A cor do meu silêncio: ebano em lilás

 

Pedro Vitor Guimarães Rodrigues Vieira

Bacharelando em Dança

Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

Resumo:

 

Este trabalho propõe uma reflexão sobre a interação da linguagem da dança e o pensamento sobre corpo que esta enaltece, com a investigação da memória corporal sem três aspectos: O vazio, o silêncio e a poética gestual.

Trata-se do corpo como morada, caminho e veiculo de comunicação entre a dança e as questões relevantes a seus pares; dança como possibilidade de experimentar as sensações trazidas pelo esgotamento do corpo que ao se esconder de si mesmo, encontra-se com seus próprios mitos silenciados, pois quando o corpo habita o silêncio, o gesto se torna essência ontológica ao desvelar a dança como substância poética da linguagem do indizível.

 

Existe algo além da superfície... Algum lugar entre o coração e nossa miscigenação, que nossas histórias não garantem revelação, mas que a poesia e a subjetividade permitem ao menos uma porta entreaberta para argumentos e experimentações – o risco – suficiente para criação.

Com isso, pretende-se pesquisar estudar e refletir sobre a elaboração coreográfica e suas contribuições para a discussão a cerca do argumento de que o corpo-dança é em si movimento e pensamento, linguagem do indizível.

 

Palavras-chave: Dança, linguagem e silêncio.

 

Introdução:

 

Quando o corpo habita o silêncio, o gesto se torna essência ontológica ao desvendar a dança como substância poética da linguagem do indizível e mesmo este é capaz de refugiar e revelar suas substâncias mais orgânicas e deformar sua natureza efêmera a fim de sensibilizar as questões do próprio ser em plenitude.

Assim, ébano em lilás é um ensaio coreográfico que vem sendo experimentado em diversos espaços, trazendo uma abordagem diversificada para a construção da cena e a reflexão prático-teórica sobre esta metodologia criativa que parte da realidade que o corpo é buscando sua manifestação mais poética e verdadeira, de modo a trabalhar com as questões pertinentes a este conflito.

Mítico e poético, corpo manifesto pela linguagem da dança, esta coreografia apresenta uma investigação da corporeidade do próprio intérprete, o lugar de onde vem e para onde partem as pesquisas de movimento cenicamente reverberados e procura enaltecer os simbolismos e as marcas que identificam a personalidade do próprio interprete em sua obra.

Hoje, esta obra aponta para linhas de pesquisa e desenvolvimento que visam estudar a capacidade do artista comunicar-se com o espectador através do simbolismo dos gestos, a qualidade expressiva de movimento caracterizada pela deformação, a ativação do sistema nervoso e demais sistemas orgânicos de modo a fortalecer fisiológica e psicologicamente o corpo na melhora da performance e as transformações desse corpo no espaço através de uma pesquisa de movimento que parte do esgotamento físico – um direcionamento específico dentro dos estudos do teatro físico vistos em Artaud.

Assim, esta é uma obra que não visa finitude, pois é tão mutável quanto o tempo no qual é inserida e tão efêmera quanto a própria sociedade contemporânea, e por isso, mostra-se como uma metodologia diferenciada de trabalho que ainda possibilita que tanto artistas, não só de dança, quanto os não artistas, inebriem-se pelas questões que são próprias do universo que cada corpo é.

Segundo Fischer (1987)

 

“A medida que a vida do homem se torna mais complexa e mecanizada, mais dividida em interesses e classes, mais “independente” da vida dos outros homens e portanto esquecida do espírito coletivo que completa uns homens nos outros, a função da arte é refundir esse homem, torna-lo de novo são e incita-lo à permanente escalada de sim mesmo”. (p. 18)

 

Segundo Stuart Hall (2005), nossa identidade contemporânea se inicia na memória que o seu corpo é, mas não o é sozinho... Somos todos parte de um todo e o todo em suas partes... Uma individualidade socializada. Todos nós, seres contemporâneos, buscamos a afirmação de uma identidade mais própria em meio ao caos urbano e complexidade de relações, além de atentar para uma maneira significativa de contribuir com a eclosão da arte como metodologia para uma transformação e caminho da vivacidade existencial humana.

