Por uma holística da vida:
Caio Meira e a poesia como corporeidade [1]
Igor Teixeira Silva Fagundes *
“concebo um corpo de acolhimentos”
Caio Meira [2]
Na moldura de uma linha de pesquisa intitulada “Poesia e Pensamento”, trazemos à baila da área de Poética a poesia de um autor contemporâneo, Caio Meira. Uma literatura academicamente virgem, prenhe da espera pelo desafio e sedução que configuram o penetrar a pele do ainda casto. Desafio e sedução de penetrar uma poesia que, na alusão ao corpo e à vida – aqui também referenciados pelos vocábulos “virgem”, “prenhe”, “penetrar”, “pele”, “casto” – abre caminho para um projeto que os entrecruze poeticamente. Que os entrecruze com a complexa dinâmica do fazer poético. Vida. Corpo. Poesia. A dinâmica aqui ensejada vem retirar esses pontos finais, a finalidade dos pontos, os estancamentos entre cada um desses três universos, posto que o universo é, na redundância que nos chega necessária, uno, única linha. Um uni-verso, uma poética de unificações é o que enseja o poeta goiano Caio Meira, na qual poesiavidacorpo escrevem-se juntos, em uma indiscernibilidade que dispensa o uso de hífens para abdicar de qualquer fronteira. O fragmento abaixo de “close to the bone” [3] (expressão importada de Thoureau e que pode ser traduzida por “colado aos ossos, ao tutano”), na abertura do terceiro livro do poeta é, de algum modo, paradigmático desta poética da porosidades e acolhimentos:
nem sei que tipo de limite representa a pele, se me separa
da madrugada ou me une a ela
se o frio que sinto nesse vidro me pertence ou sou eu que
pertenço ao frio ou ao vidro, ou se o ponto em que tudo se
entrelaça surge apenas para desaparecer
Defendemos [4], assim, a pertinência de buscar, em um autor contemporâneo, o próprio pensar contemporâneo, tendente agora a um posicionamento holístico [5] perante a vida. Melhor que isso: a um não posicionamento perante a vida, a um não fundamento último, a uma mobilidade e flexibilidade cognitivas. A uma indagabilidade exclamativa. Vida como movimento e exclamação. Corpo como movimento [6]. Movimento como poiesis , cri- ação . Com isso, queremos ultrapassar os limites do que se convencionou emoldurar como “Poesia e Pensamento” para um trabalho que amplie, holisticamente, a noção de pensamento para uma noção de corporeidade. Uma nova moldura: “Poesia e Corporeidade” e, conseqüentemente, um rompimento de molduras. Em diálogo com o projeto de pesquisa “Literatura e Filosofia: uma escrita da vida” [7], alargamos este domínio do filosófico e do literário para uma escrita que, querendo-se da vida , sobre a vida, não pode prescindir do “corpo-a-corpo” entre ciências humanas e naturais, artistas e cientistas, poeta e pesquisador. Literatura e filosofia que, querendo-se bio - grafias , são antes bio - logias . Estudos da vida. “Poesia e corpo: um estudo da vida”, poderíamos rascunhar. Poesia e corpo: um és-tudo da vida, suporíamos no trocadilho. Em outro extremo, concluir-se-ia que, sendo o tudo da vida, nada na vida é poesia. Mas “o poema está à vista / ao alcance da mão” [8]. No oco da mão . É nesse oco, nesse nada, nesse não-ser em iminência de ser, nesse oco à espera do preenchimento, da irrupção; nesse movimento sem repouso que se vislumbra (se encorpa, se incorpora) a criação. Oco da criação. Oco em que se dá a criação: “todo oco que funciona, abriga e expele, luta e respira” [9]; “desmesura encorpando o vazio, rarefação do / instante em movimento” [10]; “sintaxe do motim, à proa do vácuo absoluto” [11].
Caio Meira rascunha, enfim, encomeço , no durante de uma “ entropia ” [12], sua “ física experimental” [13], sua “introdução à ciência do afago” [14], sua poesia “ epidermática ” [15], dos “ ângulos da mão para abrir a onda” [16]; “ geografia de um corpo na extensão da areia” [17], “ venérea ” [18]; um “discurso [por vezes] afásico ” [19], uma “paisagem para um eletrocardiograma ” [20]. O poeta está a nos propor uma biologia da poesia-corpo, logos de corpo e poesia que é a bios , escrita, ou melhor, a escrever-se, escrevendo-se, és -tudando-se de maneira não binariamente filosófico-poética, mas holística. De maneira transdisciplinar, interdisciplinar e, desse modo, contemporânea: notem-se as palavras “entropia”, “física”, “ângulos, “geografia”, “ciência”, “venérea”, “afásico” e “eletrocardiograma”, que costuram uma poética pantificada no entre-saberes, no “entre-fôlegos” [21] da matemática, da geometria, da física, da medicina, da geografia, tudo isso “ close to the bone ” [22], colado aos ossos, ao tutano.
Nesse movimento ininterrupto de entres (“acordo e durmo entre membranas impalpáveis” [23]; “entre o chão e o aro” [24]; “entre a sede e água” [25]; “entre uma linha e outra” [26], para citar alguns trechos exemplares), emerge a perplexidade tornada terra e adubo do poético, semente e fruto da poesia, sementefruto de poesia: sementefrutopoesia , de tal modo que, na ausência dos hífens, coubesse alguma ínfima lacuna capaz de estabelecer a troca comungadora entre cada palavra, imagem e significância. Como se o fazer poético fosse a própria perplexidade de flagrar o hiato em que nos encontramos com o mundo e em que se encontram palavra e coisa, como se tudo – nós, vida, mundo, coisa – estivessem ainda e sempre por se fazerem, por completar esses pequenos grandes hiatos, atos ínfimos e íntimos, infinitos de sugestividade, motiv ação . Caberia ao poeta, então, o ir e vir por estes vãos do encobrimento, o inter vir nesta procura pelo originário, pelo início em perpétuo iniciar, quando os homens não haviam traçado hífens, formulado separações, distinções, classificações, dicotomias. Caberia ao poeta – e o faz a presente poesia – o retorno ao caos original, à gênese caótica e, por isso, sempre feita de busca, propulsada na multiplicidade de sentidos/direções e no alarme da ausência de sentidos/significados: “coisas sem sentido (...) me compõem” [27]. Daí se explicaria sempre o provisório, o transitório da individuação e da polissemia das palavras, ambos em processo de deslocalização, despersonalização, misturando-se às partículas intracorporais e à roupagem de outras personas – como observamos nos poemas em que a voz do poeta é de Marylin Monroe, Billie Holiday e Emily Dickinson – na mesma fluidez do móvel e contingente: “agora falo como se viesse de parte alguma” [28], deslocaliza-se.
