O PALCO EM TRÊS DIÁLOGOS : A TERRA, O HABITAR E O SAGRADO

Fábio Santana Pessanha

Bacharelando Português-Literaturas / UFRJ

 

 

Primeiras palavras

 

Tradicionalmente, o teatro é pensado pelo prisma da funcionalidade, do fazer arte no qual vigora a relação binária “forma versus conteúdo”. Neste empenho, há algo para ser dito e uma mensagem a ser revelada objetivamente, isto é, arbitra-se uma resposta a determinada inquietude ao tentar resolver a tensão entre páthos e problema , onde páthos pode ser entendido como uma comoção arrebatadora tanto para o sofrimento quanto para a felicidade e problema é aquilo que gera o questionamento, é o algo a ser resolvido.

 

À tensão mencionada é atribuída a essência do que se conhece formalmente por gênero dramático, onde a catarse seria o símbolo máximo desta forma de se enxergar o teatro. Neste viés, são ainda vigentes as interpretações oriundas do Renascimento: uma moralista, em que a expurgação da paixão pela tragédia se concretizaria ao se eliminarem os obstáculos a uma vida virtuosa (caridade cristã); e uma racionalista, onde tais paixões seriam racionalizadas no instante em que o público se identificasse com a encenação trágica e, assim, as mesmas seriam expurgadas mediante o equilíbrio pela iluminação da razão.

 

Numa interpretação que supera este olhar renascentista, a catarse é entendida como auge da mímesis num imbricamento indissolúvel, isto é, se mímesis é o vigor do acontecimento do real na medida em que este se revela, a catarse vai além dos limites de qualquer estruturação metafísica ao se plenificar no agir em seu grau máximo. Sendo assim, não é por uma relação subjetiva tangente às emoções humanas que a catarse acontece. Mas pelo agir que se funda na “ultrapassagem” dos elementos miméticos.

 

Neste trabalho, portanto, o teatro tentará se mostrar despido de qualquer formatação técnica, onde o palco será enfocado para além de uma abordagem convencional, cujos jargões textuais e contextuais se fariam evidentes. Aqui se ouvirá e se realizará o discurso onde a interpretação será o caminho pelo qual o teatro ou, mais ainda, o palco se dirá. Assim, o diálogo se fará potencialmente vivo na medida em que houver a escuta do palco como terra, como habitação e como lugar do sagrado.

 

O diálogo

 

Para que haja diálogo numa peça teatral, é necessário que cada ator deixe seu texto falar em vez de falar o texto. Noutras palavras, o ator deve escutar sua fala e, neste auto-diálogo, permitir a abertura ao outro. Então, internamente, o ator escuta o texto e mergulha neste auto-escutar, para que assim revigorado pelo seu próprio diálogo, interaja com o outro em cena. Este inter-agir tanto individual quanto com o próximo aponta para o entre (inter) que é o vigor do próprio dialogar, uma vez que diálogo, etimologicamente, é composto por diá (radical grego que significa através de, entre ) e por lógos (palavra grega cuja significação é vasta, mas aqui entenderemos como linguagem ). Diá também é traduzido como dois . Assim, é por estar entre quem fala e quem escuta numa relação com o outro ou num auto-diálogo (escutar a si mesmo para poder falar) que a palavra diálogo se plenifica em todos os sentidos, sendo a linguagem não o meio, mas a possibilidade inaugural de deixar o homem falar quando este responder a ela numa correspondência íntima. Desta forma, corresponder à linguagem manifestada na fala do homem se dá quando, pensando o diá como caminhos originários, tal homem dialoga com a linguagem, com ele mesmo e com o outro. Portanto, três desdobramentos do estar entre . E estar entre significa a tensão entre duas diferenças na busca pela apropriação do próprio. Então, quando cada palavra já traz um significado fechado em seu significante e leva a funcionalidade do dizer às últimas conseqüências, o texto perde seu brilho e se enquadra ao mero decorar de sentenças a que um ator se submete.