Assim, entendo a Dança como una em sua essência e diversa nas suas emanências, e que nesta diversidade contemporaneamente compartilhada, entendo meu lugar como o Silêncio , pois este é o meu lugar de escuta, de vazio, de originalidade e de sonhos. É também um Estado de cena, de permissividade e proibição.

Na metaxologia é um lugar do entre; que para Artaud gera a travessia do humano à serpente... É o meu espaço poético de fuga, onde me desvelo e desarmo. Segundo Yalom (2005)

“(...)escondemos nosso verdadeiro eu por existirem tantos aspectos desprezíveis em nós. Depois nos odiamos ainda mais por nos vermos isolados das outras pessoas e para romper com esse ciclo vicioso, precisamos aprender a nos revelar para os outros. Então quando o corpo habita o silêncio, o gesto se torna essência ontológica ao desvelar a dança como substância poética da linguagem do indizível”. (p. 235)

Por isso, encontro neste silêncio uma razão para argumentar com esse complexo de relações e buscar nas significações populares do meu corpo, os motivos para apurar a dança que vem da terra, que vem dos mitos de muito antes, trazidos por ancestrais e até hoje afirmados no olhar dos brincantes, nos terreiros, nas rodas de jongo, de capoeira e no baque virado do maracatu, dançado pela dama do paço que carrega a calunga, mais um símbolo da gestualidade que a história jamais enterrou. Este mesmo silêncio é, antes de tudo, o meu eterno vazio de lugar nenhum ; algo que habito, que desejo e que busco incessantemente a fim de satisfazer a poesia que me toma e transborda.

Esta é minha serpente indomada, que surge, inaugura e não cessa... Substância do indizível. Manifestação popular da fala brincante, do corpo dançante. Inesgotável... Linguagem do povo, do corpo e do gesto. Este é o lugar da linguagem do indizível; um lugar de silêncio e de manifestação; estado entre o real e o virtual, lugar de vazio que não é ausência, é germe potencializador, o húmus que antecede a vida. É neste lugar que segundo Heller (2005) “nenhum som teme o silêncio que o extingue, pois não há silêncio que não esteja grávido de sons”, ou seja, validando o pensamento de que o silêncio enquanto estado de vazio não requer o nada, mas sim, o por vir anteriormente citado. (p. 68)

Meu silêncio tem cor, tem forma, é gesto e poesia; é pré-expressivo - um estado a ser atingido antes mesmo de começar. É lilás como minha dança, é quente como meu suor. É inesgotável! Meu silêncio me guarda e me obriga a gritar, não tem pena de mim. Faz da superfície da pele algo tão alienante que é preciso arrancar e começar a escrever uma história com sangue, pois a melhor verdade é a verdade sangrenta, segundo Yalom (2005) quando enaltece que “Assim como ossos, carne, intestinos e vasos sanguíneos estão encerrados em uma pele torna a visão do homem suportável, também as agitações e paixões da alma estão envolvidas pela vaidade; ela é a pele da alma”.

Tenho medo do silêncio...

É minha maneira de mostrar minhas ontologias poéticas. Sou eu! A máscara se torna insólita e provoca o caos e o medo de enfrentar a serpente que, na verdade, não é alheia, não acorda como sugere minha perspicaz consciência, mas é algo que sou. Essa consciência, segundo os românticos Nietzsche (2000), e antes dele Schoppenhauer, é apenas uma “película translúcida que cobre a existência: o olho treinando, enxerga através dela, vislumbrando formas primitivas, instinto, o verdadeiro motor de vontade de poder. (...)Acredito então que os medos não brotam das trevas, pelo contrário, são como estrelas, estão sempre ali, mas obscurecidos pelo clarão da luz do dia”. (p. 127)

Portanto, o silêncio é a câmara mais interna que desejo penetrar; lugar onde nenhum homem jamais estivera e como as imagens dos sonhos não morrem, é um lugar onde perduraria pra sempre. Esta é a Cor do meu silêncio que torna a dança capaz de transformar qualquer movimento do corpo em arte, ou seja, meu silêncio é minha dança, ela é, e não cessa!

