CELAN – anotações de leitura

 

Jeder Mensch ist ein Abgrund; es schwindelt einem, wenn man hinabsieht.

Büchner, Woyzeck [1]

 

Precisamos da história, mas não como precisam dela os ociosos que passeiam no jardim da ciência.

Nietzsche, Vantagens e desvantagens da história para a vida. [2]

 

O musicólogo e filósofo alemão Adorno teria afirmado que, após o holocausto, não mais seria possível escrever poesia. O mesmo Adorno, mais tarde, teria corrigido essa assertiva, ao ler os poemas de Celan [3].

Celan – anagramático poeta nascido nos limites do ocidente com o oriente, judeu-alemão das fronteiras do que, até a Primeira Grande Guerra, fora o império austro-húngaro, à época limítrofe e hoje parte da Ucrânia, ou como ele próprio diz, na sua ”Alocução na entrega do Prêmio Literário da Cidade Livre e Hanseática de Bremen”, de 1958:

A região de onde venho – e por que desvios! mas existe tal coisa, desvios? –, essa região de onde venho ter convosco é provavelmente desconhecida para a maior parte dos presentes. É a região onde tem origem uma parte não insignificante daquelas histórias hassídicas que Martin Buber nos voltou a contar a todos em alemão. Era – e se me é dado completar de alguma forma este esboço topográfico que, de muito longe, agora revejo –, era uma terra onde viviam homens e livros. [4]

Lugar distante, portanto, essa “antiga província da monarquia habsbúrgica, agora caída no esquecimento da História” [5], esse lugar é, também, fronteira de culturas mais do que limite geográfico e, como se não bastasse, limite de épocas, pois, nascido em 1920, Paul Antschel vem a um mundo que é os restos do antigo império austro-húngaro, mundo que ainda guarda, sob as cinzas da Primeira Grande Guerra, os carvões incandescentes que, soprados da Alemanha, farão mais virulentas as chamas que acabarão por consumir o que ficou dos ideais que um dia se acreditou triunfantes. Limite, portanto, da civilização, daquela civilização em cujo leite Antschel/Celan se abeberou.

 

Mas parece-me, que essa condição de homem da fronteira, de ser ontogeneticamente limítrofe, implica, evidentemente, a busca de algo, o acesso a alguma coisa e, talvez mais do que isso, uma perpétua mobilidade, um trânsito contínuo, que é ao mesmo tempo o norte de sua busca e seu meio de constituição de sua poética. Para dizer como o poeta, essa condição de homem originário das fronteiras, sejam elas geográficas, culturais ou temporais, implica sempre “acontecimento, movimento, estar sempre a caminho”, num impulso de travessia, num processo de elaboração de sua condição existencial pelo exercício dialógico com o outro – o célebre “Sou tu quando sou eu”, do Elogio da Distância [6].

 

Ainda nesta tentativa, por mim aqui empreendida, de rastrear alguns marcos existenciais do poeta Paul Celan, que me sirvam de referências para a construção de uma leitura de sua poética, formulada no seu discurso de agradecimento pelo Prêmio Georg Büchner, conferido a ele na cidade de Darmstadt, em 22 de outubro de 1960, apóio-me na afirmação de Theo Buck, para quem:

Für nur wenige Autoren fallen Leben und Dichtung so unmittelbar suzammen wie für Celan. Deshalb stellt uns sein ganz aufs Absolute gerichtete vor kaum zu lösende Schwierigkeiten. Wir begegnen dort der äußersten Schärfe dessen, der mit seinem Dasein zur Sprache geht (…). [7]

Penso que em Celan estamos diante de uma poética do movimento, por que a língua, como algo aparentemente fixo, é, na verdade, aquilo que exprime um trajeto multiforme, apontando simultaneamente para diferentes lugares, orientando, conduzindo, como um mapa de realidades pelo qual constroem-se realidades. A língua tornada linguagem e manifestando-se como poema é, para Celan, a possibilidade de comunicação por excelência com o outro, por parte daqueles que, como o poeta, nasceram nos limites de mundos, viveram experiências-limite e, portanto, estão feridos de realidade e em busca de realidade. [8]

 

 

Fronteira, limite, transição, com tudo o que essas três palavras implicam, talvez esteja aí, não a chave, mas a condição para uma poética, uma poética de situação-limite, meridiana, como a de Antschel/Celan. Talvez...