 

O palco e a terra

 

O texto intitulado O caminho do campo , de Martin Heidegger, em especial o trecho que diz: “Tudo que é maduro, só chega à maturidade, se o homem for, ao mesmo tempo, ambas as coisas: disponível para o apelo do mais alto céu e abrigado pela proteção da terra, que tudo sustenta” nos possibilita o diálogo com o palco, onde este é terra num pensamento telúrico de proteção e sustento. Neste viés, como terra, o palco tudo protege e sustenta por tratar do crescimento do homem numa dinâmica tensional em que este é dois, sendo que para ser dois é preciso estar no entre . Assim, quando o homem tanto se disponibiliza para o apelo do céu quanto se abriga na proteção da terra, há neste entre toda possibilidade de o homem se constituir como tal, pois é no habitar desta tensão que o homem é humano e, assim, poderá crescer.

 

Crescer é dar conta de toda afirmação que se nega e, ao se negar, vai às últimas instâncias da afirmação, posto que este não é um movimento dialético, mas concrescente. Portanto, dizer que o homem é dois não significa ter dois homens simultâneos sistematicamente encerrados num mesmo organismo, mas ter um corpo que abriga a tensão primordial que o inaugura, a cada momento, como liminaridade, como doação do ser.

 

Esta tensão nos aponta a indissolubilidade do homem como unicidade, isto é, como nos diz Antônio Jardim: “Uma unidade é possível quando, mesmo que diferentes duas coisas con-formem uma, que passe a ter sua vigência de modo indissolúvel, a quebra de sua unidade passa a ser fator de sua destruição” (Jardim, 2005:50). Desse modo, o homem tem sua unicidade no crescer tanto para o céu quanto para a terra. Este é um movimento indissociável, pois escutar só o apelo do céu é se desvincular de sua origem, é estar desprotegido num gesto em que as mãos ao alto esquecem os pés firmes na sua base primordial. Sem terra não há crescimento, pois o desvínculo com esta remete o homem a uma radical abstração quando as representações se farão vigentes num viver ilusório em que o céu é um infinito inventado, arbitrado a terminar na proporção da queda humana no esquecimento.

 

Sem a terra, a concrescência se extingue. Estas duas coisas que o Jardim comenta não são dois objetos que pedem nome, identificação. Estas duas coisas significam o homem que sendo dois é um no apelo da linguagem, como nos esclarece o originário pensador Heráclito de Éfeso, em seu fragmento 50: “Auscultando não a mim, mas o logos é sábio concordar que tudo é um” (Leão, 1991:71). Aqui não há a preocupação de se identificar as partes componentes do homem numa visão metafísica, mas trazer ao pensamento a radical tensão que funda o homem no acontecimento de ser entre , de ser liminar.

 

Da mesma forma que sem terra não há concrescência, sem céu o homem se obscurece, isto é, se aprisiona num aprofundamento raquiticamente iluminado. O homem precisa do céu para ser tomado pela abertura, para ser tocado pelo sol que é o horizonte de todo pensar. Sendo assim, se a terra tudo sustenta, é preciso ter algo para ser sustentado, uma vez que este sustentar não significa carregar o oposto, mas estar junto. Pois, se não houver céu, a clareira se fecha na escuridão por não poder ser a ambigüidade se realizando no que se vela ao se desvelar. É um crescimento que precisa de ambos e só assim, far-se-á único. Portanto, o homem se dá como homem na medida em que é uma doação do ser e é único ao se con-formar na vigência da tensão entre-ser.

 

O ser não abandona sua vigência de ser ao doar o homem, enquanto este constitui sua humanidade cada vez que se dá conta da sua busca original rumo ao originário. Noutras palavras, a cada pro-cura o homem se humaniza ao se voltar ao princípio do que é. Todo este percurso se dá na medida em que há o resgate da originariedade humana quando o homem se lança na abertura do céu e se abriga na proteção da terra. Portanto, este “e” é “entre”, é o que aponta o sentido abismal da proveniência do humano em relação ao homem vigente no tempo, na memória e, portanto, na história. Mas afinal, onde entra o palco nisso tudo?

 

O palco não entra, porque para entrar, antes, é preciso estar fora. E o palco desde sempre esteve presente, não é algo que se dissocia e nem lugar externo para o qual seguimos. Se o palco é terra, nele nos abrigamos e dele originamos.