 

Ébano em lilás – corpo-pensamento e linguagem:

 

“(...) Começamos juntos a caminhar e desvendar os mistérios dos novos pontos demarcados no novo ambiente. Caminhamos com um olhar mais dinâmico, de reconhecimento, natural e próprio de quem busca uma afinidade com o local desconhecido. Assim, aos poucos partimos para a busca de um ponto mágico, aquele que por fim acaba nos convidando a ocupa-lo; aquele que nos chama no meio da cena e se evidencia, como se fosse um ponto lilás, no meio do vácuo. Lilás, pois é a cor da Dança: é a sensação como um convite à dança. Depois de ter sido escolhido e escolher este ponto asseguro-me de que estou pronto para me permitir, para me doar à cena e estar sujeito aos prazeres da criação e ser tomado pela dança que brota do âmago do meu ser. (...)”.

 

Ébano em Lilás, não foi uma experiência nova, apesar de ser sempre uma nova experiência no momento em que me permito viver meus segredos a cada instante. Não foi nova, pois parti de uma idéia já firmada no meu pensamento, que nunca antes carregada de signos e sensações como agora. Ébano por se tratar de mim mesmo com toda raiva e orgulho de ser negro, em Lilás, pois foi a cor na qual se aprofundaram meus desejos e que constituía o lugar do meu sonho.

Ébano em lilás é uma metáfora para abrigar aquilo que eu sou, não só enquanto danço, mas uma filosofia de vida; um pensamento que em dança é vivificado no espaço de manifestação do silêncio, que não é ausência de som, mas um estado a ser buscado para que se calem as tagarelices e os dizeres impuros de movimento para que do meio do caos se possa identificar aquilo que minha dança e meu corpo pedem de mais essencial. É como se buscasse não mais domar as bestas que tentam sair e se proliferar pelo seu corpo, pois elas também o são e censurá-las é privar os outros de ver quem você é.

Assim, segundo Curt Sachs In Langer (1980)

 

“(...)a Dança é a ilusão de poderes humanos. Representação vívida de um mundo visto e imaginado (...) é a percepção moldada pela imaginação que nos dá o mundo externo que conhecemos e é a continuidade do pensamento que sistematiza nossas reações emocionais em atitudes (...)”.(p. 143)

 

Vieira (2006) diz que “Só a dança preenche os espaços vazios trazidos pela intotalidade das palavras e provocadas pelo abismo que é as sensações do corpo meu”. Então, chego a um lugar desconfortável, onde me deparo com muitas possibilidades e ao mesmo tempo com minhas couraças e desafinidades, com meus medos e meus segredos, com minhas palavras não ditas e com meu vocabulário de movimentos ocultos.

Personalidade aquela que vive atravancada pelas máscaras sociais, que vive a espreita de um bom momento para se libertar e que não precisa de motivos para se desprender das minhas correntes internas, mas que precisa da minha coragem para se propagar.

Nunca antes cheguei tão profundamente num lugar tão distante. Acredito que nunca estive tão próximo das minhas questões. Atingi a tênue linha sinuosa que acomete meu coração e este se põe a palpitar como se implorasse por um grito de alívio e magnitude. Segundo Fischer (1987):

 

“A relação do homem com a arte é muito mais profunda, pois este é um caminho usado para se chegar à plenitude – algo quase a nível inconsciente – o homem quer ser mais do que ele mesmo. Busca plenitude na direção da qual se orienta quando anseia um mundo mais compreensível e mais justo, um mundo que tenha significação”.(p. 20)

 