Uma poética do entre também lingüisticamente, em seus entrecruzamentos idiomáticos, culturais, literários: versos em português, sim, “but emily dickinson” [29] torna-os híbridos, no duplo sentido – lingüístico e semântico –, na alteridade dos idiomas, da cultura, a poesia de Meira e Dickinson em provável entrosamento identitário. Versos em português “se não fosse a Sorbonne” [30], se não fossem “gare du nord” [31] e “gare de l'est” [32] em “uma estação em paris” [33]. Versos que falariam de “M. S. [Maria do Socorro], quarenta e tantos anos” [34], se não fosse “a terceira morte de M. M. [Marylin Monroe]” [35].
Uma poesia globalizante, mas, antes, globalizada, pois seria de Caio Meira, se não fosse do corpo , do corpo que está presente em todos, do corpo-presente de todos, no entre-corpos de tantos, já que “infinitas vidas podem passar: retas, cortes, a / sentença derradeira” [36]. Vidas, retas, cortes como os de Ferreira Gullar, em “Poema para Gullar” [37]; Edmond Jabès, em “escritos que leio no escuro” [38]; Nietzsche, também em “escritos que leio no escuro”; Rimbaud (no intertexto com o título do livro Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer [39] e com o título do segundo bloco, “Outras vidas, a mesma” [40], do mesmo livro); Emily Dickinson, em “but emily dickinson” [41] e em “the odd lady” [42]; sem contar as epígrafes intertextuais – ou intercorporais – de Thoureau ( We are all sculptors and painters, and our material / is our own flesh and blood and bones [43]), Dante ( Non vi si pensa / Quanto sangue costa [44]), Edmond Jabès ( Nous sommes dans nos mains ou em plein océan , verso que abre Corpo Solo [45]) e F. S. Fitzgerald (“Há várias maneiras de um homem rachar”, na abertura do bloco-poema “prosa do chão” [46]).
Uma poética que, enfim, encomeço , no durante de seu “moto-contínuo para a cidade” [47], abriga “tudo que entra pela janela do olho” [48] e onde “cabem até os estampidos que ninguém ouviu” [49]. Poesia que, mesmo quando centrada no si , no corpo, projeta-se para o outro, para outros corpos, para o fora: “em cada corpo, um afluente” [50]. Poesia e poética em que não mais se diferenciam “eu” e “outro” – “Outras vidas, a mesma” [51] é o título do segundo bloco de poemas em Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer , sinalizando para esse apagar de “intervalos, separações” [52] já anunciado em Corpo Solo e que inviabiliza a existência ou fixidez de um dentro e um fora , como se depreende, por exemplo, em “escrito sobre minha cara” [53]:
não pense [...] que fico do lado de dentro da cara, amarrado,
carrancudo: a cara não presta para separar dentro e fora, eu e outro,
meu e alheio
a cara, esse lugar como outro lugar, acontece mudar ao sabor de muitas
coisas do mundo
[...]
por isso a cara não mascara nada, nunca mente, só mentiria se de fato,
descarada, houvesse um único habitante nesse corpo que chamo meu
corpo, se uma só pessoa viesse olhar através do cristalino dos meus olhos
[...] matriz mutável de todas as caras daqui até o fim de tudo o que vier
acontecer em sua superfície [...]
Temos, nesse caminho conceptivo, a poesia acenando-nos como ação cognitiva, cognição como percepção-movimento, como o próprio ser-sendo enquanto linguagem: razão e emoção intercomunicadas, corpo e mente integrados, dentro e fora unificados [54], ciência e arte re-unificando-se: “metabolizo rostos e teorias em meio à confusão de lembranças / despropositadas, entre secreções sebáceas, tubos, alvéolos e histórias acumuladas” [55]. No indiscernível entre natureza e cultura, o poeta Caio Meira parte do corpo ao corpo, do corpo ao mar, do mar ao corpo, aos corpos do urbano, pesquisando o cotidiano como que a inventá-lo, mundanamente: “percorro os dias que meus olhos sujam”, lê-se em “prosa do chão” [56]. No entrelaçar dos saberes, a poesia pesquisa os macros e micro-corpos que formam o corpo uno da vida. Poeta-pesquisador, cientista poético que, ao embeber-se de um sentimento de mundo, ao superar o modo dominante de vê-lo, cria seu caminho, seu uni verso, seus próprios “ofícios para cavar algum destino” [57].
Trata-se de um ofício em que o vivido é pesquisado, o pesquisado é vivido e literaturizado, em que o pesquisador-poeta bebe em todas as fontes, deixa-se penetrar por outros ofícios – “tudo poderia ser geografia, economia, ortodoxia, taxionomia de órgãos propulsores”, escreve-se em “ornitorrinco” [58] – , já que, uma vez complexo, tal processo de “cavar algum destino” pontua a riqueza que há no viver e a negação da verdade única – na “dicção das certezas esfoladas”, conforme o poema 7 de “prosa do chão” [59]. Ofício que assume a importância de lidar com a diversidade, o diferente e o heterogêneo: “não me contagio onde não cabe o volume do meu / risco” [60].
A poesia-pesquisa-pensamento de Caio Meira envolve-se no cotidiano e coloca-se no lugar e no espaço do outro para conhecê-lo e conhecer-se, pela trilha da empatia. O poeta, em atitude clínica, aproxima-se, funde-se e distancia-se, a um só tempo, de tudo e todos (mesmo estando em tudo e em todos) para sentir-criar seus significados autorais ou, de modo mais amplo e flexível, sentir-criar suas (in)significâncias: “apesar de meus olhos e meus pés se considerarem auto-suficientes na avaliação das distâncias, acabo sempre por tropeçar numa pessoa ou numa pedra”, revela em “pequeno sutra da mais completa ignorância” [61].
Endossando este teor científico-poético do trabalho em questão, percebem-se, na trilogia de Caio Meira ( No oco da mão , Corpo Solo e Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer ), marcas de uma antropologia social, como observamos no terceiro livro, em poemas como “empirismo na Zona Norte” [62] (“e num desses dias, ele acorda querendo colocar um som mais potente no carro” [63]); da psicologia (como na investigação do psicossomatismo dos afetos e linguagem encarnados no corpo solo : “todos que sorriem comigo nas gengivas já se foram”; “minha voz, agora, carranca de assustar criança”; ambos no poema 8 de “prosa do chão” [64]; ou em “subsisto nos arredores do que digo e do que penso, / na tensão de cada ferimento”, versos de “gare de l'est” [65]); da psicanálise (“minha fome possui abismos devassos” e “a mão estendida prolonga vontades subterrâneas”, no poema 7 de “prosa do chão” [66]); ou de uma arqueologia de vivos (“recolho indiferenças e resíduos de sorrisos” [67], no poema 5 de “prosa do chão”), de uma arquitetura “de pasmos” [68], de uma ciência neurocognitiva (“posso avançar por sinapses” [69], no poema 3 de “prosa do chão”); da anatomia (“precisa-se de todo o corpo para vê-la, junta, prega”, em “introdução à ciência do afago” [70]); da bioquímica e fisiologia (“acordo e durmo entre membranas impalpáveis, com enzimas, autoregulações e imponderáveis combustões” [71]); da teologia (depois de “Prefácio” [72], o poema do primeiro livro No oco da mão é “Teologia” [73] e, na mesma coletânea, estão “Limbo I” e “Limbo II” a evocar o – mundanizado – divino [74]), disciplina do conhecimento em que religião e ciência se reencontram na aproximação do filósofo a Deus: “a voz do hiato / aquarela – acorde do verbo / que nasce” [75].
