por Jakob Philipp Hackert e seus discípulos.

Spix e Martius: Atlas da Viagem pelo Brasil, “Extração e preparação dos ovos de tartaruga
junto ao Rio Amazonas”, Litografia a partir de desenho de J. Steingraebel, 1823.

 
Resumo: O presente artigo visa discutir o modelo de pintura de paisagem adotado pelo naturalista Alexander von Humboldt em seu livro Ansichten der Natur (Quadros da Natureza) e em outros escritos. Levantamos a hipótese de que tal modelo tenha derivado de forma mais ou menos direta dos “Fragmentos Teóricos sobre Pintura de Paisagem” (Theoretische Fragmente über Landschaftsmalerei) do pintor alemão residente em Nápoles, Jakob Philipp Hackert, que havia sido professor de Goethe durante sua viagem à Itália. Procuramos ainda mostrar como esse modelo foi importante para o desenvolvimento de uma pintura de paisagem de tendência “classicizante” no Brasil, na primeira metade do século XIX.

Palavras-chave: Pintura de paisagem, écfrase, Alexander von Humboldt, Jakob Philipp Hackert, Goethe.
 
Abtract: This article discusses the model of landscape painting adopted by naturalist Alexander von Humboldt in his book Ansichten der Natur, as well as in other of his writings. We suggest that this model derived more or less directly from the “Theoretical Fragments on Landscape Painting” (Theoretische Fragmente über Landschaftsmalerei) written by the German painter resident in Naples, Jakob Philipp Hackert, who had been Goethe’s drawing professor during his stay in Italy. We also suggest that this model was crucial for the development of a more classical conception of landscape painting in Brazil during the first part of the 19th century.

Keywords: Landscape painting, Alexander von Humboldt, Jakob Philipp Hackert, Goethe.