Foi a partir daí que assumi o compromisso de não mais me privar de gesto algum, pois senão para o mundo, para o silêncio, para quem é minha dança? A minha questão/mensagem é um dos meus compromissos; o desenvolvimento do meu corpo é uma das minhas ansiedades. Ainda em Fischer (1987)

 

“(...) para ser artista é necessário dominar, controlar e transformar a experiência em memória, a memória em expressão e a matéria em forma. Emoção não é tudo. É preciso saber trata-la, transmiti-la, conhecer técnicas, recursos, formas e convenções com as quais dominar a natureza da arte, provoca-la, e sujeitar-se nela”.(p. 14)

 

Viver de devaneios, surtos e de linguagem é o meu bem mais precioso, para nunca esquecer quem sou. Posso ser louco, mas não o sou sozinho e não vou me culpar por isso. Sou louco sim, mas eu existo por isso, pelo valor intrínseco da arte e pela dor da consciência e da memória, pois se eu realmente soubesse o que as coisas significam, para mim, eu não teria a necessidade de dançá-las (trocadilho com as palavras de Duncan).

Neste sentido, se viver de não arte é ser normal, serei sempre um marginal ignorante, mas tenho certeza de que não estarei sozinho! Perceba aqui que há um duelo travado entre uma projeção imperfeita da minha imagem – como uma projeção através do espelho – , sendo que o espelho está longe de ser meu reflexo, pois não sou nada daquilo que ele me mostra. Somos muito além... Somos algo além da simples existência, pois esta é uma das funções da arte, além de tentar restabelecer a comunicação entre os que se perderam no caminho da busca de si mesmo e com o cosmos do universo. Na arte, o homem encontra a possibilidade de relacionar-se com algo que vá além dos traços de sua personalidade, algo além do “EU”, algo que sendo exterior a ele mesmo não deixe de ser-lhe essencial.

Para que este pensamento trabalhado, experimentado e assegurado de uma experimentação real, corporal, estabeleça o entrelace proposto por esta investigação, é necessário que esteja claro que a linguagem da dança por si só é o instrumento de produção de conhecimento. Segundo Langer (1980)

 

“(...) todas as espécies de práticas e formas de dança intrigantes, origens, conexões com outras artes e relações com a religião e mágica, tornam-se claras no momento em que se concebe a dança como sendo nem arte plástica, nem música, nem a apresentação de uma história, mas um jogo de poderes tornados visíveis. (...)”(p. 137)

 

Um lugar austero, mágico e infinito, porque todas as nossas experiências, enquanto são nossas, dispõem-se segundo o antes e o depois, porque a temporalidade é a forma do sentido interno e é o caráter mais geral dos fatos psíquicos.

Algumas vezes me veio a imagem das reticências (...) e o que elas representam em seu significado subjetivo para um processo de criação: seu último ponto tende ao infinito, não se sabe onde vai dar. Pode ser bem perto ou tão longe que nunca se encontre o caminho para formalizá-lo. É um ponto na pista escura e silenciosa do infinito. É um ponto vazio, repleto de possibilidades. É o limite entre o visível e o por vir; é o lugar do tempo que não se mede e que não se alcança; é a subjetividade do próprio tempo, é o lugar do espaço universal (global), é a mistura de sensações. É o ponto que indica a entrada do lugar que eu visitei. O artista de dança nos dá a introvisão das realidades, penetra na natureza de coisas individuais e nos mostra o caráter único de tais objetos. Por isso, todas as naturezas, todos os corpos e todas as formas são possíveis quando se é permitido dançar os impulsos de tais naturezas. O próprio corpo é uma natureza de infinitas camadas e de consciências a serem maturadas. Uma investigação incessante e maravilhosa.

