A história como ficção e como arte: a possibilidade estética da identidade

 

Vitor Henriques – Bacharel em História e

Mestre em Teoria Literária , ambos pela UFRJ.

 

Resumo: O autor do trabalho traceja um outro olhar para com a teoria da história de Hayden White, assim como para os escritos de Nietzsche sobre história. Demonstrar-se-á que a noção whitiana do objeto histórico enquanto uma construção lingüística e a noção nietzschiana de uma história esteticamente construída, ao contrário do que a historiografia de uma maneira geral interpretou, nos dão margem para concebermos a idéia de que ambos fornecem espaços, e não os aniquilam, para discursos que se justifiquem a partir de filiações identitárias com o passado, porém, tais identidades são lingüisticamente forjadas (White) ou esteticamente formuladas (Nietzsche). Nota-se que partindo de White ou de Nietzsche, a fabricação de discursos identitários em relação à história é viável, mas não sua comprovação ou verificação através da mesma.

Palavras-chave: História – Estética – Identidade

 

O segredo da busca é que não se acha.

Fernando Pessoa

 

Hayden White, um teórico da história, e Nietzsche, um “filósofo da história”, definitivamente não foram compreendidos, cada um em seu século e à sua maneira, pela crítica historiográfica. A recepção de ambos foi pautada pela noção supostamente anti-histórica de seus escritos. Nosso trabalho pretende uma releitura a partir dos mesmos autores.

A recepção das preleções sobre a ficcionalidade da história realizada por Hayden White aponta para a idéia de que sua teoria coloca seriamente em xeque o discurso que, para se legitimar, parte de realidades históricas, dificultando assim as reivindicações identitárias por grupos ou movimentos sociais para com um certo passado. O mesmo pode ser dito sobre a recepção dos escritos sobre história de Nietzsche, quando este então concebe a história através de parâmetros estéticos. O que unifica tais recepções é a impossibilidade de (ou o aniquilamento para) se construir narrativas históricas a partir das concepções dos dois autores supracitados.

Nossa fala será dividida em duas partes: a primeira apresentará as idéias básicas de Hayden White, em que demonstraremos que sua noção do fato histórico como uma construção lingüística não anularia a legitimidade de discursos que reivindicassem para si algum tipo de identidade em relação ao passado. A segunda versará sobre o que Nietzsche entende por uma história esteticamente construída. Para o filósofo, ao contrário do que o senso comum acadêmico acredita, há uma objetividade no trabalho do historiador, no entanto, essa objetividade é a mesma que anima a arte clássica, logo, é uma objetividade mais artística do que científica. Ambos, a nosso ver, dariam espaço (apesar de não falarem sobre) para a fabricação (mas não sua comprovação ou verificação) de identidades para a criação de referenciais na história.

Vejamos, desta forma, o que Hayden White tenta veicular ao aproximar a narrativa do historiador à narrativa de ficção. Sua idéia básica é: os modos de construção e doação de sentido do conteúdo da narrativa na escrita da história são os mesmos da escrita literária. Para ele, o historiador cria (não acha), seleciona e dá entendimento aos seus dados assim como o romancista, com a diferença de que o primeiro pretende e exige para si critérios de verdade, já que se ocupa de eventos “reais”, enquanto o segundo, de eventos imaginados. Mesmo reconhecendo que o historiador e o ficcionista se interessem por tipos diferentes de fatos, seguindo então a distinção aristotélica entre história e poesia, no sentido de a primeira querer contar o que aconteceu, ao passo que a segunda, o que poderia ter acontecido, White defende que, além de a forma do discurso ser a mesma, ambas articulam situações humanas dentro de um mesmo corpus de interpretação e reconhecimento de que as palavras têm em nossa cultura escrita.

 

Ambos desejam oferecer uma imagem verbal da “realidade”. O romancista pode apresentar a sua noção desta realidade de maneira indireta, isto é, mediante técnicas figurativas, em vez de fazê-lo diretamente, ou seja, registrando uma série de proposições que supostamente devem corresponder detalhe por detalhe a algum domínio extratextual de ocorrências ou acontecimentos, como o historiador afirma fazer. Mas a imagem da realidade assim construída pelo romancista pretende corresponder, em seu esquema geral, a algum domínio da experiência humana que não é menos “real” do que o referido pelo historiador. (WHITE, 2001, p. 138).