Notas

1 A tradução já bem estabelecida para o Português do título do livro de Humboldt como Quadros da Natureza, não é, a meu ver, inteiramente correta, sendo Vistas da Natureza uma tradução mais precisa. A questão é relevante, pois certamente o título de Humboldt, fazia uma alusão ao gênero da “pintura de vista”, ou veduta, em italiano, a qual se perde complemente na tradução usual para o português e manter-se-ia intacta na nova tradução proposta.
2 Alexander von Humboldt chegou à Venezuela a 16 de julho de 1799, tendo viajado durante cinco anos pelo continente e visitado Cuba, Colômbia, Equador, Peru, México e Estados Unidos, retornando à Europa no dia 3 de agosto de 1804.
3 A inclusão da dimensão humana nas “Pinturas da Natureza” realizadas por Humboldt é fundamental, pois implica a atribuição de uma dimensão moral à paisagem. Na esteira de Winckelmann, Humboldt acreditava que as formações naturais específicas de cada região formavam também o caráter do homem que as habitava: “o conhecimento do caráter natural das diferentes partes do mundo está intimamente relacionado com a história da humanidade e de sua cultura. Pois ainda que o início dessa cultura não seja determinado unicamente por influências físicas, a direção da mesma, o caráter melancólico ou alegre dos homens depende em grande parte das condições climáticas. Quão poderosamente atuou o céu grego sobre seus habitantes!” Humboldt, Ansichten der Natur, Stuttgart: Reclam, 1992, p.75.
4 Cf Humboldt, op.cit, p.5.
5 Sobre a importância da écfrase para a construção do discurso humanista, especialmente o discurso sobre arte, nos séculos XIV e XV, ver: Michael Baxandall, Giotto and the Orators, Oxford: Oxford University Press, 1971. Sobre a tradição da écfrase desde Homero, ver: Gottfied Boehm e Helmut Pfotenhauer (org.) Beschreibungskunst – Kunstbeschreibung, Munique: Fink, 1995. Cf. ainda Marcio Seligmann-Silva, “Introdução/Intradução: Mimesis, Tradução, Enárgeia e a tradição da ut pictura poesis”, in: Lessing, Laocoonte ou sobre as Fronteiras da Pintura e da Poesia, tradução Márcio Segligmann- Silva, São Paulo: Iluminuras, 1996.
6 Para uma análise detalhada do discurso de Humboldt, situado entre ciência e arte, ver: Lúcia Ricotta, Natureza, Ciência e Estética em Alexander von Humboldt, Rio de Janeiro: Mauad, 2003.
7 Humboldt, Kosmos-Vorlesung, (Vorlesung 16) In: Projekt Gutenberg, wwwgutenberg.net.
8 “Ein sanfter Wind vom blauen Himmel weht” uma citação do poema que abre o terceiro livro do Wilhelm meisters Lehrjahre (Os anos de aprendizagem de Wilhelm Meister) Goethe, Goethe Werke, op.cit., vol.VII, p.145. Humboldt, Kosmos-Vorlesung, op.cit.
9 Adolf Meyer-Abich, “Nachwort”, in: Humboldt, Ansichten der Natur, op.cit., p.149.
10 “Dich im Unedlichen zu finden, / Musst unterscheiden und dann verbinden” Cf. Goethe, Goethe Werke, HA, München: Beck, 1989, vol.1, p. 349.
11 Sobre as relações entre arte e ciência em Goethe, ver os artigos de Werner Busch, “Die Ordnung im Flüchtigen – Wolken studien der Goethezeit” e “Der Berg als Gegenstand von Naturwissenschaft und Kunst. Zur Goethes Geologischem Begriff“, in: Sabine Schulze (org.) Goethe und die Kunst, Frankfurt e Weimar, 1994., pp. 485-570.
12 Humboldt, Ansichten der Natur, op.cit., p. 86.
13 Humboldt, Kosmos-Vorlesung, op.cit.
14 A “paisagem ideal”, uma espécie de equivalente da poesia pastoral em pintura, desejava criar uma visão idílica do mundo natural, tal como ele supostamente teria sido na Antigüidade. Já a “pintura de vista” (veduta) era concebida como um registro fiel de determinado seguimento de paisagem, sem idealização, e era praticado com freqüência entre artistas holandeses do século XVII, como Jacob van Ruisdael, ou Jan van Ostade, por exemplo.
15 Hackert nasceu em Prenslau e após um período de estudos na França, mudou-se em 1768 para Roma e em 1786 para Nápoles, onde tornou-se o primeiro pintor da corte de Ferdinando IV, Bourbon, permanecendo nesta posição até a revolução de 1799. Seus últimos anos foram passados na Toscana, onde morreu em 1807. Cf. Wolfgang Krönig e Reinhard Wegner, Jakob Philipp Hackert. Der Landschaftsmaler der Goethezeit, Colonia, Weimar e Viena: Böhlau, 1996.
16 Goethe escreveria uma biografia de Hackert em 1811, que incluiria os “Fragmentos teóricos sobre pintura de paisagem” escritos pelo próprio artista antes de sua morte em 1807. Uma tradução comentada para o Português encontra-se em: Claudia Valladão de Mattos (org.) Goethe e Hackert: Sobre a Pintura de Paisagem. Quadros da Natureza na Europa e no Brasil, São Paulo: Ateliê Editorial, no prelo.