Se resgatarmos o que foi aqui destacado como reunificação entre ciência e arte e relermos o que agora se alude como reencontro entre religião e ciência, teremos, definitivamente, como eixo de abordagem, esta dimensão holística da poesia de Caio Meira e – arriscaremos – de toda poesia: “espero a calma das misturas”, revela no oitavo poema de “prosa do chão” [76]. E ao mesmo tempo que o poeta incumbe-se de conhecer, pelo e no corpo, a vida pelos caminhos científico-poéticos, ele impõe-se, nesse percurso, ao conhecimento do próprio ser. Confunde, desse modo, nesta bio logia poética, três vieses filosóficos: a epistemologia, a ontologia e a teologia. Leva-nos, enfim, a uma ontogênese, a um fazer-ser , em que a busca pela origem é uma criação da própria origem: cria-se a criação, poética da poética, criação literária e criação divina em processo de sinonímia. Religiosidade, no sentido de re-ligamento.
Em “Teologia”, o poeta celebra a gênese da palavra no oco do mão . Na gênese da palavra estaria a gênese do universo, como leríamos no Evangelho do apóstolo São João. No princípio, era o verbo. Mas, no segundo livro publicado, Corpo Solo , o mesmo poeta é quem “teoriza” em “versículos gemelares (gênesis)”: “num princípio não havia verbo, nem cisne, nem eco, / e era somente pele sob a face do abismo, fluido / despertando tecido, / e então as sementes se abriram em destino, primeira força no caminho da manhã” [77]. Caio Meira está a nos remeter a uma concepção de origem como movimento perpétuo, a criação como linguagem maior do que a palavra, também palavra, mas anterior a ela, tal qual a ciência pode nos informar em contraponto ao criacionismo bíblico. E tal qual podemos interpretar o despertar-movimento da poesia que, antes de resultar em poema, manifesta-se no corpo (como corpo), na percepção, sensorialidade e motricidade. Poema que é efeito desse mesmo processo sensoriomotor e cognitivo, uma vez que, no movimento corporal, também as mãos em movimento, a escrever o que delas escapa, o que excede, o que se quer dentro e fora em novos movimentos e nascimentos, e pede que seja nomeado para que se consolide conhecido. O que precisa de palavra como consolidar, consagrar de uma dinâmica intracorporal, intercorporal. Corpo e mundo se criando mutuamente, poetizando(-se), o indizível querendo-se dizível, o dizível apontando para o indizível, para a eternidade desses gerúndios, de modo que – tal qual se lê no último verso de “versículos gemelares (gênesis)” – “nunca mais houve o sétimo dia” [78].
Sabemos que a leitura de um escritor sobre sua própria obra não exerce autoridade sobre outras interpretações e sentidos atribuídos. No entanto, a entrevista de Caio Meira à revista eletrônica Seomário , ao falar de poesia, faz poesia. Podemos, conseqüentemente, tomá-la não como desvelamento banal da palavra do poeta, mas parte de sua literatura – palavra poética. O poeta responde às perguntas poeticamente , ou seja, impregnando o discurso de insinuações, reticências, trocadilhos, digressões, pensamento inventivo, imaginação criadora. Em dado momento da entrevista, o entrevistador Rodrigo de Souza Leão, na revista Seomário , pergunta: “O que seria o sétimo dia? O tempo nasceu no sétimo dia?” [79], referindo-se ao poema “versículos gemelares (gênesis)”, ao qual nos aludimos. Caio lembra que o “sétimo dia bíblico foi o dia do descanso, do repouso depois da criação”, mas que isso “trata-se de um equívoco”:
Quem pode criar verdadeiramente alguma coisa e depois sossegar, isto é, sair do âmbito e das conseqüências do que foi criado, estar, mesmo que por um breve período, livre do açodamento próprio à criação? (...) Quem cria abole no mesmo ato seu sétimo dia. É possível a um pai deixar de ser pai, mesmo que por um instante, mesmo que sua criatura pereça? Paternidade significa esse engajamento perene, eterno, que não se desfaz com o tempo. (...) Para o poeta, não há o sétimo dia. (...) Do ponto de vista poético, não há sétimo dia, não há como não ser instigado, aguilhoado, pelas tentações da criação e da criatura. Nesse sentido, o tempo não nasce do sétimo dia, mas do próprio ato criador, já que não há tempo possível antes da criação. [80]
Assim, na concepção da criação como devir, como processo mais do que produto, Caio Meira constrói, ao longo de toda a entrevista, uma poética do corpo em movimento. “Aonde mora a poesia?” é a primeira indagação feita a Caio, que salienta a sutileza do “aonde” no lugar de “onde”, já que “onde” sugere repouso e “aonde” aponta para um deslocamento, para um lugar ao qual se direciona o movimento, para o lugar em movimento que é, enfim, a própria corporeidade. Responde:
Normalmente, ‘aonde mora' seria a união de duas noções em aparência antagônicas, a de busca e do repouso. Mas na poesia há sobretudo um engajar-se por regiões paradoxais, fronteiriças: a eloqüência do silêncio, vôo e pouso conciliados num mesmo movimento, nascimento imbricado na morte, ou seja através dessa fissura da linguagem, apresentar o que já está escapando. [...] A casa da poesia situa-se na instabilidade de morar no próprio movimento de partir, nesse estar/não-estando que encontra “abrigo na hora instável da madrugada”, isto é, morando “aonde” prevalece o movediço e o mutável [81].
