“AO LARGO DOS CARIOCAS”:

ARTISTAS E IDENTIDADES NO LARGO DA CARIOCA

 

Renata Franco Saavedra * ( refsaavedra@gmail.com )

Diego de Souza Cotta ** ( diegocotta@gmail.com )

 

* Graduanda de Comunicação Social (Jornalismo) pela UFRJ

Graduanda de História pela UNIRIO

Bolsista de Iniciação Científica pela UNIRIO

 

** Graduando de Comunicação Social (Jornalismo) pela UFRJ

Bolsista do Programa de Educação Tutorial da Escola de Comunicação da UFRJ

 

Resumo

 

Motivados pela complexidade das identidades urbanas que cruzam os espaços públicos da multifacetada metrópole fluminense, traçamos um(s) perfil(is) dos chamados “artistas de rua” atuantes no Largo da Carioca, importante ponto de circulação do Centro do Rio de Janeiro. O artigo é uma síntese das reflexões proporcionadas por uma análise das representações midiáticas e auto-referenciadas dos sujeitos em questão, estas obtidas através de trabalho de campo.

 

Palavras-chave: artistas de rua, identidades, antropologia urbana.

 

 

 

 

 

 

 

“Ao largo dos cariocas”:

artistas e identidades no Largo da Carioca

 

Na cidade
Ser artista
É subir na cadeira
Engolindo a peixeira
É empolgar o turista
É beber formicida
É cuspir labareda
É olhar a praça lotando
E o chapéu estufando
De tanta moeda
É cair de joelhos
É dar graças ao céu
Lá se foi o turista
O dinheiro, a peixeira
A cadeira e o chapéu

(...)

Chico Buarque, A Cidade dos Artistas .

 

 

  1. Fazendo antropologia urbana: “agora somos todos nativos”

 

Na década de 1960, Claude Lévi-Strauss perguntava-se se “a antropologia não corre o risco de tornar-se uma ciência sem objeto” (LÉVI-STRAUSS, 1962, p.21). Compartilhando da preocupação de muitos de seus contemporâneos, Lévi-Strauss encarava a crise moderna da antropologia como uma possível conseqüência do processo de extinção de nações indígenas e pela recusa de antigos povos colonizados, então independentes, a serem considerados objetos antropológicos . Como afirma José Guilherme Magnani, é o próprio autor da pergunta que a resolve:

 

Se existe (...) um certo “optimum de diversidade” em que ela [a antropologia] vê uma condição permanente do desenvolvimento da humanidade, podemos estar certos que dessemelhanças entre sociedades e grupos não desaparecerão jamais senão para se reconstituir em outros planos (...). Ora, enquanto as maneiras de ser ou de agir de certos homens forem problemas para outros homens, haverá lugar para uma reflexão sobre essas diferenças, que, de forma sempre renovada, continuará a ser o domínio da antropologia (LÉVI-STRAUSS, 1962, p.26)

 

Essa nova percepção ajudou a conformar um novo e produtivo campo: a antropologia urbana. Operando essa mudança de foco, os antropólogos deparavam-se com novos desafios, tais como o estabelecimento das categorizações que envolvem a cidade, a superação do chamado “padrão-aldeia”, a dicotomia sociedades simples versus sociedades complexas e a discussão: antropologia na cidade ou da cidade (Ver, e.g., MAGNANI, 2000)? Apesar de ainda podermos afirmar que a produção na área é recente e pouco sistematizada, destacam-se como pioneiros no campo os pesquisadores da Escola de Chicago, com intensa atividade na década de 1920. W. I. Thomas, R. E. Park, E. Burguess, dentre outros, enxergaram nas rápidas mudanças decorrentes do grande fluxo migratório para Chicago um fértil leque para discussões científicas (Ver, e.g., COULON, 1995). Em um outro ponto do planeta, estudiosos europeus como George Simmel e Max Weber lançavam à questão uma luz sociológica cuja contribuição também não pode ser ignorada (Ver, e.g., VELHO, O., 1973).

Entretanto, só podemos apontar o nascimento de uma antropologia urbana, no Brasil, na década de 1980, destacando como seu abre-alas a obra de Gilberto Velho, A Utopia Urbana (VELHO, G., 1975). Para Velho,

 

A grande cidade não é só uma agregação de tradições anteriores que vão se somando, mas ela produz diversidade e heterogeneidade através da interação entre os diferentes grupos e atores. A metrópole explicita os lados mais gerais da sociedade urbana, os múltiplos planos, o transito entre eles (VELHO, G., 1998).