 

 

Para alguns historiadores, no entanto, a vinculação proposta é muitas vezes vista como uma ameaça, já que mexe na estrutura metódica e epistemológica da disciplina. O consentimento da história como uma ficção torna-se para muitos uma tarefa incompatível, visto que questiona os critérios de verossimilhança que pautam a escrita da história, anulando aquilo mesmo que confere especificidade e identidade à disciplina enquanto uma área do conhecimento.

 

Ela[a ficção] assombra a prática historiográfica na medida em que esta, mesmo tendo abandonado a crença numa correspondência com a “realidade” objetiva, não renunciou à presunção de produzir relatos verídicos. Pois ainda que explore conscientemente as propriedades literárias da historiografia e admita de bom grado a participação do engenho ou imaginação em sua obra, a maioria dos profissionais da disciplina continua a pretender para ela o atributo de veracidade (embora não mais o estatuto de verdade): é isso o que, em última instância, especificaria a história frente à criação ficcional. (LACERDA, s/a, p. 35).

 

 

Para White, a incorporação de procedimentos literários alarga o horizonte imagético e estilístico da história. Conceber essa relação com a literatura como maléfica, no sentido de a imaginação literária anular os métodos eruditos da operação historiográfica ou a pesquisa metódica nos arquivos, é subjugar a própria capacidade de criação e conhecimento da literatura ou supor que ela não ofereça uma “investigação” sobre a experiência humana.

A teoria da literatura permitiu, segundo White, novas concepções da linguagem que problematizaram a noção da escrita da história. Tradicionalmente, os historiadores tendem a desassociar, em seus discursos, conteúdo e forma. Assim sendo, acreditam que o conteúdo factual (a realidade histórica) e conceitual se distinguem da forma lingüística de re-apresentação dos mesmos, os permitindo então conferir autonomia extra-discursiva à realidade, como se o conteúdo factual e conceitual existissem para além da forma lingüística que os apresenta (WHITE, 1994, pp. 25-27). A linguagem aqui aparece como um veículo transparente e seguro na representação da realidade. White lembra que a moderna teoria literária (leia-se estruturalismo e pós-estruturalismo) nos fornece a noção de que a linguagem é ao mesmo tempo forma e conteúdo, sendo este último não da ordem do factual, mas do lingüístico:

 

 

(...) [seria] uma pressuposição fundadora dos lingüistas, a saber, que a linguagem nunca é um conjunto de “formas” vazias esperando para serem preenchidas com um “conteúdo” factual e conceitual ou para serem conectadas a referentes pré-existenciais no mundo, mas está ela própria no mundo como uma “coisa” entre outras (...) (WHITE, 1994, p. 27).

A questão sobre a ficcionalidade da escrita da história levantada por Hayden White rendeu recentes e interessantes debates em torno das conseqüências que essa afirmativa trazia para a disciplina da história e até mesmo para a ética. Por justamente problematizar a autenticidade da disciplina enquanto fundadora de um saber verdadeiro e científico, tal noção questiona a representação dos fatos históricos e, por conseqüência, do discurso que sobrevive da busca de uma comprovação que verifique suas hipóteses ou daquele que se fundamenta a partir de contextualizações históricas.

Apesar de historiadores como Roger Chartier, que vai estabelecer um diálogo com White, reconhecer que o discurso da história é eminentemente (independente de sua forma) uma narrativa, de compreender que os historiadores usem da imaginação em sua escrita, e até de reivindicar o fim dos macro-modelos explicativos na história, o mesmo vai se colocar contra as afirmativas de White. No âmbito epistemológico, pode-se dizer que Chartier acredita no estabelecimento de conhecimentos verificáveis e controlados do passado, ainda que assumindo suas precariedades e dificuldades. A noção de verdade na história é preservada.

Para ele, White promove um relativismo absoluto que, além de por um fim na possibilidade de um conhecimento histórico, teria uma conseqüência ética perigosa: permite a proliferação de falsificações e revisionismos na história, como foi o caso de autores que alegaram a invenção do Holocausto (como uma invenção judaica e antigermânica), que as câmaras de gás nunca existiram ou que Hitler não teria matado seis milhões de judeus; estes últimos ficaram conhecidos como os “negacionistas”.