 

A Dança – concepção Coreográfica:

 

O processo de roteirização e montagem foi o mais complexo, pois tratava de organizar espacialmente e poeticamente as questões levantadas sobre a investigação, garimpar dentre os movimentos surgidos do laboratório, aqueles que seriam mais significativamente absorvidos pela proposta e tornar o discurso da linguagem corporal claro e provocativo, o que se configurou em um árduo processo de memoração e seleção de substratos quase insubstituíveis, todos muito presentes e reais para minhas aflições enterradas debaixo da pele. Contudo, roteirizar a montagem foi até interessante: um processo de organização da própria narrativa do trabalho, uma questão de saber de onde eu quero partir e para onde eu quero levar as minhas questões impregnadas em meus movimentos. Organização espacial, elementos de dinâmica e de tempo e mais, o ganho de profunda expressividade, foram elementos que busquei dedicação com muito afinco, principalmente por buscar algo que não fosse exterior a mim, mas que brotasse da raiz de minhas significações, que partisse da ativação do meu sistema orgânico, que enfocasse aspectos do próprio teatro físico proposto por Artaud e que neste lugar conseguisse existir por infinitos instantes, construindo poesia em movimento e experimentando as propriedades da physis no meu corpo.

Já a montagem foi tanto quanto mais complexa. Primeiramente eu tenho péssima memória e o tempo de experimentação é muito mais rápido do que a minha capacidade de guardar o que investigo, ou seja, boa parte do que pesquisei, senão a maior parte, não entrou para o trabalho, diretamente, apenas foram parte de um caminho que construí com sangue, muito suor e uma cascata de lágrimas. Este exercício da montagem coreográfica é extremamente delicado, pois aí se definem as potencialidades do seu trabalho. É quando se seleciona em dança, aquilo que você quer esconder ou revelar para o público; a maneira como você se propõe a enaltecer o seu discurso. Também é o momento em que se consagra por aquilo que há anos vimos estudando. Foi uma grande experiência. Muito difícil e, no entanto, desafiador e inexplicável. Muito vivo, ainda latente nos meus órgãos mais internos que, aliás, hoje, é de onde retiro a energia formidável para iniciar meu trabalho.

Começo de costas para o público, pois parto do princípio de que está nas entrelinhas, por trás da história de cada coisa, debaixo da pele, secretamente guardado de você mesmo as substancias mais essenciais de cada movimento. Assim, enquanto de costas permaneço, ativo a minha respiração e acompanhando seu caminho trago a energia que emerge lá do meu centro de gravidade, centro de minhas memórias e este se torna o tempo em que, de fato, meu trabalho acontece. Elegi este como a chave para o desvelamento deste corpo lilás que em silêncio revela o que está escondido por debaixo da pele de ébano. São movimentos de desdobramento, provocados pelas nuances da respiração. Sinto como se neste momento fosse invadido por alguns monstros internos e que ao mesmo tempo, todos quisessem sair por uma parte do meu corpo. Como se todos quisessem dançar e eu os controlo até o meu limite. Ao atingir este esgotamento, estou preparado para mostrar ao que vim e inicio uma diagonal com um “salto para baixo”, trazendo a imagem de um mergulho para dentro de mim mesmo, e neste momento vou escavando as paredes dos meus intestinos, da minha musculatura e com o intuito de virar do avesso minha carne humana, reverencio os Deuses que nos dotaram de poderes e de inteligência e nos fizeram em corpo, para que nossas experiências nunca deixassem de ser-nos essenciais. Daí sigo minha poesia com movimentos de guerra, um embate comigo mesmo e aos poucos vou domando essa coisa muito áspera na qual me transformo, para assumir com a beleza e força do felino, maleabilidade e sedução da serpente, e delicadeza e liberdade da borboleta, a minha personalidade dançante. São estes três animais que incorporo em minha dança e descubro, cada dia mais, que eu os sou em integridade, não apenas como referenciais simbólicos para pesquisa de movimentos, mas como qualidades expressivas de mim mesmo.