 

Nesse estudo clássico, Velho legitima a cidade do Rio de Janeiro – focando especificamente o bairro de Copacabana – como cidade ideal para a busca de objetos antropológicos. Estaríamos, pois, frente a um laboratório humano riquíssimo e variado, berço e destino de idéias, práticas e discursos muitas vezes conflitantes e que não se reservam exclusivamente a espaços próprios, não se manifestam cercados por ou entre quatro paredes. Aqui, os “outros” vêm de todos os lados, cruzando-nos por essa metrópole multifacetada que se revela, a cada dia, um complexo bem mais intrigante do que a simplista e conhecida dicotomia asfalto-favela. Desde então, multiplicam-se as pesquisas sociológicas e antropológicas voltadas para o ambiente urbano, revelando um crescente aumento dos interesses e da produção de conhecimento sobre a alteridade que ocupa o mesmo espaço, atravessa as mesmas ruas, passa pelos mesmos lugares.

Partindo dessas questões e identificando-nos com esses novos interesses, selecionamos como foco de nossa análise etnográfica um espaço de todos e um grupo de ninguém: os artistas de rua do Largo da Carioca. Por ser este local um importante ponto de circulação do centro da cidade, amplo corredor por onde passam milhares de pessoas todos os dias, julgamo-lo um dos corações do Rio de Janeiro, talvez mais representativo culturalmente do que a praia de Ipanema ou o posto 9, do que a Tijuca ou Madureira, dada a diversidade dos que o cruzam (aliás, a garota de Ipanema, a classe média tijucana e os freqüentadores do famoso Mercadão também passam pelo Largo da Carioca).

Tomando o Largo da Carioca como um microcosmo da metrópole carioca, buscamos por meio de nossa escolha sócio-espacial representar a complexidade e o dinamismo com que a antropologia urbana deve lidar, deixando claro que “a cidade (...) não só admite e abriga grupos heterogêneos (seja do ponto de vista de origem étnica, procedência, linhagens, crenças, ofícios,etc.) como está fundada nessa heterogeneidade, pressupõe sua presença” (MAGNANI, 2000, p.48).

Dentro do formigueiro humano que é o local em questão, queremos saber quem são as figuras que não passam, mas permanecem ali por horas, mostrando um trabalho que a alguns diverte e a outros atrapalha, sendo motivo de parada ou de desvio. Quem são os palhaços, os cantores, os covers do Michael Jackson? De onde vieram, a que aspiram – e como?

Buscamos responder a tais questões lançando mão de uma breve pesquisa acerca da representação de tais atores na grande mídia e de entrevistas com os próprios. Assim, esperamos compreender um pouco de suas perspectivas e objetivos, ouvindo o que têm a dizer os que fazem da grande ágora de pedras portuguesas que separa a Cinelândia da Uruguaiana um espaço de trabalho e brincadeira.

 

 

2. Delimitando onde não há limites

 

Quem são os artistas de rua do Largo da Carioca? Essa questão foi, mais do que o ponto de partida de nossa pesquisa, um motivo de reflexão em si: o que estávamos chamando de artistas de rua do Largo da Carioca ? Pautando-nos por um conceito pré-fabricado, delimitávamos um grupo desconhecido – atitude compreensível, apenas se fundada em uma análise sociológica que tivesse por base a construção e divulgação de identidades sólidas, fechadas e facilmente classificáveis: os estereótipos. A proposta deu então, no melhor sentido, um passo para trás: desnaturalizando o conceito que inaugurou nossos questionamentos, passamos a questiona-lo – existem os artistas de rua do Largo da Carioca, tal como os concebemos? Queríamos saber se seria possível traçar um perfil comum aos indivíduos analisados, e descobrir em que medida poderíamos defini-los como um grupo. O significado da expressão ‘artistas de rua' ficou então “em aberto”, pois o depreenderíamos de nosso trabalho de campo.

Pensando a questão da alteridade em nosso contexto social, geralmente enxergada como um grande bloco homogêneo que nos está e é alheio – as diferenças entre o eu e o outro são claras, mas os outros não se diferenciam entre si –, nosso objetivo foi compreender a diferença para diferenciá-la das outras diferenças, para conferir-lhe uma identidade maior e mais complexa do que o simples rótulo de outro , desorganizando um pouco a “caixa de papelão” de outros do sótão da classe média contemporânea carioca.

Assim, buscamos esboçar uma análise de antropologia urbana, distanciando-nos, na medida do possível, de nossa sociedade para poder estranhá-la e, depois, compreendê-la, desmistificando a naturalização que nos é dada por esse senso comum que parece produzir categorias serialmente. O familiar – familiar por ser visto com freqüência, não familiar como objeto de reflexão –, o que se vê todos os dias, precisou tornar-se exótico para ser compreendido, ou seja, para tornar-se simples (Ver, e.g., VELHO, G., 1981). Os artistas de rua pareciam ser o objeto ideal para nosso propósito, sendo elementos que permeiam a cidade, cruzados por todos os tipos que compõem a metrópole, espalhados por diversos bairros.