 

Mas o que sugere sua obra? O que se tem dito sobre sua obra? É possível que o traço mais característico da relação dos leitores de Celan com seus poemas seja o esforço que todos fazem de interpretá-lo. Seus poemas seriam como palimpsestos com camadas de textos superpostos e sua leitura consistiria em raspar, sobre a superfície irregular e truncada de seus versos, tudo o que não se prestaria a uma interpretação coerente, de modo a fazer saltar do poema uma idéia, uma reflexão desenvolvida, uma negação do mundo, da vida, possivelmente até mesmo um pacto metafísico com a morte, uma dor, enfim, um texto de sentido oculto.

 

Parte-se do pressuposto do hermetismo da palavra em Celan, ressaltam-se as dificuldades de sua tradução, evocam-se sua próprias traduções para legitimar uma fidelidade ou infidelidade – quem sabe? – a uma imagem, a um ritmo, um dia escolhidos por ele ao traduzir um Rimbaud, um Valéry, um Shakespeare, cometida, agora, por quem deu-se ao trabalho de enfrentar seus silêncios, seu simbolismo, sua dicção interiorizada, suas fraturas e silêncios. [9] Há ainda, nessa forma de abordagem dos poemas de Celan, a tentativa de ler/traduzir o poeta à luz de uma teorização sobre o encontro do leitor com o texto num lugar que, possibilitado pela tradução, transcendê-la-ia pelo próprio ato constituinte da leitura, ato que tornaria o poema de fato um poema, pois que ele, o poema, seria aquilo que se constituiria como tal pela leitura/interpretação, afinal “sem o leitor eles [ os poemas ] nem sequer existem.” [10]

 

Mas, ao referir-me à poética de Celan, o que quero dizer com expressões como “limites de mundos”, “experiências-limite”? Tratar-se-ia, tão-somente, de interpretar a poesia do autor da “Todesfuge” à luz de alguns dados históricos que seus poemas reverberariam? Certamente que não seria o caso de repetir, aqui, a pretensiosa exegese do leitor, tentada por Flávio Kothe, em seu Hermetismo e Hermenêutica , segundo a qual:

 

 

Os próprios poemas [ de Celan ], especialmente por serem herméticos, é que convidam à complementação e à concretização. A participação do leitor não é mero acréscimo, pois sem o leitor eles nem sequer existem. (...) O leitor é uma dimensão essencial a eles. Os poemas não são per-feitos, mesmo que já feitos e refeitos no passado: cada leitor precisa fazê-los e refazê-los de novo. Isto se torna bem claro na tradução como modo de leitura. (...) Os poemas estão sempre se perfazendo como diálogo entre entre autor e leitor. [11]

Ora, o que pretendo neste exercício não se confunde, em absoluto, com o intentado por esse tradutor de Celan. Primeiramente por que o decantado hermetismo do poeta deve-se muito mais a uma perspectiva, aliás bastante comum em certos nichos da crítica literária, de que todo poema deva ser dócil a uma linha interpretativa proposta, seja ela sociológica, psicanalítica ou doutrinário-filosófica. O poema seria tão mais difícil de interpretar, quanto mais resistisse à camisa-de-força de seu leitor-intérprete. Nesse caso, busca-se, especialmente em traduções que pretendem legitimar-se como transcriações [12] literárias, a partir de um texto originalmente escrito em outra língua, afirmar a pertinência da tradução interpretativa proposta, menos pela pesquisa acurada dos percursos históricos e estéticos do autor traduzido, que fundamentam a sua escritura, do que pelas concepções do próprio tradutor do que deva ser o processo da escrita literária.