 

O palco e o habitar

 

No palco, o homem cresce. Ali habita e se realiza como obra de arte na medida em que criando, também se cria. No atuar, o homem instaura uma realidade ao agir, ou seja, deixa-se atravessar pela verdade num dizer-se vivo. Este local sagrado não abriga meramente um ator que repete um texto, posto que ter a alcunha de ator é simplesmente ser o portador de um título abstrato por se vincular a uma representação do real. O atuar é mais que vestir uma indumentária personificativa, é estar aberto à inaugurabilidade de realidades que se criam no diálogo no qual o homem responde ao vigor do ser e corresponde à linguagem. Este movimento nos revela a originariedade do homem ao se permitir ser cultivado. Sendo que, ao mesmo tempo em que é construído, também cultiva e cria porque previamente já habita. Daí fica o questionamento: o que é este habitar, ou melhor, a pergunta a ser feita é: o que é isto, o habitar? Já que perguntar pelo isto do habitar nos leva ao percurso da questão em vez de nos deixar na superficialidade de um conceito.

 

Heidegger, em seu caminho à força e densidade das palavras, traz-nos um importante esclarecimento sobre um antigo verbo alemão: bauen (construir), cujo sentido de habitar se perdeu com o tempo. Eis o trecho:

 

“Ouvindo, porém, o que a linguagem diz na palavra bauen (construir), podemos perceber três coisas:

 

1. Bauen , construir é propriamente habitar;

2. Wohnen , habitar é o modo como os mortais são e estão sobre a terra;

3. No sentido de habitar, construir desdobra-se em duas acepções: construir, entendido como cultivo e o crescimento e construir no sentido de edificar construções.”

 

(Heidegger, 2001:128)

 

Ao fazermos a correspondência entre palco e terra, criamos uma relação dialogal que não institui uma atribuição de características comuns ou uma hipervalorização do primeiro ao esquecermos seu uso comum. A questão está, exatamente, em diluir qualquer formatação já atribuída e, portanto, cristalizada de pensar o palco. Se histórica ou historiograficamente este é alvo do senso comum ao ser visto como o lugar das representações (não só teatrais, mas de qualquer realização artística), tal concepção, neste sentido tradicional, edificou-o como lugar passivo. Isto é, o palco não ultrapassaria a visão de mero espaço a esmo, no qual sua função exclusiva seria a de comportar algum tipo de evento cênico, musical, cultural, etc. Imersos, então, nesta gama tanto paradigmática quanto pragmática, voltamos a pensar sua funcionalidade quando nos deixamos contaminar por tal ótica linear. Assim, a única função do palco seria a de receber o espetáculo, servir de base para determinados acontecimentos. Entretanto, como já mencionado, aqui estamos num percurso que tenta ser original ao emudecer os ecos conceituais e fazer urgir todo vigor do palco como terra, como o habitar que procura sua essência na linguagem e que toma o homem na correspondência da fala. Neste sentido, o palco é a terra que o homem habita e, por habitar, constrói sua morada ao crescer sob o céu que lhe abre o infinito azul e que o resguarda na proteção da terra.

 

Se habitar é construir, então só o é por doação da linguagem. Uma vez que é na linguagem que vige o resguardar essencial do habitar. Noutras palavras, o resguardar se dá, como nos diz Heidegger, “quando devolvemos, de maneira própria, alguma coisa ao abrigo de sua essência” (Heidegger, 2001:129). Daí que é na e pela linguagem que conseguimos nos encontrar com o apropriar-se do que nos é próprio ao escutarmos seu vigoroso apelo. Logo, na linguagem habitamos e, por isso, podemos cultivar e construir.

 

O palco e o sagrado

 

Uma encenação tanto teatral como de qualquer acontecimento artístico se dá pela liberdade do aberto, na mundificação do palco como entre-lugar histórico no qual a vigência do questionar se realiza na presentificação do que se põe à exposição, portanto, do que se expõe. Mas este expor não é um mero mostrar. Ex-por é trazer à presença a origem de algo. É pôr em diálogo a vigência do estado primeiro do homem quando este habita e cresce no palco. Daí que o palco se põe à experienciação presencial do homem como obra de arte máxima. Neste sentido, a exposição é aquilo que emerge, que sai do princípio para o exterior, é a boa nova num convite poético ao habitar humano. Então, o palco se mostra como presença num movimento duplo, ou seja, ao mesmo tempo em que se vela no mistério do sagrado. Daí que, pensando-o como um lugar propício, todavia, não restrito ao acontecer artístico-poético, dialogo com os seguintes dizeres de Heidegger: “Dar lugar significa aqui ao mesmo tempo: libertar o livre do aberto e dispor este espaço livre em suas feições” (Heidegger, 2006:22).