17 Correspondências de Goethe e Alexander von Humboldt, in: www.bibliothek.bbaw.de/Goethe.
18 Sobre a relação de Goethe com os artistas românticos, ver: Frank Büttner, “Abwehr der Romantik, in: Goethe und die Kunst, op.cit., pp. 456-482.
19 Ao lado de Goethe, muitas outras personalidades da época colaboraram igualmente no projeto de Lavater, entre eles, Füssli, Herder, Lenz, Merck, Sulzer e Gessner. Sobre a relação de Goethe com Lavater, ver: Ilsebill Berta Fliedl, “Lavater, Goethe und der Versuch einer Physiognomik als Wissenschaft”, in: Goethe und die Kunst, op.cit., pp.192-203.
20 O primeiro contato de Goethe com Lavater deu-se no âmbito desse projeto. Tendo Goethe se tornado conhecido da noite para o dia com a publicação de seu primeiro romance Götz von Berlichigen em 1772, ele despertou o interesse de Lavater, que o enviou uma carta pedindo-lhe um retrato acompanhado de uma descrição. Após uma entusiasmada troca de correspondência, Lavater presta uma visita a Goethe em Frankfurt a.M. em 1774, garantindo sua colaboração no projeto do livro Physiognomische Fragmente.
21 Vale lembrar que Lavater desenvolveu seu novo método antropológico a partir das teorias de Winckelmann, especialmente de suas descrições de estátuas antigas, às quais ele faz freqüentes referências no Physiognomische Fragmente. O livro continha, por exemplo, um capítulo inteiro dedicado ao Apolo Belvedere, onde, após uma referência explícita à descrição de Winckelmann, Lavater fornecia uma análise “científica” da cabeça da estátua acompanhada da reprodução de seu contorno e a sua silhueta. Cf. H. Pfotehauer, M. Bernauer e N. Miller (org.), Frühklassizismus, Frankfurt a.M.: Deutsche Klassiker, vol2, 1995, pp.409 a 411. Sobre Lavater e Winckelmann ver ainda David Beindman, Ape to Apollo. Aestetics and the Idea of Race in the 18th Century, London: Reaktion Books, 2002, especialmente o cap.2: “The Climate of the Soul”, pp. 79-150.
22 Cf. Lavater, Physiognomischen Fragmenten, apud. Fliedl, op.cit., pp.193-94.
23 Carl Friedrich Weizsäcker, “Einige Begriffe aus Goethes Naturwissenschaft”, in: Goethe Werke, op.cit., vol. 13, pp. 539-555.
24 A viagem à Itália que Goethe realiza entre 1786-88, é considerada como um momento de virada no pensamento do poeta em direção a um certo classicismo, após seu período Sturm und Drang. Cf. Herbert von Einem, “Nachwort” in: Goethe Werke, op.cit.., vol.11.
25 Goethe, “Die Natur”, in: Goethe Werke, op.cit., vol.13, p. 48.
26 Aqui vislumbramos, portanto, a importância do método de Lavater para Goethe, pois em última análise, Lavater também acreditava poder encontrar o nexo entre caráter e fisionomia apenas na manifestação sensória do fenômeno e estava convencido, como dissemos, que veria melhor tais nexos nas silhuetas “do que através da observação da natureza que está sempre em transformação”. Cf.Lavater, op.cit.
27 Cf. Goethe, “Winckelmann und sein Jahrhundert”, in: Goethe Werke, op.cit. vol.12, p. 100.
28 Cf. Krönig e Wegner, op.cit., p. 25.
29 Usamos a palavra “ingênuo” aqui, no sentido schilleriano do termo, em que o eu poético ainda encontrar-se-ia em contato direto com o cosmos, onde a ruptura entre “eu” e “mundo” não estivesse presente. Na introdução que Goethe escreveria à sua biografia de Hackert, podemos ler, nesse sentido: “A descrição de sua vida, de onde retiramos as presentes passagens, está escrita em um estilo muito simples e sincero, especialmente a parte maior de autoria do próprio Hackert, de forma que ela lembra a todos rapidamente a ingenuidade [Naivetät] de Cellini e Winckelmann.” Cf. Goethe, citado em Krönig e Wegner, op.cit., p. 21.
30 Durante sua segunda permanência em Roma, Goethe fez a seguinte anotação em seu diário: “O Senhor Hackert me elogiou e censurou e continuou me ajudando. Ele me fez a proposta, meio brincando, meio sério, de eu ficar dezoito meses na Itália e treinar a partir de bons princípios; depois desse período ele me garantiu, eu teria prazer em meus trabalhos. Também vejo muito bem o quê e como se deve estudar para superar algumas dificuldades, sob cujo fardo ter-se-á, de outra forma, de se arrastar a vida inteira.” Cf. Goethe, “Italienische Reise”, in: Goethe Werke, op.cit., vol.11, p. 351.