 

Assim, Flávio Kothe chega, em que pese sua defesa da participação do leitor na criação do poema, a introduzir cada poema traduzido com uma nota interpretativa de sua própria lavra. O que me leva a supor que deva haver leitores mais capacitados para lidar com o “hermetismo” de Celan, o que, obviamente, contraria o próprio poeta, quando este diz que:

 

 

O poema, sendo como é uma forma de manifestação da linguagem e, por conseguinte, na sua essência dialógico, pode ser uma mensagem na garrafa, lançada ao mar na convicção – decerto nem sempre muito esperançada – de um dia ir dar a alguma praia, talvez a uma praia do coração. Também neste sentido os poemas estão a caminho – têm um rumo. [13]

 

 

O diálogo proposto por Celan em “O meridiano” parece-me, portanto, de outra qualidade, que não a da pura e simples interpretação, ainda que fundamentada em sofisticado aparato filosófico-doutrinário. O poema,

 

 

como linguagem, tornada figura, de um ente singular, e, na sua essência mais funda presença e evidência (...), [14]

 

 

a ponto de aquele que o escreve tornar-se “parte integrante dele” [15], evoca, busca “um Outro” [16] com quem possa dialogar, não a partir de estratégias meramente interpretativas, mas a partir daquilo que constitui esse Outro: “o seu tempo” [17]. Nessa medida, não faz sentido interpretar o poeta, pois como ele afirma:

 

 

Cada coisa, cada indivíduo é, para o poema que se dirige para o Outro, figura desse Outro. [18]

 

 

 

Quero lembrar, aqui, o Aforismo 14 de “Sobre o conceito da história”, de Walter Benjamin, segundo o qual:

 

 

A história é objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de “agoras”. Assim, a Roma antiga era para Robespierre um passado carregado de “agoras”, que ele fez explodir do continuum da história. A Revolução Francesa se via como uma Roma ressureta. Ela citava a Roma antiga como a moda cita um vestuário antigo. A moda tem um faro para o atual, onde quer que ele esteja na folhagem do antigamente. Ela é um salto de tigre em direção ao passado. Somente, ele se dá numa arena comandada pela classe dominante. O mesmo salto, sob o livre céu da história, é o salto dialético da Revolução, como o concebeu Marx. [19]

A concepção benjaminiana de história como “um tempo saturado de ‘agoras'” parece-me articular-se harmoniosamente com a poética de Celan, na medida em que para este todas as experiências, todos os trajetos confluem para a atualidade da linguagem tornada poema. Nesse sentido, não há em Celan a possibilidade de não dizer, de calar, desde que a linguagem assuma seus próprios limites até o quase emudecimento. E é nisso que reside a radicalidade de sua poesia: no quebrar-se, no partir-se, a caminho de uma atualização de si mesma, na tentativa (des)esperançada de chegar ao âmago das coisas, sem “'co-respondência' ( Ent-sprechung ) no plano da linguagem” [20] e, portanto, para além da representação e da interpretação.

 

É provável que tenhamos no próprio anagrama de seu nome, Antschel/Celan, um exemplo de ânsia de poetização [21] de sua condição existencial, na medida em que esse nome, sem dizer coisa alguma literalmente, traz em seu bojo, ou melhor, no jogo com as unidades mínimas do nome, as letras, o enigma de um destino simultaneamente legível e ilegível, apreensível e inapreensível, locado e deslocado, enfim, o signo de uma condição que não se deixa apreender com segurança e facilidade, ou antes, o signo de uma condição marcada pela insegurança e pela precariedade:

 

 

(...) pois o Judeu, você o sabe, o que tem ele que lhe pertença realmente, que não lhe foi emprestado e tomado e jamais restituído (...). [22]

 

Se admitir-mos aqui uma relação de semelhança do poeta com Benjamin, que teria dois outros nomes secretos [23], o anagrama “Celan” foi cunhado por Antschel como que para identificar aquele Eu, cuja identidade pressupõe tanto uma separação de tudo o que fundou sua existência contraditória de judeu-alemão, quanto, pela tentativa de recuperar a distância entendida como fragmentação, uma superação do vazio gerado pela destruição e pela morte.