Buscamos, então, saber o que era considerado artista de rua no discurso oficial representado pela mídia, e nos deparamos com uma concepção bastante restrita. Em 27 de setembro de 2005, o Diário do Comércio publicou uma reportagem sobre um projeto de lei que objetivava “ordenar as feirinhas de rua da cidade”. Segundo a reportagem,

 

O projeto de lei divide os artistas de rua (expositor, segundo termo adotado pela Prefeitura [de São Paulo]) em cinco grupos distintos: artes plásticas (desenho, pintura), artesanato (madeira, barro, metal), alimentação, antiguidades e plantas ornamentais (um exemplo são os cultivadores de bonsai). Esses profissionais seriam vinculados à Secretaria Municipal de Cultura e não mais à Secretaria de Gestão (como acontece atualmente com alguns desses artistas já cadastrados na Prefeitura).

 

Não são incluídos, portanto, cantores, palhaços, mágicos, malabaristas – enfim, performers em geral. Logo de início percebemos, então, uma hierarquização dentro do grande grupo dos que poderiam ser considerados artistas de rua. Estes, segundo a Prefeitura, interessada, a partir do projeto de lei, em “ definir novas ruas e praças destinadas aos artistas de rua”, seriam basicamente artesãos, podendo também ser encarados como comerciantes (cabe destacar que o jornal citado é o Diário do Comércio , da Associação Comercial de São Paulo).

A principal razão para procurarmos a abordagem da mídia acerca de nosso tema foi o fato de que ela, como formadora de opinião, construiu e constrói nas mentes dos espectadores/leitores um determinado imaginário coletivo sobre determinado tema. Embora nossa base de pesquisa tenha sido a internet – o que pressupõe que as matérias encontradas não foram acessadas por boa parte da população – partimos do pressuposto de que a visão encontrada é semelhante àquela vista em outras mídias como o jornal e a televisão. Cabe ressaltar que não nos restringimos a matérias sobre o Largo da Carioca – apenas uma foi encontrada tratando desse espaço –, focando-nos nos artistas de rua e suas diversas modalidades de arte em diferentes regiões do país.

A primeira matéria analisada trata da proibição da permanência de artesãos e artistas populares em uma praça de Florianópolis. Elaine Tavares, autora da matéria, defende a permanência dos artistas como uma forma de sobrevida para a “cultura” (vista como uma “área agonizante na vida da cidade”). Ela também abre espaço para o comentário de um policial sobre a manifestação realizada na praça contra a decisão da prefeita de proibir a permanência dos artistas no local: “Isso é um bando de maconheiro [sic] que não tem o que fazer” . A matéria de Tavares não apresenta uma visão dos artistas como trabalhadores – nem como vagabundos – limitando-se a considerá-los como uma esperança para a sociedade, que deve aprender a pensar mais sobre a cultura e a educação .

 

E de repente, no último dia 31 de março, a Praça XV, em Florianópolis, voltou à vida. Estava morta desde que a prefeita Ângela Amin varreu de lá os artesãos e artistas populares. Sem eles, a praça perdeu também a música, as cores, o perfume e aquela beleza da vida que se expressa fora do sistema opressor.(...)

Como essa [a cultura] é uma área agonizante na vida da cidade, as pessoas parecem supor que não é importante. Isso ficou patente no comentário de um policial militar que vigiava, de longe, a manifestação: ‘Isso é um bando de maconheiro que não tem o que fazer'. (...)

Talvez essa falta de visão mais ampliada e generosa do mundo seja justamente o resultado da falta de uma cotidiana política artística, cultural e educacional. Florianópolis ainda tem muito que aprender. Quem sabe, com os artistas na rua... Quem sabe!!!...

A matéria, na verdade, propõe-se à defesa de uma nova política de cultura e educação, contra a opressão da prefeitura. De certa forma, os artistas aparecem como pano de fundo, como vítima da situação local.

Outra matéria interessante sobre o tema trata , mais especificamente , dos grafiteiros – pintores de rua, que utilizam o spray para criar seus desenhos em muros e paredes. Alguns grafiteiros foram convidados para pintar a parede lateral do Museu de Arte Contemporânea de Niterói durante as comemorações do aniversário da instituição. Dando voz aos grafiteiros, a matéria de Leila Kiyomura Moreno mostra que eles se definem como artistas, propagadores de uma arte underground e que, com efeito, lamentam a falta de receptividade que seus trabalhos enfrentam:

 

São artistas de rua. Mas são artistas sim.(...)

- É um reconhecimento ao grafite. Está certo que a nossa arte nasceu no underground e vai continuar no underground, senão perde a graça. Mas é importante que as pessoas entendam o nosso movimento. Não queremos destruir a cidade. Nossas intervenções, muitas vezes, são para trazer cores em lugares que passam despercebidos. Ou para protestar contra o sistema. O grafite tem uma razão de ser (...) Quando começaram a pintar, os carros paravam ao redor do MAC.

- Várias pessoas perguntaram se tínhamos autorização para fazer aquilo.(...) Chamaram a nossa pintura de ‘aquilo'. Mas muita gente também parou para apreciar e elogiar. Alguns estudantes sentavam no chão para observar o nosso trabalho. (...)