A partir daí, ébano em lilás, torna-se algo que não mais animal, que não mais gente, que não mais nomeável, mas sim, um “ser-coisa”. Danço um jogo de guerra, de estratégias que me levam a me esconder e me revelar para os outros; momentos em que ataco e defendo-me de mim mesmo. Um jogo de sedução a todo o tempo, pois quero trazer o espectador para o mundo ao qual pertenço; traze-los para o eterno vazio de lugar nenhum e mostrar que não distante de mim mesmo, que ali, é a morada do próprio ser. É um constante jogo de opostos que se enfrentam: um homem que se esconde atrás de uma saia, um corpo maleável de serpente que busca na deformação de seus gestos as armas com as quais lutar contra a própria liberdade trazida pela possibilidade de vôo da borboleta e que paralelo a sua história de beleza e sublimação, mascara a fera que surge com seu truculento e vivaz corpo de sangue. Deformar para explodir as formas que me retém e para sempre permanecer cavando as materialidades subjetivadas pelo tempo, empoeiradas debaixo da pele, onde moram as minhas poesias e para onde partem os meus gritos emudecidos pelo desgaste. Como Chico Buarque, acredito que mesmo que os poetas, os cantores sejam falsos como eu, serão bonitas, não importa, são bonitas as canções, mesmo quando as notas eram surdas um bandido fez das tripas uma lira que deu vida a todos os sons...

Por fim, a montagem deste trabalho não se fecha, deixo suspenso no ar, o olhar daquilo que, por hora, passou, deixou rastros e fugiu. Manifestou e tornou a se esconder. Algo que guardo comigo, mas que contamino a cada instante. Seduz, cala e não se cansa, esgota. Esgota para poder gritar, lá de dentro, lá para dentro, de outros intestinos que escondem em suas paredes as melodias das verdadeiras canções enlouquecidas e censuradas por nosso tempo de existir contemporâneo a nós mesmos. É difícil ser corpo...

 

Currículo do Trabalho:

 

Apresentações:

 

- Mostra Coreográfica do III Seminário Interno – “Conhecendo e Reconhecendo a Dança na UFRJ” (12/2006)

 

- I Encontro das Artes da UFRJ – mostra dos cursos de arte na Universidade Federal do Rio de Janeiro (11/2006)

 

- Panorama Rio Arte de Dança – Projeto: “NOVÍSSIMOS” – Teatro Nelson Rodrigues/ Cacilda Becker - Rio de Janeiro (11/2006)

 

- Mostra de Suas Danças – Programa de Conclusão da Disciplina de Estágio de Roteirização e Montagem Coreográfica – Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro – (10/ 2006).

 

- I Encontro dos Cursos de Graduação em Dança do Rio de Janeiro – Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro – (10/ 2006).

 

- Abertura da Exposição “Filhas da África” no Conselho Estadual da Mulher (CEDIM) – (09/2006).

 

- Congresso Nacional de Poetas Trovadores – Ilha de Paquetá – Rio de janeiro (08/2006)

 

- Mostra de Dança – Teatro Municipal de Três Rios – Rio de Janeiro (06/2006)

 

- Mostra de Dança UFRJ – Teatro Helenita Sá Earp – Rio de Janeiro (06/2006)

 

- Apreciação Coreográfica da Disciplina Fundamentos da Dança D – Dinâmica e Tempo (11/2005) – surgimento do trabalho – primeira apresentação.

 

Comunicações:

 

- Mesa de Comunicações: III Seminário Interno – “Conhecendo e Reconhecendo a Dança na UFRJ” Diversidades Culturais na Dança Contemporânea – (12/2006)

 

- Jornada de Iniciação Científica, Artística e Cultural da UFRJ – CCS – centro de Ciências da Saúde (11/2006)

 

- I Encontro dos Cursos de Graduação em Dança do Rio – Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro, sessão Diálogos III – (10/2006).

 

- Narrativa Fotográfica – Trabalho selecionado para Ilustrar a Comunicação: “Aproveitam-se partes, descartam-se outras. Devorou, devora e devorará para sempre, Amém” de Eliane Souza – Metáforas para um Dandi Cambinda - ABRALIC – 2006.