 

O palco não só é lugar como, em si, dá-se como tal por carregar a ambigüidade como possibilidade de existência. E, neste existir, liberta e dispõe. Daí que tanto a libertação quanto a disposição ocorrem ao mesmo tempo e na medida em que o palco se doa como lugar. Este lugar, não necessariamente é um espaço físico, também pode sê-lo ao passo que se vislumbra com a abertura onde a liberdade se ofertará à manifestação da arte como obra. É importante, neste caso, ressaltar a diferença entre espaço e lugar: espaço é todo o aberto, é qualquer possibilidade de ocupação que, ocupando, conforma o lugar. E lugar não é o espaço destinado à ocupação de dado objeto, mas é a partir de uma ocupação anterior que se configura o lugar. De outro modo, o espaço está repleto de lugares, então o lugar do palco, por exemplo, vigerá a partir da arte se dando na interpretação e no diálogo com o homem.

 

Dis-por carrega etimologicamente a possibilidade de ser ambíguo, ou seja, aquilo que põe dois, já que dis- provém do radical grego di que, em sua latinização, permaneceu a idéia de dualidade, assim como a de desconhecido, de alteridade. Logo, o palco como lugar é tanto o espaço do acontecimento quanto o próprio acontecer da obra na extrema densidade tensional que congrega os diversos significados vigentes na palavra disposição . Daí que o palco expõe a obra e se vela no mistério. É o espaço que se esconde sob os pés da atuação, é o que dá base e sustenta a mira do acontecer divino, que é o operar da obra de arte.

 

O palco glorifica a obra ao lhe dar sustento e possibilitar seu crescimento, é terra que se abre ao sagrado da arte para que nela habite e se faça tanto emergente como obra quanto imergente como adubo vivificante do operar. Neste lugar, o sagrado se instala e instaura um mundo que protege e revela, que guarda e dá, que congrega o espanto primordial ( taumazein) na admiração do homem como realização da arte num impulso ambígüo, ou seja, o homem se realiza como arte e esta se concretiza como obra, como operar do e no humano. Neste percurso congregante, o palco é reunião; e reunir é unir novamente, é trazer ao re-encontro o apropriar do próprio, é dispor e expor o homem à tensão céu e terra, é resguardar a linguagem ao sagrado, é reunir o silêncio à fala, o agir no atuar, a dança ao movimento.

 

Retomando a palavra disposição , quando dis- remete ao desconhecido, este lado obscuro é o mistério se retraindo como segredo, como sagrado. Dispõe-se à escuta, ao apelo da experienciação do operar que, conforme toma o homem, resguarda-o no silêncio do agir e o revela no fulgor da interpretação. Então, interpretar é ir ao encontro do que não se sabe, é o lançamento na tensão do entre , do que é dis-posto: o que se mostra e se resguarda. A interpretação dá o atuar ao homem, e tal homem o colhe para que assim possa fincar seus pés na terra e se abrir à imensidão celestial num movimento simples de crescimento. Interpretar é também um reunir na medida em que reúne no homem a linguagem e a correspondência da fala para que este, em disputa com o céu e a terra, manifeste um mundo e opere em terreno sagrado.

 

O palco é sagrado, portanto, é um enigma. O consagrar do palco como lugar da manifestação divina lhe confere a dualidade que opera como questão. Noutras palavras, dizer o palco como mero lugar físico que componha um prédio e que nele ocorram eventos artísticos é atribuir um olhar metafísico que desfaz sua ambigüidade e o reduz à construção material de um espaço destinado a funções específicas. Se pensarmos em enigma, caminharemos por uma vereda que se fará misteriosa, mas que não pedirá um desvendar e sim, um escutar e uma permanência em sua ambigüidade. Pois só estando e convivendo enigmaticamente é que podemos experienciar e dialogar com o obscuro que se dá no revelar à luz. Este revelar é, então, o percorrer do percurso à iluminação, à sacralização do homem como arte e que se move no habitar do palco, da terra.

 

Poeticamente, o palco reúne o homem, integra-o à terra quando dela surge e nela habita. Integra-o ao céu quando em aberto campo ensolarado é acolhido pelo infinito. Integra-o ao sagrado quando entre céu e terra se vela em personagens e se desvela numa nova realidade que é, então, inaugurada. O palco se dá como mundo na medida em que se doa como originário pela interpretação. A atuação é então, a libertação de um corpo físico para imersão num poético. Mas o que significa esta menção ao poético?