É bom saber que no interior deste edifício estão os mestres Di Cavalcanti, Portinari, Tarcila, Anita Malfatti... E do lado de fora estamos nós, os grafiteiros, deixando a nossa impressão digital também. (Rafael; grafiteiro)

 

 

Assim, apesar de as matérias retratarem os artistas de rua, dificilmente os apresentam como protagonistas sociais, ou mesmo como artistas. A arte de rua é sempre uma arte underground , uma arte que precisa de ajuda, havendo uma nítida diferenciação entre artistas puros (de palco) e artistas de rua . A mídia não os percebe como artistas e sim como artistas de rua , nem encara, efetivamente, o que produzem como arte.

Além disso, deparamo-nos com uma escassa bibliografia sobre o tema – problema já apontado por outros autores que estudaram artistas de rua. Luciana Carvalho, iniciando sua dissertação de mestrado sobre os espetáculos de rua do Largo da Carioca, diz que, em sua busca por referências bibliográficas,

 

[p]rocurei avidamente nas bibliotecas da FUNARTE e do Museu do Folclore, onde imaginei que devia se concentrar o maior número de obras sobre o assunto. Sofri uma grande decepção ao constatar que não só estas eram pouquíssimas, como ainda a maioria das referências às artes de rua encontrava-se dispersa sob diferentes títulos – feiras, circos, vendedores ambulantes, entre outros. Li alguns trabalhos sobre esses assuntos, os quais, embora muito interessantes, pouco me esclareciam a respeito dos espetáculos de rua que desejava estudar. Sobre estes, tudo que pude encontrar foram alguns recortes de jornal ( CARVALHO, 1997, p.7).

 

Tal empecilho parece acentuar-se à medida que se “volta no tempo”: estudando os artistas de rua da cidade do período entre 1850 e 1900, Narciso Telles teve como obstáculo “a ausência de uma produção historiográfica e a imprecisão das fontes em relação ao termo ‘artistas'”. Telles avança, esclarecendo que

 

[a] categoria que ora chamo “artistas de rua” era vista no período em questão como “sem profissão conhecida”. Nada a estranhar, pois até hoje, quando atravessamos o Largo da Carioca, ficamos espantados com a versatilidade e a criatividade dos artistas que em suas rodas cativam a população de transeuntes (TELLES, 1999, p.1).

 

Mostra-se pertinente, nesse sentido, a citação de Margarida de Souza Neves: “Não são muitas as fontes em que o historiador encontrará com tanta transparência as sensibilidades, os sentimentos, as paixões de momento e tudo aquilo que permite identificar o rosto humano da história” (NEVES apud TELLES, 1999, p.2).

Assim, fica clara a fluidez do objeto aqui analisado: um grupo semi-reconhecido, semi-enxergado, semi-estudado, quase semi-existente. Mas e o recorte espacial? Por que os artistas de rua do Largo da Carioca? O Largo apresenta-se como cenário ideal para nosso estudo justamente porque representa um microcosmo da metrópole, da cidade lotada e diversa, de todos, cruzada por pessoas de diferentes origens e destinos. Exemplo de centro carioca de infinitas interações, clássico locus da correria diária do carioca moderno, o Largo da Carioca inspira poetas, sociólogos, músicos, camelôs, arquitetos, etc .

Por abrigar tesouros do patrimônio da cidade, por sua representatividade histórica, por sua localização estratégica, ou mesmo pela conjugação desses e de outros fatores, o Largo da Carioca consiste , hoje, em um importante espaço político, econômico e cultural. Um site de “dicas” de entretenimento assim o define: “[N]o coração do centro do Rio, uma praça ampla com circulação intensa de trabalhadores, palco de artistas populares e vendedores ambulantes com os mais peculiares espetáculos, serviços e produtos” . Na seção de “Passeios/ Comprinhas” de outro site do gênero, a descrição é semelhante:

 

Populares no Largo da Carioca e da Uruguaiana : Eles ficam principalmente no Largo da Carioca e na Uruguaiana. São ciganos, senhores que tiram a sorte em realejos, mágicos, faquires, lutadores de capoeira que fazem acrobacias e até pregadores. As rodinhas, onde se aglomeram office-boys, trabalhadores do centro e passantes, são uma animação só. O realejo aquático que diz o seu futuro, um boneco que levita e várias outras coisas bizarras são diversão garantida.