 

- Congresso Nacional de Poetas Trovadores, Mesa debate: sessão - Música, artes e Poesia - Ilha de Paquetá – Rio de janeiro (08/2006).

 

Considerações Finais:

 

Esta foi a primeira experiência na qual pude trabalhar com a composição de um trabalho solo além de trazer para cena o fruto reflexivo de muitas questões que mesmo, a princípio, sendo próprias, tentei buscar a coletividade de suas importâncias e presenças.

Foram quase 2 anos de muita pesquisa de movimento e de atribulações que me levaram a ter o que hoje eu tenho na configuração de um solo; quase 2 anos de muitas investigações sobre este tema que aborda as propriedades do silêncio, do vazio e da poética gestual, substâncias desta linguagem que em mim, soa como a linguagem do indizível, por tratar de tantas coisas essenciais e que o próprio homem não codificou.

O trabalho hoje é reconhecido não só na academia como também fora dela já que em seu currículo constam algumas apresentações realizadas em diversos lugares, inclusive algumas comunicações, com as quais tive a oportunidade de compartilhar com as pessoas que me assistiram, as minhas questões para com o trabalho e escutar, dos outros, as reflexões advindas desta expectação.

Assim, percebo que há muito dos outros, da sociedade, do mundo, em mim, bem como a recíproca é verdadeira. Este trabalho apenas partiu de minhas indagações, curiosidades, medos e ansiedades, mas que no fim, entendo que trata das questões mais profundas do inconsciente humano. Trata da vida e de como nos relacionamos com ela; é uma eterna busca de si mesmo, e nesta busca, percebe-se que não se está sozinho. Todos nós, seres errantes, passamos a vida toda atrás de informações que garantam que nossa existência não é em vão e que para cada um de nossos problemas inventados, relativamente para cada um, há sempre mais de uma solução possível, ou seja, somos seres de escolhas; viver é fazer escolhas, e a cada uma, uma nova porta para novos caminhos se entreabre, a gente passa, olha para trás, e na maioria das vezes seguimos, apesar de medos, de anseios e de tudo a nossa volta. É tudo humano, demasiadamente humano; coisa que por dentro existe, persiste, dobra, desdobra e não cessa. Como seres de luz e de sombras; como animais que se enfrentam e que dançam juntos sob a luz lilás de minhas ontologias poéticas; Humano como, simplesmente humano: à mais, somente artistas...

 

Referências Bibliográficas:

 

FISCHER, Ernest. A necessidade da arte . Ed. Guanabara. Rio de Janeiro, 1987.

HELLER, Alberto Andrés. John Cage e a poética do silêncio . Tese de doutorado em teoria literária: UFSC, 2005.

LANGER, Susanne. Sentimento e Forma . Ed. Perspectiva. São Paulo, 1980.

NIETZSCHE, Friedrich. Humano demasiado humano . Ed. Companhia das Letras. Rio de Janeiro, 2000.

OSTROWER, Fayga. A sensibilidade do intelecto . Ed. campus. Rio de Janeiro, 1998.

VIEIRA, Pedro Vitor. Homo Poiésys: uma reflexão a cerca da filosofia do corpo e de sua inserção poética no universo de dança contemporânea. Anais do II Seminário: Conhecendo e Reconhecendo a Dança na UFRJ, 2006.

YALOM, Irvin. Quando Nietzsche chorou . Ed. Ediouro. Rio de Janeiro, 2005.

_____________ A cura de Schopenhauer . Ed. Ediouro. Rio de Janeiro, 2005.

Conceito criado para delinear os aspectos ligados a questão do silêncio: o vazio e a não-concretude de algo, carregando a idéia de um eterno por vir.

Extraído do Diário das Aulas da disciplina: Laboratório dos Parâmetros da Dança D – Dinâmica e Tempo, ministrada pela professora Lígia Tourinho, referente aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2005.

Este fragmento corresponde aos 6º e 7º parágrafos do relatório da Aula nº 6 – Sábado – 15/ 10 – no Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro.

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