 

Está claro que me refiro à tentativa do poeta de alçar-se a um Eu que trouxesse em seu íntimo, no nome Celan, o sentido último, poético, de sua própria vivência de judeu-alemão, nos limites de um mundo em eclipse, numa época de destruição, de fragmentação e progressiva morte de referências fundadas, simultaneamente, nas tradições culturais do ocidente e do judaísmo:

 

 

(...)

Schwarze Milch der Frühe wir trinken dich nachts

wir trinken dich mittags und morgens wir trinken dich abends

wir trinken und trinken

ein Mann wohnt im Haus dein goldenes Haar Margarete

dein aschenes Haar Sulamith er spielt mit den Schlangen

 

Er ruft spielt süßer den Tod der Tod ist ein Meister aus Deutschland

er ruft streicht dunkler die Geigen dann steigt ihr als Rauch in die Luft

dann habt ihr ein Grab in den Wolken da liegt man nicht eng [24]

(...)

 

Esse fragmento da “Todesfuge” ilustra, parece-me, bastante bem a idéia de se refletir sobre a poética de Celan em termos de “salto dialético” entre história e estética, para, nos confins da linguagem, procurar extrair, do vivido e do sofrido, a realidade:

 

 

Will man hier weiterkommen, ist erst einmal Celans ästhetische Position strukturell zu ermittel, wobei wiederum besonders zu bestimmen sein wird, wie sich seine Sprachreflexion dem gesamt gesellschaftlichen Prozeß zuordnet. Fast etwas wie ein Schlüssel dafür ist der folgende programmatische Satz des Autors: Wirklichkei ist nicht, Wirklichkeit will gesucht und gewonnen sein. [25]

 

 

E para extrair do turbilhão da história a realidade que lhe confere algum sentido, há de se chegar a um lugar onde começo e fim se equivalem, para religar, no mistério do encontro [26], o “Eu” e o “Outro” – há de se alcançar esse lugar, ao mesmo tempo privilegiado e perigoso.

 

Privilegiado porque a partir dele tem-se a possibilidade de abarcar e abraçar o humano pelo traço que o distingue de todo o resto da Criação – a linguagem tornada poesia, pois os poemas:

 

 

(...) são também, no meio de sabe-se lá quantos caminhos, caminhos nos quais a língua ganha voz, são encontros, caminhos de uma voz para um Tu que recebe, caminhos da criatura, projectos de existência, talvez uma antecipação a nós próprios para nos encontrarmos, em busca de nós próprios... Uma espécie de regresso a casa. [27]

 

 

 

 

 

Mas perigoso, também, porque, como as personagens de Büchner, podemos naufragar no trágico e irônico pessimismo de uma visão fatalista da história. E nesse caso, a própria arte reduz-se, nas palavras de Valério, a:

 

 

Nichts als Kunst und Mechanismus, nichts als Pappendeckel und Uhrfedern! [28]

 

 

Ou mesmo à condição de uma criatura que, no Woyzeck,

 

 

(...) geht aufrecht, hat Rock und Hosen, hat ein' Säbel! Der Aff ist ein Soldat; ‘s ist noch nit viel, unterste Stuf von menschliche Geschlecht. [29]

 

 

No meridiano, no marco zero de uma época marcada pelo signo da destruição, quando todas as conquistas da tradição iluminista resultam na negação do outro, na redução dos povos à condição de massas, na aliança da ciência com a estupidez, em favor de um projeto de sociedade eugênica – enfim, quando triunfa a barbárie,