Em dado momento, quando a Seomário , na voz de Rodrigo de Souza Leão, pergunta-lhe sobre a mobilidade de sua poesia, Caio retruca: “Mas toda poesia é móvel! [...] na imobilidade não há surpresa, não há espanto, não há susto” [82]. Temos, em toda a mínima – porém, vigorosa – obra de Caio Meira, um verdadeiro ensaio de teoria poética paulatinamente sugerido e apresentado, versos de evocação motora, sintéticos do ato criador, autopoéticos, tais como em “cada braçada vence uma tempestade” [83], “com os punhos cerrados / na arena” [84], “aparar o rumo no marulho, conter o afogamento / do braço” [85], “pelo barulho dos músculos entreabertos escapam tensão e movimentos” [86] “a anos-luz do calor que vibra esses ossos” [87]. Ao encontro do mar, da terra, do ar, do fogo. Unicidade da natureza, com a natureza e, a um só tempo, com a cidade, na cidade. Em sua poesia, andar pela cidade (“a rua que mora em meus braços tinge meu sonho / de betume” [88]) é buscar o “lugar em que a vida pulula em todas as suas formas e velocidades, na diversidade plena de movimentos sem antagonismos” [89]: “abro o fôlego cosendo luz em gente e rua”, declara o poeta em “velocidades para o passeio público” [90].
Em “tudo aqui circula e redunda, robusto e a pino, / descalço borbulha, trabalha” (de “geografia de um corpo na extensão da areia” [91]), o esboçar da noção de circularidade. Corpo e poesia tornam-se criadores um do outro em ação simultânea (diacrônica e sincrônica), circular, isto é, corpo e poesia autocriam-se. Divinificando-se, divinificantes, remetem-nos ao divino imanente das tradições orientais, mais do que ao transcendente das doutrinas ocidentais. Se há Deus, se Deus é esse círculo, difunde-se circunferência de modo centrífugo e não centrípeto, isto é, afastando-se do centro e não voltando-se a ele. Invertem-se, assim, no apagamento dos centros, na inexistência de um centro-deus, os postulados tradicionais, concebendo-se um Deus pluralizado, compreendido no entre , na inter-relação dos seres, na mobilidade: “essas perturbações chegam por todos os lados e meios” [92]. Por isso, cada coisa que existe, existe em trânsito, na possibilidade e contingência de ser outra e outra coisa, ad infinitum , circulando nessas periferias e infinitudes circulares, espiralando-se, mobilizadas pela e na criação. Nesses espaços excêntricos, nesses entre-lugares, nessas permeabilidades e deslizamentos, vislumbra-se a “Teologia” do poeta, que, tal como nos versos desse mesmo poema, avisa que “não vamos ao cume da montanha gelada / nem vimos o sol acima das nuvens” [93]. Não é preciso olhar para o alto, viver com os olhos voltados para o céu, apontar para um centro, transcender, posto que nada está além, longe, separado, centralizado, mas rente, encarnado, imanente, embora na iminência do disperso, do poroso: “na língua, repleto de ermos, o impronunciável / gosto da proximidade” são versos que confirmam tal imanência no poema 1 de “prosa no chão” [94]. Eis o distante no corpo. O desconhecido no conhecido. Eis a mobilidade. Deus nas mãos com a palavra nas mãos. O sol nas mãos, “dentro da gaveta” [95]. Ou ainda, conforme o poeta narra na entrevista disponível em seu sítio virtual: “o sol é o tempo, em todos os sentidos, o meteorológico, o do transcorrer da vida, o do amadurecimento dos filhos e frutos [...] Todos os poemas transcorrem sob o sol, mesmo estando dentro de gavetas, de estantes ou de livros, ou ainda nascente na cabeça ou na ponta da língua” [96]. Caio Meira sintetiza em “close to the bone”: “sei apenas que sou permeável a esta manhã que desaba seus / vermelhos por prédios e morros, por muros e árvores” [97].
Deus, portanto, materializa-se, revela-se no permeável das mãos, metonímia do corpo do homem. Deus e sua “lei da contigüidade” [98], no “arranque secreto do riso” [99], “na maquinaria arraigada do fôlego” [100], no biológico, no científico-poético, “rangendo nas articulações” [101], na unicidade de corpo e mundo e dos quatros elementos da physis (água, ar, terra e fogo), assim deduzida em algumas passagens: “outros dias o mar invade, empuxo que arranca viagens” [102]; “ água misturada no sangue, golfada” [103]; “ água e vento estourando na armação do riso” [104]; “ areia imprimindo tempo no anteparo dos olhos” [105]; “escutando no raso da terra o trabalho da areia , a / vigília da calçada, a canção do mergulho , / aprumando ventos que levam e trazem” [106]; “ terra roxa dentro dos pulmões” [107]; “no carburador que fuma ” [108]; “os redemoinhos de fogo ” [109]; “todos foram queimados ” [110].
A natureza é “pesquisada” por Caio Meira por ser lugar da potência na qual tudo e todos se movem. Physis é melhor palavra do que natureza, tradução imprecisa para o português, pois não dá conta da dimensão grega que conota physis como o que merece ser pensado, aquilo que dá ao pensamento (e aqui, na nossa abordagem, aquilo que dá à corporeidade) seu caráter originário. O mar estará quase sempre ligado à incorporação do sujeito nas águas que o transformam em ser aquoso, conforme se depreende em “percursos no interior da água” [111], “ângulos da mão para abrir a onda” [112], “mar antigo” [113], entre outros poemas de Corpo Solo . Curioso também o título do livro, em que solo evoca o monólogo poético do corpo (um “solo de corpo”) o qual, em verdade, nunca se mostra solo , dado o diálogo – em vez de monólogo – com o circundante acolhido. A fala é do corpo do poeta, mas também é do mar, do vento, do fogo e do solo, este último permitindo outro trocadilho: corpo solo como poética de um corpo que é solo, base, chão, rachadura ou – para resgatar o nome de um dos blocos do livro – corpo que é “prosa do chão” [114]. Corpo solo , chão, lugar em que se movem outros corpos, e corpo-água, fluido, permeável a todos esses movimentos. Note-se a referência marcante ao mar neste livro que batiza o corpo como solo (de sozinho e, a um só tempo, naturalmente acompanhado; e solo de terroso, solo a umedecer-se para que se faça aquoso, fértil, criador).
Nesse processo intercambiante, o devir, bem como pensado por Gilles Deleuze. O devir homem, ou melhor o devir-poeta em cruzamento com o devir água, com o devir fogo, o devir terra, o devir vento e vice-versa. Devir animal, devir vegetal, devir mineral. E devir Emily Dickinson (“but emily dickinson” [115]), devir Edmond Jabès (“escritos que leio no escuro” [116]), devir Marylin Monroe (“a terceira morte de m. m.” [117]), devir Billie Holiday (“gardênias para eleonora” [118]). Devir entendido como translocalização de toda contingência e de todo condicionamento por meio da predicação em atividade liberta: a voz (o corpo) que fala no poema é a do poeta e é a dos tijolos, da fila dos caixas, dos carburadores, do sol, das membranas, das partículas, de Marylin, Billie, Jabès, Dickinson e de um concerto tramado por todos esses elementos/personagens. A permeabilidade como possibilidade da heteronímia. Nesse embaralhar harmonioso de sons, o jogo de vozes, acordes em que a materialidade conhece o imaterial; nesse avançar dos limites do movimento, nessa tentativa do deslimite é que o poema pode nascer. Ou ainda: no deslimite é que o poema nasce. A vida nasce. Nasce um mundo.