 

Abrigo de centros empresariais, de grandes edifícios comerciais, palco de manifestações políticas e protestos, o largo, aparentemente hermético e frio, desperta também sentimentos, deixa esvair por entre suas pedras portuguesas grande apelo emocional. Seu forte significado simbólico é explicitado na transcrição de um trecho de um programa de rádio da Velha Guarda, O Pessoal da Velha Guarda , quando do relançamento da música “Os Passarinhos da Carioca”, no contexto das reformas urbanas que marcaram o início do século XX:

 

Tudo isso, ouvintes, vem a propósito do seguinte fato: vai acabar o Largo da Carioca. O largo histórico do chafariz, que desapareceu já há quase 20 anos. O largo onde existiu o quartel da guarda velha. O caminho obrigatório dos boêmios e das elegantes que rumavam da zona norte para a zona sul ou vice-versa, quando ainda não existia a Avenida Central. O largo de onde saía a Rua da Vala, e onde os crentes se aglomeravam antes de subir as escadinhas do vetusto convento de Santo Antônio. Vai desaparecer o encantador refúgio dos pardais. Máquinas possantes já revolvem o asfalto, e arrancam do solo as velhas raízes daquelas árvores cuja resistência em se despregar do solo prova a obstinação da alma daqueles vegetais que sabem que têm mais direito àquela terra que é a sua terra natal, que todos esses barulhentos automóveis estrangeiros que serão de agora em diante os donos daqueles brasileiríssimos pedaços de chão. Já ninguém mais ouvirá pela tardinha o chilreio alegre dos passarinhos que se aninham pelas árvores seculares. Já ninguém mais atravessará ali receoso das encomendas que possam vir do alto e que pareciam ter preferência especial pelas roupas brancas. Vai desaparecer o Largo da Carioca. E será que nenhum dos nossos compositores não encontrará nesse fato inspiração o bastante para escrever um lamento igual ao que já mereceram a Praça Onze e a Favela? Compositores do Brasil, aí está um tema magnífico ligado a acontecimento histórico! Vai desaparecer o Largo da Carioca. Tudo isso nos faz lembrar uma célebre música. Sucesso de há vinte e tantos anos atrás, que decantava os maus modos dos passarinhos daquele largo. Foi escrito pelo Luiz Nunes Sampaio Careca, e vai aqui ser apresentada numa curiosa instrumentação de Pixinguinha em que aparecem os pipilos dos passarinhos da Carioca numa imitação perfeita de violinos, flautim e flauta. Para finalizar o arranjo, numa transição de marcha viva para lenta, marcha de rancho, em forma saudosa, fica aqui toda a intenção de despedida do Pessoal da Velha Guarda ao tradicional Largo da Carioca.

 

Largo da Carioca, o coração do Rio, já foi inclusive título de um espetáculo de luz e som exibido no próprio largo em junho de 2003, contando a história da região. O vice-presidente do BNDES, instituição patrocinadora do evento, acredita que “[o] largo é a essência do Rio e da história do Brasil. Estamos prestando uma homenagem à cidade” .

A partir da delimitação do objeto, buscamos verificar em que medida poder-se-ia definir os “artistas de rua do Largo da Carioca” como grupo auto-reconhecido, identificando as categorias utilizadas pelos nativos para se definirem em relação às suas próprias atividades. Além disso, outro objetivo foi compreender a dinâmica do espaço enquanto local de trabalho dos nativos, já tendo explicitado a inquestionável importância cultural do lugar e seu forte significado para indivíduos tão diferentes.

 

 

3. Indo ao Largo da Carioca

 

Dando prosseguimento ao nosso projeto, precisávamos planejar nosso trabalho de campo. Nesse planejamento da abordagem, nos deparamos com algumas dúvidas e questões cujo relato é de extrema relevância, de forma a dissecar melhor nossa breve etnografia.

Tendo em vista que mesmo a observação não se dissocia de um processo de interação, nossa preocupação foi estabelecer que orientação daríamos a essa interação – sabendo, no entanto, que não poderíamos controlá-la. Seríamos intrusos ali, mas que tipo de intrusos queríamos ser? Qual seria nosso papel? Primeiramente, deve-se destacar que os artistas do largo estão “acostumados” com a mídia – se não são sempre abordados, pelo menos costumam dividir espaço físico com ela. Em duas de nossas três visitas , havia emissoras realizando filmagens no local, o que parece acontecer com freqüência. De que forma essa familiaridade com “intrusos” afetaria nosso trabalho de campo? Significaria que a violação daquele grupo – todo trabalho de campo é uma espécie de violação do objeto – seria mais “leve”?

Outra questão que nos afligiu foi em relação aos nossos trajes: a forma como estaríamos vestidos seria elemento fundamental na elaboração da imagem que eles fariam de nós. Portanto, deveríamos estar atento a tudo: roupas, utensílios de pesquisa, forma de falar – mas, para isso, era preciso definir o que queríamos representar para eles. Nosso objetivo era significar uma espécie de “conhecido importante”: conseguir sua atenção, sem inibi-los. Não podíamos perder de vista que o largo era, provavelmente (e seguramente, como vimos nas entrevistas), o local de trabalho daquelas pessoas, sendo, portanto, perfeitamente plausível que não conseguíssemos sua atenção e tempo. Como estudantes, conseguiríamos essa atenção?

