TRADIÇÃO E CONTRADIÇÃO EM LAVOURA ARCAICA

 

 

Diferentemente do discurso politicamente engajado que foi bem recorrente entre artistas e intelectuais que se situaram de maneira crítica nas décadas de 60 e 70 - época brutalmente marcada pela ditadura, Raduan Nassar opta por um outro engajamento que se não mais radical, é também de considerável contundência em tal contexto. Assim, o autor de Lavoura Arcaica e Um Copo de Cólera , faz do discurso literário um ambiente de transgressão tamanha a ponto de poder abalar todo o sentido de ordem / estrutura, não deixando de lado a grande força que uma tradição tem subjacente a este processo . Assim, as questões políticas pertinentes ao contexto em que o autor começa atuar na literatura, não ficarão distantes de sua breve produção literária. O próprio Raduan Nassar nos chama atenção sobre isto a partir de um comentário sobre o livro em questão:

 

“Talvez se pudesse ver no Lavoura ( Arcaica) uma tentativa de se colocar metaforicamente em xeque as utopias, quando confrontadas com os gritos e gemidos de excluídos (...) o que poderia parecer então só um romance de amor trágico, talvez devesse ser percebido também como um texto de reflexão política.”

 

É essencial ressaltar que o núcleo familiar neste romance revela-se como ponto central para esta reflexão política, tendo em vista o processo contraditório de ordem/desordem no qual se dinamiza uma estrutura familiar de base patriarcal, conservadora. Considerando o contexto histórico em que esta obra está inserida, podemos fazer uma leitura da estrutura familiar apresentada em Lavoura Arcaica como a representação do microcosmo de uma sociedade atravessada por um regime ditatorial e excludente. Será, portanto, a voz de André – o filho pródigo, protagonista deste romance – que se colocará toda esta ordem familiar em questão.

 

Segundo Raduan Nassar, (...) uma organização social só se viabiliza em cima de valores. E valores excluem sempre e necessariamente(...) . Este comentário é bastante relvante à situação do personagem André no desenvolvimento da narrativa de Lavoura Arcaica. E isto fica mais evidente se levarmos em consideração uma das máximas proferidas por este personagem ao longo do romance, (...) toda ordem traz consigo uma semente de desordem(...) .

 

A linguagem deste romance evoca uma condição instauradora da ordem/desordem que bem se traduz por dois pólos antagônicos pontuados pelas vozes do André – o filho pródigo – e de Iohána – a tábua solene da família. A tensão da estrutura narrativa do livro é exposta através do inconformismo do filho tresmalhado e o autoritarismo do patriarca Iohána. De uma enxurrada verbal que se dá por uma trama não necessariamente linear, Lavoura Arcaica – que é narrado em primeira pessoa – pelo André , o torto, o enfermo, o exasperado – faz da subversão um processo literário que vai desde a sua base narrativa, passando pela relação incestuosa entre os irmãos, desembocando no descontrole total do patriarca, porta-voz dos valores e tradição familiares, que num desfecho trágico ao romance , mata a própria filha numa festa de família.

 

Nessa perspectiva, o romance mostra como o discurso da ordem torna-se frágil, trazendo os valores da tradição à tona. Portanto é a partir deste processo que passamos melhor compreender a dinâmica das contradições ordem/desordem, união/desunião, que fundamentam a base familiar em Lavoura Arcaica, e que assim sustentam uma possibilidade de reflexão política alertada pelo o autor.

 

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