A fidelidade a esse entrelaçamento de forças permeáveis, sugerida também pela fidelidade aos quatro elementos da physis nasceu na Antigüidade com os primeiros sistemas metafísicos dos pré-socráticos. Na cultura ocidental, a doutrina dos quatro elementos é uma das idéias mais persistentes, perpassando a antiga medicina hipocrática (aqui, de novo, a referência biológica na cultura e na criação), cujos fluidos corporais são humores associados aos elementos e ainda informa doutrinas esotéricas que persistem em nossos dias [119].
Desse modo, se, primeiro construímos uma ponte com as filosofias do Oriente na concepção holística do ser, agora a costuramos com a tradição ocidental e pré-socrática. Em síntese, a poesia de Caio Meira consegue, em seu desfazimento de contrários (“híbridos de tudo e nada” [120]), costurar não apenas ciência, arte, religião, mas correntes estanques dentro de cada uma dessas esferas (como ciências humanas e naturais; epistemologia e ontologia na filosofia; fé ocidental e fé oriental e, como veremos, poema e prosa na esfera da arte literária, dado o apagamento também das fronteiras entre gêneros literários que ele propõe em sua estética holista).
Na linguagem mitológica de Empédocles, Zeus corresponderia ao fogo, Hera ao ar, Edoneu à terra e Néstis à água. Existiriam quatro elementos materiais ligados aos deuses olimpianos, sujeitos a mudanças alternadas, ora misturados pela força agregadora ( Philias , o amor), ora separados pela força desagregadora ( Neikous a discórdia).
Assim, mesmo consciente de uma força agregadora na vida (que é a vida), a poesia de Caio mostra-se consciente também da singularidade do humano, a despeito de toda a sua animalidade relembrada no enfoque poético aos estímulos corporais, sensíveis, biológicos. Mostra-se, em seu exercício cognitivo, ciente de que, a despeito de toda a comunhão própria do ato de conhecer/ser, o homem difere-se no livre-arbítrio de pensar-se como possível descomungado e desconhecido. Por meio da própria linguagem que o faz perceber-se em comunhão, descomunga-se no próprio gesto de refletir sobre ela e sobre si. É o único que pode abstrair-se (“visto-me de retiros” [121]; “prossigo meu despovoamento” [122], diz o poeta em poemas de “prosa do chão”). É o único animal que, no indiscernível entre razão e emoção, pode distanciar-se intelectualmente daquilo em que se encontra corporalmente envolvido, com que organicamente está integrado. Relembrando Heidegger ou mesmo Schopenhauer, apenas o homem morre. Os demais seres vivos findam, pois somente o homem vive a morte como morte. E é a consciência da finitude que lhe permite perguntar-se acerca do sentido da vida (“algo para se fazer da vida: meter uma bala nos / miolos / (...) / valer-me da forme, do ócio, da fuga”, em “gare du nord” [123]). De modo que, na contramão cultural da força agregadora natural ( Phillis ), alimente-se da discórdia ( Neikous ), do questionamento do que é a vida e ele próprio, a pôr em dúvida e desagregação a própria naturalidade da força agregadora. Daí resulta a dúvida ontológica em meio à aventura poético-epistemológica. O homem, à medida que é , conhece. À medida que conhece, é. E ele é num movimento de ser outro e voltar ao mesmo, voltar ao mesmo para ser outro (remetemo-nos aqui ao já salientado devir heteronímico do corpo). O homem-poeta, à medida que é e conhece, é quem melhor faz do outro o mesmo na aventura criadora e heteronímica da linguagem. Parafraseando Manoel de Barros, poesia é “a ocupação da Imagem pelo Ser” [124]. Nessa perspectiva, o modo de estar no mundo não se separaria daquilo que seria o modo pelo qual o mundo aparece, bem como o modo pelo qual o mundo aparece seria o modo de o sujeito perceber-criar esse mundo. Todo fazer ( poiesis ) é um conhecer e vice-versa, conforme Spinoza [125], um dos pioneiros da contestação ao cartesianismo que tornou antagônicos corpo e mente, razão e afetos.
Acrescentem-se, ainda, as ponderações de Renato Rezende e Francisco Bosco em suas resenhas sobre Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer . Aquele escreve: “o livro, enfim, fala do sentido da vida. Algo que está sempre nascendo” [126]. Bosco ressalta: “não se trata de uma abordagem ontológica (como, por exemplo, no ‘partido das coisas', de Francis Ponge), mas sim de uma tomada de distância como forma de conhecimento – o livro se retira do mundo, destaca-se dele para que, através do estranhamento da distância, possamos experimentar a proximidade: conhecer”. [127] A fala de procura por uma verdade original (“para alcançar a efervescência”, como em ”gare du nord” [128]), de celebração do nascimento da palavra, da eclosão do corpo, da verdade do corpo, vai ao encontro de um conhecimento do ser que não se pergunta sobre o que é o ser. Conhecimento de um ser que se desvela em seu próprio processo de procura pelo desvelar. Caminho que se escreve ao caminhar: “a mão desgovernada sondando cada vertigem cada tentação”, escreve-se em “física experimental” [129]). Sentido que se constrói sentindo. O próprio ato de conhecer (sentir-pensar), a própria “pesquisa” poética a que nos referimos ao longo destas páginas revela o que é (o) ser sem que se preocupe em dizer: “isto é o ser”. O ser se revela no gesto das unificações, nas instabilidades sísmicas do corpo e(m) mundo, na ação, na “sintaxe do motim” [130], nos “vetores de força” [131], em que tudo “viola a trava dos sentidos” [132], “na incerteza primitiva” [133]. De novo em Heidegger, citando Heráclito, o que “sempre vive” é o que “sempre surge, o que sempre se desvela, em última instância, a própria fuvsi” [134], physis . Mas “surgimento já tende ao encobrimento” [135], conforme dita o aforisma heraclitiano. E de novo, em paráfrase com Manoel de Barros: “criar sempre começa no desconhecer” [136]. Intertexto entre Heráclito, Manoel de Barros e Caio Meira? Sim, porque, o livro Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer , de Caio, é um desdobramento, em alguma medida, do Livro das ignorãças , de Barros [137]. O verso “Ocupo muito de mim com meu desconhecer” [138], do escritor pantaneiro, é uma viável epígrafe para o poeta goiano. Sobretudo em seu terceiro livro, a exemplo de poemas como “pequeno sutra da mais completa ignorância” [139]:
não sei migrar para o sul quando chega o verão, nem caminhar
sobre o carvão em brasa
carroças já não passam por minha boca
desconheço regras de retórica, o manejo de sombras, tipos
exóticos de peixes, datas e aparatos de cerimônia
sei que tenho 32 dentes, leio livros e jornais, vou ao mercado e
ao cinema, escuto música clássica e popular, e posso dizer de cor
os números dos meus documentos, além de uns poucos poemas
aprendidos há muito tempo
teimo também em me lembrar dos conselhos dos amigos, que
permanecem vagando desacertados entre frases que de algum
modo saltam prontas de minha garganta
não posso, apesar de grandes esforços, distinguir o fútil do
necessário, o que me vale tantas horas misturando fadiga e
prazer
nenhum balanço pode ser feito
apesar de meus olhos e meus pés se considerarem auto-
suficientes na avaliação das distâncias, acabo sempre por
tropeçar numa pessoa ou numa pedra
Conforme argumenta Renato Rezende na citada resenha disponível no sítio virtual do autor analisado, “apesar de declarar sua completa ignorância sobre a existência (‘sei que tenho 32 dentes, leio livros e jornais, vou ao mercado e ao cinema, escuto música clássica e popular, e posso dizer de cor os números dos meus documentos, além de uns poucos poemas aprendidos há muito tempo'), o poeta aceita-a em seu evidente mistério” [140].