Cabia também uma reflexão quanto ao papel da câmera no trabalho de campo. Com ela, certamente receberíamos atenção dos artistas e de quem mais passasse por lá – sabe-se do poder de atração de uma câmera em uma praça pública –, mas corríamos o risco de distorcer seus discursos, estimulando uma divulgação deles próprios, obtendo uma fala “para passar na TV”, e não uma fala espontânea, como o que desejávamos. Além disso, assemelhando-nos a jornalistas, poderíamos também encarnar o papel de “porta-vozes”, de “salvadores” dos entrevistados – é comum que se encare o “aparecer na TV” como uma oportunidade de fazer denúncias ou reclamações .

Tendo refletido acerca de tais questões, julgamos que a melhor opção seria apresentar claramente nosso perfil de estudantes, e levar a câmera, que nos conferiria – num ambiente de anonimato sufocado pelo desejo dos 15 minutos de fama – legitimidade. Entretanto, baseávamo-nos em conjecturas: como realmente seríamos recebidos, só a experiência de campo nos diria.

Durante nosso trabalho de campo, tivemos a preocupação de não impor o conceito de “artista de rua” a nenhum dos entrevistados, pois nosso objetivo era justamente saber se eles se viam como artistas, se julgavam fazer arte - sem induzi-los. Fomos positivamente surpreendidos com as entrevistas e performances, percebendo rapidamente que, sem necessidade de pressão, termos como arte, trabalho, talento, dom, respeito , etc., brotavam em seus discursos - dirigidos exclusivamente a nós ou a todo o público -, enriquecendo imensamente nossa pesquisa.

 

4. Nos Largos da Carioca

 

- Auto-definição

 

Nossos entrevistados foram: Gilvan Xavier (entalhador); Carlos Evanney (cantor e cover do Roberto Carlos); Liberdade, Gato Pardo e José (humoristas); Boquinha (palhaço); Michael e Manú (dançarinos e humoristas). Indo a campo, tivemos momentos tão divertidos – Manú imita a atriz Dercy Gonçalves brilhantemente – quanto esclarecedores. Confirmamos o Largo da Carioca como espaço de expressão artística: a arte se destaca em todos os discursos analisados, encarada como habilidade inata, como elemento “óbvio” no campo de possibilidades dos entrevistados. Gilvan Xavier, por exemplo, paraense, deve sua vinda para o Rio de Janeiro ao seu “dom de desenhar”, uma “habilidade de sangue” comum em sua família. Manú e Michael contaram ter aprendido sozinhos os passos de dança executados ao anoitecer no Largo, quando eram mais novos. Destacando seus 25 anos de carreira, 17 discos gravados e registro na União Brasileira de Compositores - “A mesma carteira que o ‘Rei' tem, eu tenho. Lá, somos iguais!” -, Carlos Evanney se diz cantor profissional. Os artistas – e agora assim os categorizamos sem peso na consciência – vêem a própria arte como trabalho , mas não como um trabalho qualquer, executável por qualquer um. A arte que produzem é exclusiva. Assim, percebe-se que o trabalho visto pelo senso comum como um sacrifício, uma espécie de castigo, é apresentado por seus autores sobretudo como um privilégio.

 

- Horizonte profissional

 

Além desse destaque da arte no campo de possibilidades dos entrevistados, observamos também uma variação do nível de prazer e satisfação com o trabalho no Largo. Gilvan e Carlos encaram a rua como uma etapa em suas carreiras, precedendo uma fase de maior sucesso – Gilvan espera conquistar clientes, Carlos pretende entrar em turnê, comprando um carro para divulgar seus discos por outros estados. Já o palhaço Boquinha explicita sua insatisfação com o trabalho naquele espaço: desanimado, ele não fazia “palhaçada”, chamava a atenção do público apenas por suas vestes e por jogar para cima uns aviõezinhos que vendia. Boquinha lamenta, sendo um palhaço profissional, não estar trabalhando em circo e diz que é difícil ser contratado e sobreviver como palhaço, principalmente no Rio de Janeiro, “onde a cultura de palhaço é muito fraca”. Já Manú trabalha como professor em uma companhia de dança, já tendo feito turnê pela Europa, mas vê o Largo como um grande palco, uma “vitrine monstruosa” para seu trabalho.

 

- Relacionamento com o local de trabalho

 

Enquanto a rua aparece em alguns discursos como elemento negativo, depreciativo do trabalho – Carlos enfatizou não ser um artista de rua, mas um artista que está na rua devido à injusta seleção feita pela mídia –, transforma-se em elemento valorativo em outros casos. Arrecadando contribuições durante seu espetáculo, Manú diz ao público que “não custa nada dar um real”, porque “tem gente que vai ao teatro, paga 30 reais, vê um cara correndo pelado, não entende nada e fala que é arte”. Ele continua dizendo que arte de verdade é o que eles fazem, indo para a rua, divertindo os transeuntes, gerando alegria a partir de poucos recursos. Assim, o diferente encaramento da rua como locus de trabalho explicita que o projeto coletivo em questão não é vivido de modo homogêneo.