 

 

a palavra que já não se curva diante dos “cavalos de parada nem dos pilares da História”, [deve ser] um ato de liberdade. [30]

 

 

E é por isso que se pode escrever poesia após o holocausto – poesia que, como Celan pretende, seja a expressão da liberdade e da vontade de nomeação radical das coisas do mundo e não de restauração de sentidos, pela equívoca prática da interpretação. Pois que só assim:

 

 

Talvez o poema seja ele próprio a partir deste ponto... e possa agora, deste modo não artístico e liberto da arte, seguir os seus outros caminhos, e assim também os caminhos da arte – segui-los, segui-los e voltar a segui-los.

Talvez. [31]

 

 

O poeta Paul Celan buscou a morte nas águas do Sena, em abril de 1970.

 

1.Todo homem é um abismo; entontece se se olha para baixo.

2.Apud Walter Benjamin, “Sobre o conceito da história”.

3. Até o momento em que escrevo este exercício, não pude encontrar as referências sobre a negação e posterior afirmação, graças à leitura de Celan, da possibilidade de se fazer poesia após o holocausto, atribuídas a Adorno. De qualquer modo, é a partir dessa questão, colocada no horizonte em que confluem história e estética, que tento refletir sobre o projeto poético do autor de Meridiano

4. CELAN, Paul. Arte Poética – O Meridiano e outros textos. Organização, posfácio e notas de João Barrento. Lisboa: Edições Cotovia, Ltda., 1996, pp 31-32.

5.Cf. op cit. p. 32.

6. Cf. op.cit. p. 34. Cf., também, “Elogio da Distância” em Papoila e Memória. In: CELAN, Paul. Sete Rosas Mais Tarde – Antologia Poética. Edição Bilíngüe com seleção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Lisboa: Edições Cotovia. Ltda., 1996, p.13.

7. “Para apenas muito poucos autores vida e poesia coincidem tão proximamente, como para Paul Celan. Por isso sua obra, dirigida inteiramente ao absoluto, coloca-nos dificuldades de quase impossível solução. Ali encontramos rigorosamente aquilo que, com sua existência, exprime-se na língua.” Cf. BUCK, Theo. Mehrdeutigkeit ohne Maske – Zum ästhetischen Modus de Dichtung Paul Celans. In: Text+Kritik – Zeitschrift für Literatur (53/54). Herausgegeben von Heiz Ludwig Arnold. München: Verlag edition text+kritik GmbH, Juli 1984, p.1

8. Cf. Arte Poética , p.34

9. Cf. Centeno, Y. K., Paul Celan: o Sentido e o Tempo . In Sete Rosas Mais Tarde. Antologia Poética, p.XVI. Vide Bibliografia.

10. Cf. Kothe Flávio René. Hermetismo e Hermenêutica: Paul Celan – Poemas. Introdução, p.18. Vide Bibliografia.

11. Cf. CELAN, Paul. Hermetismo e Hermenêutica: Paul Celan – Poemas II ; Introdução, Tradução, Comentários e Organização de Flávio R. Kothe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; São Paulo: Instituto Hans Staden, 1985, pp 18-19.

12. Cf. LAGES, Susana Kampff. Walter Benjamin: Tradução e Melancolia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. Nesse livro a autora pretende realizar a reconstituição do percurso existencial e intelectual de Walter Benjamin, a partir de sua atuação, teórica e prática, como tradutor. Trabalhando com excelente material de pesquisa, qual seja, o conjunto dos escritos críticos do filósofo berlinense, além de fontes biográficas que iluminam sua trajetória humana e intelectual, Susana peca, do meu ponto de vista, por permitir que sua filiação teórica, de base psicanalítica, lhe imponha articulaçãoes precipitadas, especialmente ao discutir as determinações inconscientes sobre o trabalho da tradução. E é nessa mesma perspectiva que a autora confere um caráter positivo, e a meu ver problemático, à concepção de tradução como transcriação, consoante as “visões” dos fundadores do movimento da Poesia Concreta.

