A P R E S E N T A Ç Ã O


Lucia Ricotta*

Editora convidada



 
Em Filosofia, Estética e Ciência nos Séculos XVIII e XIX, predomina a investigação sobre os limites e as distinções configuradas nos múltiplos tipos de relações possíveis entre esses campos. A tríade aqui destacada inclui também os fundamentos da moral e da política, constituindo um sistema de vasos comunicantes capaz de legitimar a sobriedade romântica do sujeito. O cerne de discussão deste número é o impacto que o exame crítico da razão humana por Kant tem para a geração contemporânea e posterior a ele. No entanto, o presente volume sugere, de saída, a importância que a crítica de seminal prodigalidade filosófica, histórica e estética vinda da mente iluminista como a de Shaftesbury criará para muitos dos procedimentos criativos da modernidade dos pensamentos em questão. Assim apresenta-se o ensaio de Márcio Suzuki e Luís Nascimento sobre distintos textos do filósofo, bem como a tradução de uma “Carta sobre a Arte ou a Ciência do Desenho” de 1712, feita por Pedro Paulo Pimenta.

Trata-se propriamente de encaminhar o leitor a uma configuração muito especial por que passaram esses três campos de saber, desde já o início do século XVIII. Pode-se falar do arranjo singular que vibra aí (ainda que em nuances variadas para cada um dos termos) em consonância com a busca de objetivar a autoconsciência sobre a natureza dos limites e dos esperados pontos de diálogo que a estética como crítica de arte, a filosofia como crítica ao pensamento e a ciência como processo de racionalização do mundo consignam a historiadores, filósofos, poetas, pintores, críticos, cientistas etc. Importa lembrar: neste momento, o processo histórico de autoconsciência é paradoxal e permeável a valores de outras áreas. O que nos revela que a autoreferencialidade da estética e dos conhecimentos filosófico e científico – necessária para a construção e preservação de seus âmbitos específicos – tem uma contrapartida extravasada lançando para fora de sua unidade fins e interesses essenciais à razão humana.

A reflexividade estética pelos primeiros românticos tem o seu mérito nesse contexto; pode-se entendê-la a partir do importante ensaio de Lacoue- Labarthe e Jean Luc-Nancy, “A Exigência Fragmentária” aqui traduzido por João Camillo Penna. A temática caracteriza-se em face da peculiar operação que a obra de arte instaura sobre sua criação artística e sobre o sujeito que dela e nela se investe. Dois outros artigos ligam-se ao primeiro romantismo alemão: o texto “Negatividade e Utopia em Novalis” de Vera Lins e “Friedrich Schlegel e Novalis: Poesia e Filosofia” de Márcio Seligmann-Silva, em que se avalia a teoria primeiro-romântica da poesia do ponto de vista de uma concepção romântica da própria filosofia.

Pondere-se, além disso, que ainda em “A pintura de paisagem entre arte e ciência: Goethe, Hackert, Humboldt” de Cláudia Valladão de Mattos, a participação de um modelo de uma imagem paisagística fixada pelo pintor Hackert se acusa de modo evidente nas observações de Goethe e Alexander von Humboldt sobre o ideal harmonizador entre arte e ciência. “O conceito de Interesse” por Maria Lúcia Cacciola se atém ao reexame rigoroso da interpretação que Schopenhauer faz da Crítica do juízo estético. Longe de aderir ao perspectivismo arbitrário, ela se apega à tentativa de restabelecer o compromisso equilibrado entre a estética de Shopenhauer e a de Kant.

Em “O pensamento mitopoéico” de Harold Bloom, traduzido por Suely Cavendish, seremos levados a perceber, com apreciável diferença, o interesse experimental de um Bloom de 47 anos atrás por um dos poetas do romantismo inglês. Nada menos do que Shelley, e seu poema “À Noite”. O tema de “O Homem culto do século XIX” de Pedro Caldas é o complexo conceito de Bildung. A partir da referência à obra de Droysen, apontase a necessidade de considerar o sentido trágico que permanece no fundo contraditório desse termo. E, por fim, o texto de Luiz Barros Montez, “Literatura e vida: relembrando um Goethe um tanto esquecido”, recupera um Goethe histórico como meio de acesso à noção de totalidade e aos paralelismos e/ou deformações entre o gênio de Weimar e a geração romântica alemã. Esta publicação só foi possível com o apoio da bolsa Prodoc/Capes.

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* LUCIA RICOTTA é Doutora em História pela PUC-Rio. Atualmente leciona no Departamento de Ciência da Literatura da UFRJ como bolsista Prodoc/Capes. É autora do livro Natureza, Ciência e Estética em Alexander von Humboldt (Mauad, 2003).

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