Sobre o significado da rua – no caso, do Largo –, para os entrevistados, notamos também a sua negação como espaço de maior liberdade artística. O fato de ser um espaço público não garante criação ilimitada por parte dos artistas – na verdade, as regras são muitas e a rua pode ser tão hierarquizada quanto o palco. O espaço público esconde uma série de burocracias a serem resolvidas: é preciso ter concessão da prefeitura para expor um trabalho em espaço público, e, para isso, é preciso ter muito “jogo de cintura”, inclusive para contornar a polícia, evitando conflitos. Além disso, é preciso muita criatividade e improviso, porque os artistas não contam com os aparatos técnicos presentes no palco e com a assistência de um diretor.

Carlos Evanney, assim como os outros artistas, teve algumas desavenças com os agentes de fiscalização da Prefeitura e, por este motivo, não ficava apenas no Largo da Carioca, deslocando-se esporadicamente para outros pontos do Centro da cidade: Cinelândia, Uruguaiana, etc. O primeiro ano de sua atuação na rua – há quatro anos o cantor desenvolve este trabalho – foi marcado por intensos problemas com os guardas da Prefeitura, que apreendiam seus discos e o expulsavam de seu ponto de venda. Evanney diz possuir licença para divulgar seus discos no Largo da Carioca e lembra: “Venci eles [ sic ] pelo cansaço!”. Gilvan também relatou experiências com o “rapa”, mas mostrou-se combativo e perseverante: “Podem levar [os trabalhos] que eu vou fazer mais, vou minar o Rio de Janeiro com isso. Eles podem carregar meu trabalho, mas a arte é minha, não vou perder isso, ninguém vai tirar meu dom!”.

Além das burocracias que envolvem o artista de rua, existem também as regras locais, entre os próprios. Todos destacam a necessidade de respeito ao trabalho do outro, separando claramente e tacitamente o espaço de cada um. Destaca-se, nesse sentido, o incômodo de José Antônio com vendedores de cartões de crédito que abordavam pessoas no aglomerado em torno de sua perfomance: “Vem beber na minha roda? Não vou trabalhar para vocês!”. Ele diz, ironizando, que emprestaria sua cobra de borracha (instrumento usado em seus truques) para que os “parasitas” depois juntassem suas próprias rodas.

 

 

 

5. Artistas sim, de rua não

 

Nossa pesquisa explicita a pluralidade da sociedade moderna e a expressão dos campos de possibilidades que nela se apresentam, onde os projetos figuram a capacidade das pessoas optarem por determinadas trajetórias. Dessa forma, indivíduos e cidade interagem: com base no campo de possibilidades , os indivíduos criam projetos , sendo que quanto maior for a diversidade de códigos, valores , etc , no campo, maior será o número de opções a serem feitas, logo maior a probabilidade de mudança – o que justamente caracteriza as metrópoles, com grande convergência de diferenças e um maior leque de escolhas, logo, mais ação individual. Como já foi dito, o projeto coletivo em pauta (ser artista de rua) não é vivido de modo totalmente homogêneo pelos indivíduos que o compartilham. Há diferenças de interpretação devido a particularidades de status e trajetória (VER, e.g., VELHO, G., 1981). Confirma-se com isso que “os indivíduos vivem em diversos planos simultaneamente. Varia o grau de adesão , commitment , comprometimento” (VELHO, G., 1981, p.26).

 

As trajetórias dos indivíduos ganham consistência a partir do delineamento mais ou menos elaborado de projetos com objetivos específicos. A viabilidade de suas realizações vai depender do jogo e interação com outros projetos individuais ou coletivos, da natureza e da dinâmica do campo de possibilidades (VELHO, G., 1994, p.47) .

 

Portanto, vimos que, enquanto há um consenso por parte dos entrevistados em relação à concepção de arte, o mesmo não se dá frente à rua. Dadas as variações de significado desta, não há qualquer sentimento de pertencimento em relação ao Largo da Carioca: o “nós” do cantor refere-se aos cantores, o “nós” do entalhador, aos entalhadores, nenhum deles considera-se, então, ‘artista do Largo da Carioca'. Dessa forma, evidencia-se a insuficiência da categoria de que partimos na representação dos indivíduos estudados, em vista de suas fortes diferenças em termos de trajetória, ethos e perspectivas.

Em meio a um ritual análogo à incorporação do “preto-velho” analisada por Velho (VELHO, 1994), por ser “improvisado mas não desorganizado” e congregar diferentes trajetórias e interesses, entramos em contato com alguns dos vários Largos da Carioca que se misturam no espaço estudado.

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

CARVALHO, Luciana Gonçalves de. Os Espetáculos de Rua do Largo da Carioca . Rio de Janeiro, IFCS/UFRJ, 1997.

COULON, Alain. A escola de Chicago . Campinas: Papirus, 1995.

GEERTZ, Clifford. Os usos da diversidade. In Horizontes Antropológicos . Porto Alegre, ano 5, n.10, p. 13-34, maio de 1999.

LÉVI-STRAUSS, Claude. “A Crise Moderna da Antropologia”. Revista de Antropologia , São Paulo, 10:1-2, 1962.