O Cachorro de Rimbaud e, agora, Cachorro de Caio, poderia responder a pergunta que interessaria apenas “ao tablóide inglês”: “qual o sentido da vida?” [141]. Mas ao poeta isso não importa, conforme é lido nesses versos de “entre-fôlegos de um basqueteiro solitário”. E também nestes: “há tantos arremessos, encontros, chutes, medidas / e coisas sem sentido que me compõem, habitam os passos e os intestinos” [142]. No poema seguinte, “... mas prefiro ficar calado”, ao invés de assegurar o sentido da vida, que o primeiro cachorro na rua poderia dizer, a voz que perpassa os versos cala-se: “esparramado entre vetores de forças, decisões se misturam às dúvidas” [143]. A respeito dessa poética de perguntas sem respostas, poderíamos novamente resgatar a concepção de um ser-no-mundo em fluidez, em contraposição ao peso das consolidações, à ilusão das sedimentações, das clarezas de uma suposta verdade. A vida, em simbiose com a poesia, revela-se na obscuridade, no enigma, poesia como – drummondianamente falando-se – um claro enigma . Vida que se repete de modo permanente, como indagação reticente, pelas páginas de Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer . Leia-se em “ornitorrinco”, animal que evoca justamente um ser entre, indefinível, bico de pato, cauda de castor, tal qual esta poética de transitividade do ser:
[...]
um dia, talvez se chegue à conclusão de que a vida faz mal à vida, e só seremos socorridos por essas coisas de origem remota e misteriosa
[...]
e se decidirem que a vida faz mal à vida e o mundo estiver por um fio (se digitados os códigos certos), pelo menos deixem-me perpetuar o segredo de algumas misturas [144]
Mais à frente, em “coisas demais” [145], a pesquisa sobre o ( sem ) sentido da vida – “abrigar (rostos de nomes, ruas de lugares, cidades de casas, livros de frases), ordenar, dar os telefonemas necessários, ter uma paixão transpirando em algum ponto do mundo e do corpo, cuidar do corpo e do mundo” ? – credita ao corpo o movimento da busca e do sentido, aos cinco sentidos do corpo vivo: “ademais, à proa de qualquer profusão, viver implicar esquecer a maior parte dos rastros e concentrar-se no balanço imediato do corpo, nos afagos, no júbilo de ver, toda manhã, a geografia e a história do corpo da mulher, que se mostra, que se amplia, que se abre em pernas, cheiros e líquidos” [146].
Retorna, como se deduz no fragmento transcrito, à aventura pelo conhecer a criação (criação que já é conhecer), a uma bio logia/ teo logia inscritas no movimento da fertilidade, da fecundidade, na verdade original como mobilidade. E assim talvez se explique o percurso dos três livros de Caio Meira: em No oco da mão , versa-se a corporeidade da poética. Corpo Solo radicaliza: em vez de insinuar o corporal, dá-lhe voz, numa poética da corporeidade. Nesse trajeto literário, o inaugurar de uma “poética da corporeidade da poética”, consagrada câmbio de comunhão e solidão no terceiro livro, Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer . Afinal, conforme sinalizamos na capacidade mental/cultural que o homem tem de se desagregar do mundo, estar poroso/misturado a ele não significa livrar-se de um sentimento de solidão: “pegar um punhado dessa mistura de mato seco, poeira e formigas, cheirá-lo ou talvez comê-lo, não significa ficar mais próximo da terra ou da gente” (lê-se em “sob sol cerrado” [147]). O inverso também é viável. Na entrevista à revista eletrônica Seomário , o autor cita Emily Dickinson para mostrar que, embora ela tivesse passado boa parte da vida sem sair de seu quarto, levou sua poesia a regiões que poucos alcançaram. E o próprio Meira diz-se ainda suscetível à alteridade das gentes quando solitário: “Ao voltar para casa, ao entrar em meu quarto, em meu escritório de 8m 2 , não me sinto apartado das ruas, que continuam a agir em mim, em minha fala e em minha escrita” [148].
É a solidão de quem precisa se isolar para dar a conhecer, dar-se a conhecer. E saber . Na solidão de quem precisa ignorar, de quem precisa ver-se ignorante para que estranhe e se estranhe. E se conheça. E se experiencie. E seja . Sem que precise dar sentido a esse ser , responder à pergunta, resolver a dúvida. Sem que imite, portanto, o trabalho ontológico do cachorro rimbaudiano. E nisso se supõe o flagrante da ausência de lugares fixos, a flutuação das encruzilhadas semânticas. É o cachorro de Meira recusando-se a dizer o sentido da vida, tornando-se, assim, cão-poeta na fuga ao imediato, às respostas prontas, no encontro com outros perros e poetas, outras poéticas, outros outros que possibilitem o renascer infinito.
Podemos falar em ignorância a partir desse raciocínio de concebê-la como gozo, como ponto de embarque e desembarque, prolongamento de uma cadeia que desemboca nos sentires, tornados guias imediatos para a ação [149]. Devolvemo-nos aí ao momento inaugural, incorporando em nós e nessa poesia e ignorância todo o tempo e todos os entes, mas com um novo dado que é, também, central em Caio Meira : o pressuposto de que é fundamental ultrapassar o conhecimento para chegar à ignorância como post scriptum – do ritual de iniciação à vida. O caminho da descoberta é esta passagem entre ignorância e ignorância: encobrimento, surgimento, encobrimento [150]. É o “oco” da mão – para retomar novamente o primeiro livro do autor e o primeiro poema, “Teologia”. É o “oco” do olhar, o buraco negro da pupila por onde entra o mundo, um mundo que nunca é o mesmo, mas sim, um a cada dia conhecido, a conhecer-se, desconhecer-se, re-conhecer-se.