 

Assim como o palco reúne poeticamente o corpo vigente na tensão entre céu e terra ou na tensão entre o obscuro e o revelado mundificado no mistério, ele acena à revelação do homem como obra que opera na arte e é doado pela linguagem. Assim, poeticamente, o homem se dá como aquele que encena o caminho para a verdade. No entanto, não devemos entender este encenar como uma farsa, como adequação vazia de uma estrutura teatral, quando o teatro for observado por uma ótica superficialista, isto é, que mire a produção como objetificação vendável e passível de caracterização adjetival, onde nesse conjunto “substantivo mais adjetivo” se concentra e se define, em vez de perceber a inaugurabilidade instaurada pela poiesis .

 

Ao escutarmos a pro-dução na sua essência etimológica, ou seja, no que nos diz primordialmente, entramos num percurso que deságua na verdade ( alétheia ), pois pro-dução é o conduzir ( ducere ) ao desconhecido quando este se vislumbra no caminho à diante ( pro ). Portanto, temos uma dinâmica que, como nos diz Heidegger “conduz do encobrimento para o desencobrimento” (Heidegger, 2001:16) e tal movimento é a verdade no pensamento grego: aquilo que se nos revela quando antes encoberto.

 

Perceber o en-cenar é se colocar em diálogo com o que já é presente na liminaridade do entre , mas, afinal, o que é isto, o en-cenar? Novamente numa dinâmica em que a escuta se mostra fundamental ao entendimento, en-cenar nos diz aquilo que está dentro ( en- ) da cena, ou seja, é o que vigora naquilo que acontece no interior da presença telúrica posto que, da terra (cena ou palco), o agir da atuação ou encenação eclode e se mostra . Mais ainda, en-cenar nos diz aquilo que se mostra habitando no entre , uma vez que esse mostrar é advindo pela interpretação se dando na atuação de um lugar específico. Este lugar específico é onde o homem se demorará e, entusiasmado, dará ao palco sua existência. Por este discurso, não é o palco que possibilita a encenação, mas esta, ungida pelo homem quando possuído por deus (entusiasmado) que dá lugar ao espaço do palco. Assim sendo, o palco é a doação do homem como obra que se demora e inaugura o lugar do sagrado. A consagração do palco está no divino que habita o homem e este mora na terra. É corpo que se dá poético ao se construir no agir da poiesis e é mundo como doação da lógos, quando atende ao apelo do homem que clama por sua origem, que procura seu princípio, seu próprio.

 

Caminhando, pisando serenamente na terra e se expandindo ao céu, o homem pergunta por si internamente e, a cada passo, renova o seu perguntar, já que no momento em que seus pés tocam o chão, reinstala-se todo questionamento que o move, pois o largo caminho que se abre à frente se estreita na medida de seus pés e, neste contato, vigora o mundo: a terra se dá como sustento e estímulo ao caminhar e o céu resplandece a partir do afastamento da sola de seus pés em relação ao chão. Cada grão de areia que fica pelo caminho, tanto preso à terra quanto solto ao céu no impulso dinâmico do andar, é corpo que nasce surgido do esquecimento. Portanto, o pisar no chão e o estar no palco são reunião entre corpo, terra e mundo.

 

Referências bibliográficas

 

ANAXIMANDRO, PARMÊNIDES E HERÁCLITO. Os pensadores originários. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão e Sérgio Wrublewski. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991.

 

CASTRO, Manuel Antônio de. O Acontecer Poético. 2ª ed. Rio de Janeiro: Antares, 1982.

 

___________. Heidegger e as questões da arte. In: CASTRO, M. A. (org.). A Arte em Questão: As Questões da Arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005.

 

HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Tradução de Idalina Azevedo Silva & Manuel Antônio de Castro. Programa de Pós-Graduação de Ciência da Literatura. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ, 2006. (obra não publicada).

 

___________. O caminho do campo . Petrópolis: Vozes, s/d. fotocópia.

 

___________ . Ensaios e conferências. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Márcia Sá Cavalcante Schuback. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

 

JARDIM, Antônio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005.

 

STAIGER, Emil. Conceitos Fundamentais de Poética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.

 

[VOLTAR]