O que propriamente Chartier ressalta é que teorias relativistas como as de Hayden White, com sua noção de que não existe realidade para além da linguagem, não permitiriam a separação do verdadeiro em relação ao falso, do acontecido em relação ao não acontecido, e a realidade em relação ao discurso sobre a realidade, fornecendo, portanto, margem teórica para esse tipo perigoso de revisionismo que falsificaria a história e a memória, além então de dificultar as demandas de filiações identitárias com o passado por parte de grupos sociais, como pode ser visto com os judeus em relação ao Holocausto.

A existência da realidade histórica enquanto texto, ou sua extratextualidade, é uma das marcas da discordância entre White e Chartier. Para este último, é possível conhecermos a lógica das práticas sociais através dos discursos sobre as mesmas, como documentos e vestígios, isto é, das representações, logo, existiria uma realidade cognoscível para além destas. Ambos concordam que a história é uma representação narrativa, mas em White, o objeto só existe como texto (no sentido de só existir lingüisticamente) e não como discurso; o que é diferente, e uma diferença importante para entendê-lo, pois veicular a existência do objeto somente enquanto discurso, é acreditar, segundo White, em sua fidelidade no trato com seu referente (o objeto).

Para Chartier, o discurso não relata o que ocorreu, não relata diretamente uma prática social, mas a representa. É baseado nessa idéia que ele defende a noção de que a realidade não pode ser reduzida aos textos, daí suas criticas a Hayden White. O fato é que quando este último diz que a história só existe enquanto texto, não quer dizer que a história seja o texto, mas sim que o historiador não acha seus objetos nos documentos, mas os cria no próprio processo de sua abordagem, em que o conteúdo (os fatos) é inseparável de sua forma (a linguagem), e não existe fora dela .

White, contudo, não quer com isso proclamar o fim da história ou de suas possibilidades, mas, através da demarcação de um fundo figurativo para as escritas que se pretendem realistas, incorporar as dificuldades que perpassam tais escritas, incorporação esta que o permitirá, com um olhar por demais crítico, reivindicar para o historiador a capacidade de estabelecer sentidos na história: “o historiador contemporâneo precisa estabelecer o valor do estudo do passado, não como um fim em si, mas como um meio de fornecer perspectivas sobre o presente que contribuam para a solução dos problemas peculiares ao nosso tempo” (WHITE, 2001, p. 53). Com isso, defendemos que é possível e legítimo, a partir da teoria da história de Hayden White, concebermos a existência de vários processos de criação de identidade em relação à história, posto que existiriam vários sentidos possíveis em relação à mesma. Em última instância, as identidades e os sentidos são, assim como a história, lingüisticamente forjados.

 

*

 

A dificuldade de capturar o pensamento de Nietzsche se manifesta em virtude das várias facetas encontradas no filósofo. Se em seu primeiro livro, por exemplo, Nietzsche exalta a grandeza da embriaguez e da desmedida na arte dionisíaca, já em seu segundo, o filósofo diz que a sobriedade e a medida são premissas para a grande arte. Tal descompasso, ou riqueza do olhar, desautoriza qualquer discurso que pretenda definir o que foi de fato o pensamento nietzschiano.

Da recepção de Nietzsche na historiografia, criou-se um consenso sobre o caráter irracionalista de seus escritos, o que não é totalmente infundado. Tal consenso provavelmente se justificou a partir de frases do filósofo como: “contra o positivismo que fica preso ao fenômeno ‘só há fatos', eu diria: não, justamente fatos é o que não há, e sim interpretações”. Admitimos e incorporamos tal noção “irracionalista”, porém, vamos adiante e anunciaremos que a irracionalidade em Nietzsche “confabula” com a importância que o filósofo confere à razão e ao conhecimento do mundo. Parece que os historiadores não levaram em consideração o que Nietzsche disse nesse mesmo fragmento (após cinco linhas) em que defendera a inexistência de fatos em si mesmos: “na medida em que a palavra ‘conhecimento' ainda tem qualquer sentido, o mundo é cognoscível: mas ele é interpretável de outro modo, ele não tem nenhum sentido subjacente, porém inúmeros sentidos, ‘perspectivismo'” (NIETZSCHE, 2002 , KSA, XII, 7[60]).