A maestria de Caio, ao tecer uma poética de tamanha dimensão cosmológica, reside em prescindir do vocabulário etéreo, que seria próprio de um neo-simbolismo, vencendo o risco do anacronismo metafísico. Sem desvincular-se da tradição, torna-se radicalmente contemporânea na voz do poeta. Para Caio Meira – conforme se lê em sua entrevista à revista Seomário – “criar implica transformar, deformar, alterar o real” [151] e por isso “o tempo da poesia não pode ser outro que o instante presente, esse instante que não passa, que desafia a continuidade e teima em permanecer” [152]:
Nesse sentido, o passado, como qualquer outra coisa que se submeta à experiência poética, pode constituir-se [...] num material para a construção de uma escrita própria desde que surja como deformação ou transformação. Mas nunca como um material ‘nobre'. A poesia – pelo menos a poesia que me interessa – por ter esse apelo pagão, essa convocação profana, lida com a nobreza apenas para mundanizá-la. [...] Para quem percorre o caminho da poesia, existem inúmeras armadilhas [...] A primeira delas é o uso de trocadilhos e jogos de palavras. [...] A segunda armadilha é o apelo à memória, à infância, ao passado, como imagens que bastariam ser mencionadas para trazer à tona a ‘aura' poética. Ora, a poesia, por ter uma ligação radical com o presente, não pode ser mais do que a exposição crua desse presente e de suas entranhas. [153]
Caio Meira “anda atrás das coisas mais palpáveis, sólidas” [154]. Coisas mais “presentes”. Por isso, na “exposição crua desse presente”, cria um dicionário poético próprio (na crítica irônica às “palavras asseadas” de “não fosse a Sorbonne e o sabonete para pele macia” [155]), em que se agregam palavras como “capô do carro” [156], “radiador” [157], “cabines de rádio” [158], “telhas de amianto”, “alto-falantes” [159], “escova de dentes” [160] etc, sem contar às referências corporais (as “entranhas do presente”), tais como “movimentos peristálticos” [161], vômitos” [162], “membranas [163]”, “enzimas” [164], “secreções sebáceas” [165], “tubos” [166], “alvéolos” [167], “combustão” [168], entre tantas outras. Desde No oco da mão observa-se uma mundanização da poesia, a imaterialidade poética na materialidade da coisa cotidiana. Perceba-se essa convergência em “Poema para Gullar” [169]:
O poema está à vista
ao alcance da mão
transbordando no bueiro
andando pela sala
esparramado
na cozinha
tecido num canto de armário
debaixo da cama
ao lado dos chinelos
O poema embrulha o peixe
na barraca da feira
entre um atropelamento e o zodíaco
de Domingo
na barraca da feira
aprende a ser vermelho
no tomate
ao lado das cenouras
e do cheiro-verde
O poema está nos dentes
e no lixo
está no estômago
e no esôfago
atravessando na garganta
pulsa
jugular
Na análise também de Francisco Bosco, trata-se de uma obra ao rés da imanência:
...que recusa buscas por pureza, transcendência, idealização: nenhuma ‘cintilação interior', antes uma ‘lanterna halógena rayovac'”. [...] recusa a idealização, mas também a idealização da imanência: é preciso evitar os falseamentos, por isso o poeta toma um táxi ao invés de um “ônibus inexistente”, pois essa “é a sua maneira de ser mais honesto” [170].
E “honestidade” implica uma poesia que não se faça cópia da realidade ou idealização. Pela poesia, a realidade dá-se pelas inventividades, de modo que a nova realidade inaugurada comungue com a primeira, dela se tornando indiscernível. Rompe-se, assim, o pressuposto da poesia como representação, mímese e, nessa adesão absoluta ao real, o repertório vocabular faz-se pungente, índice radical da vida contemporânea. Mais do que adesão, diríamos: é o real em seu excesso, a poesia de Caio Meira. Vida em seu excesso, potencializada pela manifestação intensiva e extensiva do corpo Daí a elaboração de poemas em fluxo, em que nada parece começar e terminar, apenas movimentar-se. Em Corpo Solo , o ziguezaguear gráfico dos versos longos, a longa vida a escrever-se na mobilidade, o corpo em extensibilidade, aquosidade, ondulação. E, ainda assim, os livros (os corpos) mantêm uma unidade. Os poemas se separam por títulos (ou numerações); porém, possuem uma organicidade, um uni-verso (para lembrarmos nossa referência à indiscernibilidade universal). O mesmo ocorre em Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer , no qual a ausência de pontos (e bússolas), de freios (e radares) e o intervalo de respiração nos poemas do bloco “Epidermática”, reveza-se com o ritmo cinematográfico, entrecortado por pausas mínimas e constantes, como o do bloco “Outras vidas, a mesma”.
Em diálogo talvez arquetípico com as filosofias orientais, esta poesia concede uma pulsação originária à respiração. Origem que nunca é um vazio sem irradiação. O universo de Caio Meira é sempre de fusão. Nele a claridade e o obscuro coabitam feliz. E co-pulsa também nessa plenitude tudo o mais que for tradicionalmente considerado contrário: o sim e o não, o ser e o não-ser. A poética de Caio não é da perda, da substituição. Não é alternativa, mas copulativa, de inclusão irrestrita, metáfora da ausência de metáforas, oscilação entre ausência e presença sem antagonismos. As antíteses dão-se as mãos para o lúdico da mútua sedução, para a desmedida da excentricidade copular. Uníssona e polfônica, a poesia. Convergência que mantém a diversidade, em nome do inacabamento, do devir, do porvir, do poema por vir e pela não existência de um (único e/ou pronunciável) sentido da vida. Poemas em prosa? Prosa poética? A que(m) essas classificações importam diante da indiscernibilidade, instabilidade, permeabilidade, deslizamento e deslocalização de tudo que vive e vibra?
