Poesia contemporânea nos Estados Unidos: comentários introdutórios sobre o New Formalism e um poema de Annie Finch.

 

Vitor Alevato do Amaral (UFRJ)

 

            O tema desta comunicação é o New Formalism (Novo Formalismo) na poesia norte-americana, movimento formado por poetas que propõem, entre outras coisas, repensar os padrões métricos da poesia em língua inglesa, testando suas possibilidades de maneira percuciente e questionando a supremacia do verso livre.

            A poesia do Modernismo em língua inglesa ergueu o verso livre como uma de suas principais bandeiras. Para apagar os vestígios do verso jâmbico (iambic line), o mais característico dessa língua, passou-se a defender o uso verso livre como caminho para a renovação, para a nova maneira de se escrever poesia. Sua primazia foi tal que essa forma acabou-se tornando quase uma regra. A literatura tem destas coisas: o que começa rompendo com modelos termina por ditá-los. Ao desmascararem essa faceta da poesia, “os novos formalistas”, como escreveu Dana Gioia, “colocaram os poetas do verso livre na irônica e inesperada posição de representantes do status quo”.[1]

            De acordo com The Norton Anthology of Modern and Contemporary Poetry, o Novo Formalismo surgiu nos anos oitenta como reação contra o que se enxergava como “a frouxidão da lírica em verso livre”, e “tem defendido um retorno ao metro e à rima, que teriam o potencial para restaurar o contrato social desgastado entre o poeta e o leitor médio”.[2] Ao lado da New Narrative (Nova Narrativa), o Novo Formalismo pode ser considerado um subgrupo da Expansive Poetry (Poesia Expansiva), cuja “ênfase no conteúdo significativo, fortes elementos dramáticos e narrativos, e uma renovação de variações das formas tradicionais, como dizem seus poetas, novamente expande o alcance da poesia a um público leitor mais vasto”.[3] Um comentário esclarecedor é o do poeta e ensaísta R. S. Gwynn, para quem o termo expansive, de Expansive Poetry “conota o desejo de abraçar um público leitor maior”. Segundo o mesmo autor, seus poetas, “retornando a uma visão mais acessível, afirmam que a existência de uma audiência é inteiramente indispensável”.[4]

            T. S. Eliot diz que a música da poesia não existe separada de seu significado[5], afirmação que encontra eco na poesia do Novo Formalismo, em que, aproveito para dizer, a forma do poema não existe por ela mesma, longe do significado do poema, mas ajuda a criá-lo. Eliot, cauteloso, escreveu, em 1942, que “nenhum verso é livre para quem quer fazer um bom trabalho”, e, ainda, que “somente um mau poeta poderia abraçar o verso livre como uma maneira de libertar-se da forma”.[6] O que ele afirma é que o termo “livre”, em “verso livre”, não significa estar o poeta livre da forma ao escrever. Eliot, no entanto, não alimenta tanto entusiasmo pelo estudo da métrica. Segundo ele, isso deve ser encarado como um “estágio preliminar, como um mapa simplificado de um território complicado”, e completa afirmando que “é somente o estudo, não da poesia, mas de poemas, que pode treinar nossos ouvidos”.

            No texto de Eliot, o estudo da métrica aparece, salvo engano, como uma ameaça à possibilidade de o leitor estabelecer intimidade com o poema concreto. Não cabe, hoje, discutir o assunto, mas, se a escansão dos versos de um poema não funcionasse apenas como um estágio preliminar (até porque não há regra que exija que a leitura de um poema comece pelo estudo de sua prosódia) e sim como um estágio sempre presente, ao qual o leitor pudesse voltar quando preciso, mais sutilezas da composição do texto do poema apareceriam, e ao estudo da métrica não caberia lugar tão secundário.

            Anthony Lombardy resume a questão numa fórmula curta e sensata, ao dizer que “não há conexão necessária entre a originalidade do verso e a liberdade métrica”, e cita como exemplo o poeta norte-americano Robert Frost (1874 - 1963), “com quem a dicção cotidiana e formas estritas andam juntas”.[7] Frost disse, numa frase bastante provocativa, que escrever em verso livre seria o mesmo que jogar tênis numa quadra sem rede. Frost é a prova cabal de como o rigor formal pode conviver com uma dicção simples. Vejamos o uso do verso jâmbico no poema “Stopping by woods on a snowy evening”, de 1923.