Há uma virada crítica de Nietzsche sobre si mesmo a partir de “Humano, Demasiado Humano”, seu segundo livro. Diz ele um ano antes de publicá-lo: “A leitores de meus textos mais antigos quero declarar expressamente que renunciei aos pontos de vista artístico-metafísicos que dominaram aqueles no mais essencial: são agradáveis mas insustentáveis” (Apud Safranski, p.122). Esta virada é relevante para o que estamos querendo demonstrar. No entanto, faz-se necessário apontar o tipo de arte que o próprio filósofo defendia até então ao promover tal renúncia. Trata-se de uma concepção de arte dionisíaca que louvava o excesso, a ausência de regras e o culto ao gênio no processo criativo; a arte chegava a adquirir o valor de uma potência reveladora e cognoscente do mundo. Essa noção está explicitada em seu primeiro livro, “O Nascimento da Tragédia”, de 1872.

Vejamos agora o olhar que Nietzsche possui sobre a arte alguns anos após seu primeiro livro, com isso, buscaremos entender e articular o tipo de objetividade que o mesmo imagina para o historiador. Ao pensar em boa arte, Nietsche pensa agora em ponderação, equilíbrio, limite, objetividade, proporção – todos esses, atributos artísticos considerados clássicos. Ele não só ressalta, no processo criativo, o pensamento diante da emoção, como valoriza a noção de trabalho frente à inspiração e a liberdade de criação do gênio: “[...] a improvisação artística se encontra muito abaixo do pensamento artístico selecionado com seriedade e empenho. Todos os grandes [artistas] foram grandes trabalhadores, incansáveis não apenas no inventar, mas também no rejeitar, eleger, remodelar e ordenar” (NIETZSCHE, 2000, §155). Desta forma, a grande arte está ligada mais à razão do que à emoção, a beleza da segunda dependeria da atuação da primeira; a arte, portanto, é mais um trabalho racional do que um extravasamento emotivo. Nesse sentido, é perfeita a asserção de Schiller, a saber: há uma arte das paixões, mas não deveria haver uma arte apaixonada (SCHILLER, Carta XXII).

Segundo Nietzsche, a irregularidade da forma na arte romântica nos deu vantagens, como a poesia de todos os estilos e de todos os povos, porém, a mesma rejeitou a noção de medida, regularidade, simplicidade e contenção clássicas. Criticando o sentimentalismo romântico exagerado de seu tempo, Nietzsche fala da necessidade, tal como nos gregos, de uma sobriedade do sentimento: “reflexão severa, concisão, frieza, simplicidade deliberadamente levada ao extremo; em suma, restrição do sentimento e laconismo – só isso pode ajudar” (Nietzsche, 2000, §221).

Nietzsche também vislumbra uma “racionalidade” para a história, mas ela, no entanto, tem mais a ver com a arte do que com a verdade. A objetividade que Nietzsche confere ao historiador não é propriamente a objetividade imparcial tradicionalmente conferida ao cientista diante do seu objeto, mas à objetividade de um pintor e o interesse deste último em querer “revelar” e desnudar um objeto: “dever-se-ia pensar uma historiografia que não tivesse em si nenhuma gota da verdade empírica comum e que pudesse requisitar o predicado da objetividade no grau mais elevado” (NIETZSCHE, 2003, §6). Ao falar da objetividade do historiador, Nietzsche está falando de um distanciamento artístico. Todavia, a arte vive da ilusão, sabe que é ilusão. Assim Nietzsche dá entendimento à pesquisa histórica, que seria então o lugar da objetividade como um fenômeno estético do desprendimento da subjetividade, mas de um desprendimento que, nem por isso, fosse capaz de restituir a essência empírica das coisas; o lugar, portanto, da ilusão necessária, como acontece na arte e no conhecimento de uma maneira geral.

 

E mesmo uma ilusão não poderia imiscuir-se na interpretação mais elevada da palavra objetividade? Compreende-se então com esta palavra uma condição do historiador, na qual ele contempla um acontecimento em todas as motivações e conseqüências de modo tão puro que este acontecimento não produz nenhum em sua objetividade: tem-se em vista aqui aquele fenômeno estético, aquele desprendimento do interesse pessoal, com o qual o pintor diante de uma paisagem tempestuosa, sob raios e trovões ou sobre o mar revolto, olha sua imagem interior; tem-se em vista a plena imersão na coisa. Não obstante, não passa de uma superstição que uma imagem, ao mostrar as coisas em um homem afinado de uma tal maneira, restitua a essência empírica das coisas (NIETZSCHE, 2003, §6).