31 Trata-se de referência a uma reunião de discussão sobre os desenhos realizados pelos membros do grupo, durante uma estadia em Frascati, onde Hackert aparece como experiente pintor aconselhando a todos os presentes. Cf. Goethe, Viagem à Itália (1786-1788), tradução Sérgio Tellaroli, São Paulo: Companhia das Letras, 1999, pp. 160-162.
32 Goethe, Viagem à Itália, op.cit., p.246.
33 Cf. Goethe, “Italienische Reise”, Goethe Werke, vol.11, op.cit., p. 351. Cito as passagens referentes à segunda estada de Goethe em Roma, diretamente do original, pois ela não se encontra na tradução brasileira de Tellaroli, que está incompleta.
34 Norbert Miller e Claudia Nordhoff (org.), Lehrreiche Nähe. Goethe und Hackert, Munique e Viena: Hanser, 1997, p. 43.
35 Cf. Claudia Valladão de Mattos (org.), op.cit.
36 Goethe, “Hackert Biographie”, in: Johann Wolfgang Goethe Sämtliche Werke, vol 13, Münchner Ausgabe, Munique e Viena, 1986, p. 614.
37 Humboldt, Ansichten der Natur, op.cit., 77
38 Idem, pp. 77 e 86. Desenhos de espécies individuais seguidos de outros onde tais espécies estão representadas em grupos, formando grandes massas de vegetação, podem ser encontrados com freqüência na Flora Brasiliensis de Spix e Martius.
39 Alexander von Humboldt, Kosmos, apud. Renate Löchner (org.), Artistas Alemães na América Latina (catálogo de exposição), Berlim, 1978, p. 24.
40 Goethe, “Hackert Biographie”, op.cit., p. 617.
41 Idem, p. 615.
42 Meyer-Abich define da seguinte forma o conceito de Naturgemälde em Humboldt: “Ela é nada mais nada menos do que a harmonia da Natureza física com a moral, ou, do ponto de vista moderno: a harmonia entre Natureza e História.” Humboldt, Ansichten der Natur, op.cit., p.159.
43 Herbert von Einem, “Nachwort”, in: Goethe Werke, Munique: Beck, 1989, vol.11, p.59.
44 Werner Busch, “Der berg als Gegenstand von Naturwissenschaft- und Kunst. Zur Goethes Geologischem Begriff ”, in: Sabine Schulze (org.), Goethe und die Kunst, op.cit., pp. 485-518.
45 A idéia se opõe ao princípio não-clássico da “pintura de vista” concebida como a reprodução de um segmento arbitrário da natureza. O gosto clássico de Humboldt revela-se igualmente na sua escolha de François Gerard, aluno de Jacques Louis-David, como professor de pintura, durante os anos que passou em Paris, após seu retorno da América. Cf. Löchner (org.), op.cit., p. 27.
46 Goethe, Meyer e Fernow, “Winckelmann und sein Jahrhundert”, apud. Sabine Schulze (org.), op.cit., p. 508.
47 É certo, por exemplo, que Nicolau-Antoine Taunay manteve contatos com Spix e von Martius, que chegaram em 1817 ao Brasil, como membros integrantes de uma expedição científica.
48 Em seu texto “A paisagem clássica como alegoria do poder do soberano: Hackert na corte de Nápoles e as origens da pintura de paisagem no Brasil”, Luciano Migliaccio levanta ainda a hipótese de uma segunda via de chegada do modelo de pintura de paisagem hackertiano ao Brasil. Segundo o autor, é possível que o Brasil de D. João VI tenha adotado o modelo de patronato estabelecido em Nápoles, onde Hackert trabalhava como primeiro pintor do Rei Ferdinando IV, Bourbon, através do intermédio de Carlota Joaquina e em seguida da princesa Leopoldina, ambas de origem Bourbon. Isso ajudaria a explicar não somente a adoção da paisagem clássica como modelo, mas a posição de destaque que o pintor de paisagem Nicolau-Antoine Taunay e, em seguida, seu filho Felix-Émile Taunay conquistaram no contexto das artes de nosso país. Cf. Migliaccio, in: Claudia Valladão de Mattos (org.), op.cit.
49 Cf. Graham Beal, American Beauty. Painting from the Detroit Institute of Art 1770-1920, Detroit: Scala Publishers, 2002, em especial o capítulo: “From Sea to Shining Sea: Landscape as the National School”, pp. 47-66.


Bibliografia

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*CLAUDIA VALLADÃO DE MATTOS, Doutora em História da Arte pela Universidade Livre de Berlim, foi Associate Fellow junto ao Courtauld Institute of Art de Londres e é professora do Departamento de Artes Plásticas do Instituto de Artes da Unicamp. É autora de Expressionismo e/ou Judaísmo. O Período Alemão de Lasar Segall (1906-1923) (Perspectiva, 2000), Entre Quadros e Esculturas. Wesley e os Fundadores da Escola Brasil: (Discurso Editorial, 1997), Lasar Segall, (Edusp, 1996), co-autora do volume O Brado do Ipiranga (Edusp, 1999) e organizadora de Goethe e Hackert: Sobre a Pintura de Paisagem. Quadros da Natureza na Europa e no Brasil (Ateliê Editorial, no prelo).
 
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