 

                        Stopping by woods on a snowy evening

                        Whose woods these are I think I know.

                        His house is in the village though;

                        He will not see me stopping here

                        To watch his woods fill up with snow.

 

                        My little horse must think it queer

                        To stop without a farmhouse near

                        Between the woods and frozen lake

                        The darkest evening of the year.

 

                        He gives his harness bells a shake

                        To ask if there is some mistake.

                        The only other sound's the sweep

                        Of easy wind and downy flake.

           

                        The woods are lovely, dark and deep.

                        But I have promises to keep,

                        And miles to go before I sleep,

                        And miles to go before I sleep.[8]

 

            Vale a pena demonstrar a escansão de uma estrofe:

 

                             x          /    |    x      /  |x     /   | x     /

                        Whose woods these are I think I know.

                          x       /    |x  x | x    /  |  x        /

                        His house is in the village though;

                        x      /   |  x    /  |  x     /   |  x      /

                        He will not see me stopping here

                        x       /     | x       /     |  x   /  |    x       /

                        To watch his woods fill up with snow.

 

                        Até hoje, no entanto, há poetas que escrevem de forma muito parecida com o que se fazia no século XIX. Por isso é necessário fazer uma distinção entre New Formalism e Neo-Formalism. O Neo-Formalismo se refere àqueles poetas que repetem velhas fórmulas, enquanto o Novo Formalismo representa um retorno à forma muito mais no esforço de revê-la criticamente do que de repeti-la.[9] Esse retorno é uma tentativa de repensar a forma do poema, colocando em questão mesmo a posição ocupada pelo verso jâmbico. A poeta e ensaísta Annie Finch, por exemplo, defende os non-iambic meters (metros não-jâmbicos), testando novas possibilidades para a criação poética. Para ela, a hegemonia que o verso livre exerceu durante o século XX “limpou nossos ouvidos”, de maneira que, nos últimos anos, tem sido possível questionar a má reputação que os padrões métricos da língua adquiriram, principalmente os não-jâmbicos, que foram sempre considerados artificiais.[10]

            Annie Finch costumava escrever em verso livre. Como ela mesma diz, “por ironia, alguns de meus exercícios formais eram justamente os poemas que terminariam por construir minha reputação como poeta, desde que alguns deles tornaram-se conhecidos entre os Novos Formalistas e foram posteriormente incluídos em Eve”.[11]  Eve é nome de um de seus livros de poemas, de onde tirei “Encounter”, poema que passo a mostrar:  

 

                        Encounter

                          

                        Then, in the bus where strange eyes are believed to burn

                        down into separate depths, ours mingled, lured

                        out of the crowd like wings−and as fast, as blurred.

                        We brushed past the others and rose. We had flight to learn,

                        single as wings, till we saw we could merge with a turn,

                        arching our gazing together. We formed one bird,

                        focused, attentive. Flying in silence, we heard

                        the air past our feathers, the wind through our feet, and the churn

                        of wheels in the dark. Now we have settled. We move

                        calmly, two balanced creatures. Opened child,

                        woman or man, companion with whom I’ve flown

                        through this remembering, lost, incarnate love,

                        turning away, we will land, growing more wild

                        with solitude, more alone, than we could have known.[12]

 

 

            “Encounter” é um exemplo claro de como um poema pode trazer juntos inovação e precisão formal. Assim como fez Frost em “Stopping by woods on a snowy evening”, Annie Finch demonstra imensa precisão melódica para que o padrão seguido pelos versos de seu poema,  − pentâmetros dactílicos que recebem alguns pés trocaicos com irrepreensível afinação −, entrasse em absoluta harmonia com sua dicção singular e equilibrada. Assim como no poema de Frost, em “Encounter” não há abuso da dicção poética nem inversões bruscas que causem dano ao ritmo natural da língua inglesa. Ao invés disso, encontra-se a rara beleza de seus versos, cuja forma acomoda (cria) imagens que logo dela se tornam indissociáveis. Vejamos a escansão[13] de alguns versos:

 

                        /      x  x  | /         x        x      |    /    x    x |    /     x |  /    (xx)
                    Then, in the bus where strange eyes are believed to burn
 
                          /    x x |  /  x  x   |     /        x   |   /    x    |    /   (xx)
                     down into separate depths, ours mingled, lured
 
                       /     x   x |    /       x   |    /          x   x  | /      x  |    /       (xx)
                     out of the crowd like wings − and as fast, as blurred.
                                         
                     ( x )      /         x    x  | /   x      x  |  /       x    x  |      /    x |  /    (xx)
                     We brushed past the others and rose. We had flight to learn,
 
                      /   x    x |     /       x   x |   /     x      x    |   /        x    x | /   (xx)
                     single as wings, till we saw we could merge with a turn,
 
                       /    x     x  |   /  x    x |  /   x    x   |    /         x  |  /  (xx)
                     arching our gazing together. We formed one bird,
 
                       /    x      x| /   x    |  /   x    x |  /   x     x   |   /     (xx)
                     focused, attentive. Flying in silence, we heard

 

            A respeito de “Encounter”, Annie Finch disse que “[o poema] recusou a ser terminado por uma década, até que eu finalmente reconheci que ele pedia para ser um soneto dactílico − demorou, em parte porque eu duvido que jamais tivesse visto tal coisa”.[14]

            Para concluir, o Novo Formalismo reconhece a forma como elemento indissociável do significado, não defende a forma pela forma. “Eu não costumo usar a metáfora da forma como um revestimento exterior ou adorno”, disse Annie Finch, “porque conteúdo e forma fazem parte um do outro”.[15]


 

[1] GIOIA, Dana. “Notes on the New Formalism”. In: Can poetry matter? Essays on poetry and American culture. Saint Paul: Graywolf Press, 2002, pp. 29-41.

[2] RAMAZANI, Jahan, ELLMAN, Richard and O’CLAIR, Robert. The Norton anthology of modern and contemporary poetry. New York: Norton, 2003, 2vol., vol.2, p. lxi.

[3] ALLEN, Dick. “Overcoming the tic of techniques: the emergence of Expansive poetry. Disponível em http://www.n2hos.com/acm/culttwo.html Acessado em abril de 2005.

[4] GWYNN, R.S.. “Expansive movement. Introduction to New Expansive Poetry”. Disponível em http://www.n2hos.com/acm/cult0699.html Acessado em abril de 2005.

[5] ELIOT, T. S.. “The music of poetry”. In: On poetry and poets. New York: The Noonday Press, 1966, p. 21.

[6] ELIOT, T. S.. Op. cit., p. 31.

[7] LOMBARDY, Anthony “Linguistic marking and the New Formalism”. In: The New Formalist. A journal of innovative formal poetry, Vol I, número 2. Disponível em http://www.newformalist.com/2/lom2.html Acessado em maio de 2005.

[8] RAMAZANI, Jahan, ELLMAN, Richard and O’CLAIR, Robert (org.). Ob. cit., vol. 1, p. 214.

[9] Agradeço este esclarecimento a Dick Allen.

[10] FINCH, Annie (org.). “Metrical diversity: a defense of the non-iambic meters”. In: After New Formalism: poets on form, narrative and tradition. Ashland: Story Line Press, 1999, p. 118.

[11] KIELY, Brendan e FINCH, Annie. “Pattern and poetic creativity: an interview with Annie Finch.” In: The writer’s chronicle. December 2004, volume 37, number 3. Association of Writers & Writing Programs, p. 42.

[12] FINCH, Annie. Eve. Ashland: Story Line Press, 2000, p. 52.

[13] A ajuda de Annie Finch e Natalie Gerber foi essencial para que eu chegasse ao resultado dessa escansão. 

[14] KIELY, Brendan e FINCH, Annie. Op. cit., p. 44.

[15] KIELY, Brendan e FINCH, Annie. Op. cit., p. 45.

  
 

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