13. Cf. Arte Poética, p.34

14. Cf. “O Meridiano”, in Arte Poética , p.56.

15. Op. cit. p.57.

16. Idem, p.57.

17. Idem, p.58.

18. Idem, p.57.

19. BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito da história”, in Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras Escolhidas, Volume 1. São Paulo: Editora Brasiliense S.A., 1985, pp.229-230.

20. Cf. “O meridiano”, op. cit., p.56.

21. “Apenas para recordar dois “precursores” no processo de decompor a identidade na escrita e cuja obra evidencia a conseqüente dificuldade do escritor moderno em separar a dimensão da escrita, do “gráfico”, do elemento “autobio gráfico ”: Rimbaud ( o famoso “Eu é um outro” ) e Kierkegaard, que escreveu sob diversos pseudônimos. Entre os contemporâneos que expuseram na sua escrita essa problemática, cito evidentemente Fernando Pessoa (...) e Franz Kafka, cuja obra não pode deixar de ser lida sob o prisma autobiográfico, como mostram as leituras mais recentes ( mesmo a leitura de Benjamin de Kafka articula sutilmente aspectos da bio grafia do autor ).” Apud Lages, op. cit., p.109.

22. CELAN, Paul. “Conversa na Montanha”. In LINS, Vera. Poesia e Crítica: Uns e Outros . Vera Lins. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 53. A tradução de “Conversa na Montanha” é da autora.

23. “Os anjos do Talmude, míticos, dão origem a um mito pessoal do escritor Walter Benjamin, fundado em um suposto outro nome secreto, além daquele com que seus pais o teriam nomeado, de acordo com antiga tradição judaica (...).” Apud Lages id., p. 105.

24. “Leite negro da madrugada nós te bebemos de noite / nós te bebemos ao meio-dia e pela manhã nós te bebemos ao entardecer / nós bebemos e bebemos / um homem mora na casa teu cabelo dourado Margarete / teu cabelo cinzento Sulamith ele brinca com as serpentes / Ele berra toquem mais docemente a morte a morte é um mestre vindo da Alemanha / ele berra toquem mais sombriamente os violinos depois subam feito fumo no ar / depois tenham uma cova nas nuvens onde não se jaz apertado” (Tradução minha). Cf. CELAN, Paul. Sete Rosas Mais Tarde, op. cit., p. 16.

25. “Avancemos aqui para averiguar a posição estética estrutural de Celan, pela qual, em contrapartida, determinar-se-á especialmente como sua reflexão sobre a língua articula o processo social como um todo. Quase como uma chave para isso, há a seguinte máxima programática do autor: Não há realidade, a realidade quer ser buscada, conquistada .” Cf. BUCK, Theo, op. cit., p 1.

26. Cf. CELAN, Paul. Arte Poética , p. 57.

27. Cf. Arte Poética , p.61.

28.“Nada além de arte e mecanismo, nada além de papelão e mola de relógio”. Cf. BÜCHNER, Georg. “Leonce und Lena ”, dritter Akt, dritte Szene, in Werke und Briefe . Gesamtausgabe. Neue, durchgesehene Ausgabe. Herausgegeben von Fritz Bergemann. Wiesbaden : Insel-Verlag, 1958, p. 144.

29.“... anda ereto, usa casaco e calções, e tem uma espada! O mono é soldado; ainda não é grande coisa, está no nível mais baixo da raça humana.” Cf. BÜCHNER, Georg. “Woyzeck”, op. cit, p. 155.

30.Cf. Arte Poética , p. 45. Segundo nota de João Barrento, a frase entre aspas é citação feita por Celan de uma carta de Büchner à sua noiva, em março de 1834.

31.Idem, p. 54.

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