 

 

O artista deve se despir de sua subjetividade para a obtenção de um olhar autônomo e impessoal sobre o seu objeto. Assim, nos sugere Nietzsche, deveria ser para com o historiador, já que este também trabalha com reconstruções e deslocamentos artificiais em nome de um efeito de realidade. O isolamento de fases do passado pessoal (com o artista) ou da cultura (com o historiador), confere uma racionalidade intrínseca ao trabalho de ambos. É com essa noção que Nietzsche, no fragmento abaixo, fala da capacidade de uma certa mimese abstrata que uma arte superior pode possuir, transferindo-a para os estudos históricos, ressaltando assim o caráter artificial de composição (através do isolamento de fases) na arte e na história.

 

Um segmento de nosso Eu como objeto artístico. – É um indício de cultura superior reter conscientemente certas fases do desenvolvimento, que os homens menores vivenciam quase sem pensar e depois apagam da lousa de sua alma, e fazer delas um desenho fiel: este é o gênero mais elevado da arte pictórica, que poucos entendem. Para isto é necessário isolar essas fases artificialmente. Os estudos históricos cultivam a qualificação para essa pintura, pois sempre nos desafiam, ante um trecho da história, a vida de um povo – ou de um homem –, a imaginar um horizonte bem definido de pensamentos, uma força definida de sentimentos, o predomínio de uns, a retirada de outros.O senso histórico consiste em poder reconstruir rapidamente, nas ocasiões que se oferecem, tais sistemas de pensamento e sentimento, assim como obtemos a visão de um templo a partir de colunas e restos de paredes que ficaram de pé (NIETZSCHE, 2000, §274).

 

A objetividade que Nietzsche diz identificar no historiador não deve ser revertida para o entendimento de uma objetividade na história. A história em Nietzsche poderia ser, a nosso ver, o “espaço” onde as filiações ou identidades poderiam ser perspectivamente construídas e reivindicadas, mas nunca verificadas ou comprovadas. Com Nietzsche, podemos dizer, as identidades, assim como a história, são compostas esteticamente. Da mesma forma, para concluir, a noção whitiana de uma ficcionalidade da história, ou a existência lingüística da mesma, também não anularia a possibilidade de criação de identidades e sentidos em relação ao passado, porém, essas mesmas identidades e sentidos são lingüisticamente reais e realisticamente ficcionais. White e Nietzsche, portanto, mais afirmam do que negam as possibilidades de criações de identidade na história, sem, no entanto, discorrerem diretamente sobre o assunto. Ao falar sobre a obra de Burckhardt, White acabou dando a melhor definição que poderia ter dado sobre si mesmo e sobre Nietzsche em relação à história, ao sentido do mundo e às identidades, posto que a passagem fala ao mesmo tempo sobre a inefabilidade e necessidade da abordagem do mundo:

 

A única “verdade” que Burckhardt reconheceu foi a que aprendera de Schopenhauer – a saber, que toda tentativa de dar forma ao mundo, toda afirmação humana, estava tragicamente fadada ao fracasso, mas que a afirmação individual alcançava o seu valor quando conseguia impor ao caos do mundo uma forma transitória. (WHITE, 2001, p.57).

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

 

CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietudes . Trad. Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002.

 

LACERDA, Sonia. História, narrativa e imaginação histórica . In: Swain, T. N. (org.) História no plural. Brasília. Ed. UNB, s.n. pp.9-42.

NIETZSCHE, Friedrich. Fragmentos finais. Trad. Flávio R. Kothe. Brasília: UNB / São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2002.

_________. Humano, Demasiado Humano . Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

_________. Segunda consideração intempestiva – Da utilidade e desvantagem da história para a vida. Trad. Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003.

SAFRANSKI, Rüdiger. Nietzsche: biografia de uma tragédia . Trad. Lya Luft. São Paulo: Geração Editorial, 2001.

SCHILLER, F. A Educação Estética do Homem . Tradução: Roberto Schwarz e Márcio Suzuki. São Paulo: Iluminuras, 1990.

WHITE, Hayden. Trópicos do discurso: ensaio sobre a crítica da cultura . Trad. Alípio Correia de Franca Neto. 2.ed. São Paulo. EDUSP, 2001.

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