MAGNANI, José Guilherme C. Quando o campo é a cidade: fazendo antropologia na metrópole. In: Na Metrópole : textos de antropologia urbana. São Paulo: EDUSP: FAPESP, 2000.

SEEGER, Anthony. Os índios e nós . Rio de Janeiro: Campus, 1980.

TELLES, Narciso. Rastreando indícios : os artistas de rua da cidade do Rio de Janeiro (1850-1900). Revista Odisseo, CFCH, n. 20/21, janeiro/ dezembro de 1999.

VELHO, Gilberto. A Utopia Urbana . Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1975.

_____________. Individualismo e cultura: Notas para uma Antropologia da Sociedade Contemporânea . Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

_____________. Projeto e metamorfose : Antropologia das Sociedades Complexas. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.

_____________. Entrevista à revista Humanas, em outubro de 1998, disponível em http://www.ifcs.ufrj.br/~humanas/0032.htm . Acesso em 01/11/06.

VELHO, Otávio Guilherme (org.). O Fenômeno Urbano . Rio de Janeiro: Zahar editores, 1973.

http:// www.dcomercio .com.br/especiais/camara/2709_02.html//

http://www.sintufsc.ufsc.br/noticias_2006/0406_artistas.htm

http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2003/jusp639/pag16.htm

http://www.centrodacidade.com.br/acontece/vs_largocarioca.htm

http://www.rioon.com/bairroseatrativos/largo_carioca.htm

http://daniellathompson.com/Texts/Pessoal/Pessoal.htm

http://veja.abril.com.br/vejarj/110603/cidade.html

 

Sobre essa recusa, Lévi-Strauss diz que “temem eles [os antigos povos colonizados] que sob a cobertura de uma visão antropológica da história humana há uma tentativa de fazer passar por aceitável uma diversidade desejável, o que lhes parece uma insuportável desigualdade . (...) Pois desde que lhes atribuíssemos este papel [de “selvagens”], não teriam eles para nós outra realidade que a de objetos – quer de estudo científico, quer de dominação política e econômica”. LÉVI-STRAUSS. Idem, p.25.

Reportagem de Ivan Ventura, disponível em http:// www.dcomercio.com.br/especiais/camara/2709_02.html //. Acesso em 19/10/06.

TAVARES, Elaine. “ Artistas de Floripa protestam contra o descaso na cultura”. Disponível em http://www.sintufsc.ufsc.br/noticias_2006/0406_artistas.htm . Acesso em 19/10/06.

MORENO,Leila Kiyomura. “No MAC, é proibido proibir”. Disponível em http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2003/jusp639/pag16.htm . Acesso em 19/10/06.

 

http://www.rioon.com/bairroseatrativos/largo_carioca.htm . Acesso em 06/11/06.

http://www2.uol.com.br/02neuronio/onde_rj_pass.htm . Acesso em 06/11/06.

Transcrições dos programas de rádio do Almirante, do Pessoal da Velha Guarda,
feitas por Alexandre Dias e disponíveis em http://daniellathompson.com/Texts/Pessoal/Pessoal.htm .

Ver a reportagem inteira em http://veja.abril.com.br/vejarj/110603/cidade.html .

Quanto ao papel da câmera como legitimadora, é relevante o relato de um episódio ocorrido no largo em nossa primeira visita. Havia algumas pessoas ao redor da cabine da guarda municipal que fica no centro do largo, atraídas pelo “escândalo” de um homem que dizia aos brados, de dentro da cabine, que os guardas queriam agredi-lo. Logo que uma câmera aproximou-se da cena (não a nossa, pois nesse dia estávamos sem câmera), a aglomeração aumentou significativamente, refletindo a autenticidade conferida pela câmera/ mídia ao ocorrido. Após a balbúrdia, conversando com o câmera, da emissora Globo, soubemos que sua equipe estava ali para filmar outra coisa, entrevistando os passantes do largo, mas que foram chamados a gravar a confusão pelas próprias pessoas que encontravam-se no local (“Filma ali, olha o cara!”). O próprio câmera reconheceu a irrelevância do episódio.

Outro episódio ilustra bem essa questão: logo depois de termos terminado uma das entrevistas, fomos abordados por um homem, que se apresentou como artista, dando-nos inclusive um cartão seu, que argumentava que o que havia sido dito pelo nosso último entrevistado (e cabe dizer que ele não ouviu a entrevista) era mentira. Ele dizia que os artistas dali que diziam ter licença da Prefeitura estariam mentindo, pois ele teria tentado obtê-la e recebido a resposta de que tais licenças não poderiam ser emitidas. O homem ofereceu-nos também um CD seu, no entanto, logo que explicamos que éramos estudantes, não jornalistas, ele pegou o CD de volta e nos deu as costas.

Carlos Evanney caracterizou nossa entrevista também como trabalho. Enquanto outras pessoas o abordavam, ele pedia para não ser interrompido, pois estava trabalhando.

 

[VOLTAR]