Pelo caminho da corporeidade, a inserção do homem no mundo é feita pelo corpo, no corpo, e a consagração desse elo dá-se pela palavra: geradora, rito de passagem e circulação entre os três uni versos – homem, corpo e mundo. Palavra: cópula entre ser e mundo, mas sempre no limiar da pobreza. À semelhança da ignorância, a pobreza abre o espaço do encontro, permite o preenchimento, o enriquecimento, pois a palavra e objeto de sentido identificam-se na poesia que, ao escapar à idéia de representação, quer-se pura presença. O objeto nunca é meramente evocado ou enunciado no poético, mas invocado e convocado para esse incêndio de todos os aspectos. A palavra gera , na medida em que cria e gesta o possível, transformando-o em real. Impossibilidade como jorro de possibilidade. E possibilidade já é fecundação. Trata-se, frente a este real em excesso a que nos referimos com a mesma e real insistência, de uma poética da fecundidade, expressa em seus “versículos gemelares (gênesis)” [171]:
[...]
e deu-se luz entre pernas, e novamente, a fórceps,
e soprou-se fôlego nas narinas para passarem os
gritos, o embaço dos contornos, a mecânica do
olho,
e as superfícies esparramaram arrepios na ignição
dos mundos,
e houve dobradiça, alavanca, roldana, terra se
se firmando para os pés, mãos prenhes de forma
despejando resistência,
e o dia se alavancou na noite, quando tudo era
solavanco, grito, esperneio
[...] [172]
Essa idéia de fecundidade reme a um Eros não em sentido habitual, ainda que também participe desse sentido. Conforme destaca Rodrigo Petrônio em diálogo com Rosa Alice Branco sobre a poesia do português Antonio Ramos Rosa, na Revista Agulha:
... o Eros habita tudo o que existe, desde a pedra à mulher, numa modalidade simultaneamente amorosa e animal. Todo o universo é volúpia e a poesia oferece-se generosamente a todos os sentidos (...) é o sopro de Eros que desmancha os limites das coisas e que agencia a união de diversos reinos e espécies, ao abolir por completo o princípio lógico da não contradição. Eros como genitor da poesia, mas como artesão de mundos, como manifestação do corpo, mas também como voz original que se desprende da terra e une toda a cadeia de entes, desde os infra-celulares, passando pelos vegetais, pelos minerais e pelos animais... [173]
Tal qual é defendido por Petrônio acerca da obra de Ramos Rosa, também a poesia de Caio Meira apresenta um princípio eidético, este: o da univocidade do ser que está em tudo e em tudo participa e se manifesta de maneira ubíqua. Para Caio Meira, em sintonia com Petrônio e Ramos Rosa, o dualismo é a ferida do ser da qual nasce o Ocidente. E sem dogmatismos poderíamos conceder à poesia a capacidade de curá-la.
Assim, se falamos de uma “cura” pela poesia, é possível abrir uma discussão sobre uma possível “moral” poética? No decorrer de nosso discurso, destacamos como eixo argumentativo o desguarnecer das fronteiras entre religião, ciência e arte. A poesia nos devolvendo ao tempo em que as coisas nasciam, cresciam e se reproduziam juntas. Não recuperamos, entretanto, a noção de moral. No projeto da modernidade, a partição dos saberes deu-se entre as esferas do científico, do artístico e da ética. Em nosso projeto atual de reunificação e holística, caberia também uma inseparabilidade entre tudo o que abordamos e uma moral? Na poética anti-paradigmática de Caio Meira, em que poema e prosa se confundem, em que não há como se falar em poesia experimental – posto que toda poesia é, por definição, experimental, experiencial – há espaço para um paradigma e pedagogia poética?
Caio Meira, com sua poesia em cujo interior e arredores pululam “coisas demais” [174], riqueza sem fim de caminhos, constrói, sim, uma pedagogia. Porém, não se confundam pedagogia e didática, pedagogia e cartilha, aprendizagem e respostas, dogmas. Não se trata de transmissivismo, unilaterismo, imposição, mas cooperatividade, mobilidade, busca perpétua pelo conhecimento e entendimento do ser, processo perpétuo de des-conhecimento. Por tudo o que dizemos sobre a poesia como um fenômeno cognitivo, sobre uma “pesquisa” poética do corpo e do mundo, transdisciplinaridade, anti-cartesianismo e holística, podemos, sim, suspeitar de uma moral própria à poesia. Uma moral que não pode ser outra senão a não-moral, a moral da impossibilidade de existir uma (única) moral. A moral que entende a moralidade como criação, invenção. E subversão, violação. Uma a-moralidade poética. E uma a-morosidade poética. Partindo do Eros que a tudo cruza e fecunda, aportamos na biologia do amor – ou autopoética – do cientista cognitivo Humberto Maturana [175], que concebem a existência como uma ecologia naturalmente cooperativa, numa co-dependência entre os seres vivos cuja emoção passa a ser entendida como disposição corporal em vez de sentimento, imaterialidade. Lembremo-nos de Rimbaud, para quem a poesia quer transformar a vida . Lembremo-nos de Octavio Paz, para quem a poesia não pretende embelezar a vida (como pensam os estetas e os literatos), nem torná-la mais justa ou melhor (como sonham os moralistas). Mediante a palavra, a expressão de sua experiência, ela procura tornar sagrado o mundo, objetivando consagrar, assim, a experiência dos homens e as relações entre homem e mundo, entre homem e sua consciência. Não pretende tornar formoso, santificar, idealizar o que toca, mas sim, torná-lo sagrado em sua mundanização. Nessa desordem de Paz (e na paz desta desordem), a poesia não é um mal nem um bem, nem justa nem injusta, nem falsa nem verdadeira, é simplesmente solidão e comunhão . Testemunha o êxtase, o amor feliz, e também o desespero. Existindo e persistindo no entre , no cais, no caos, no Caio. Entre a prece e a blasfêmia. Atravessando-as.
Portanto, acreditamos que não há, na atual literatura brasileira, exemplos tão refinados como Caio Meira, capaz de trazer em seus livros uma poesia que é prece e blasfêmia, solidão e comunhão concomitantemente. Pantificadora. Contemporânea e ancestral, consoante, por exemplo, com as seis propostas para o próximo milênio , de Italo Calvino [176]. Em suas “propostas”, o escritor italiano, aponta para a multiplicidade como um valor ou qualidade importante de ser cultivada na literatura deste novo milênio. Em nossos dias, o que nos chama atenção e nos desperta a refletir é a interconexão, a inter-relação de assuntos e campos distintos. Em síntese, a multiplicidade. Calvino, quando descreve seu processo de criação literária, afirma buscar na Ciência o alimento para suas visões. Se deixarmos que a Ciência nos sirva de guia, tal qual sugere o italiano (e, aqui neste trabalho, nosso brasileiríssimo Caio Meira) e nos deixarmos levar pelos tortuosos caminhos da multiplicidade, do acaso e do caos, da criação e da transformação, talvez possamos, então, tornamo-nos íntimos, de algum modo, desta complexidade e turbulência que regem a própria vida.
Por isso, por tudo o que foi exposto e/ou sugerido, não é gratuito o jogo de palavras de Antonio Cicero, publicado na quartacapa de Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer :
A poesia de Caio Meira tem a coragem de ter o prazer de conhecer e de estranhar, e dar a estranhar e a conhecer aquilo que todo o mundo nem sequer lembra de ter um dia a coragem de conhecer ou estranhar de verdade. Por isso, isto é, pela sua beleza, ela deve ser lida. [177]
De modo que, parafraseando o verso do já lembrado Manoel de Barros, “o que há de mais bonito é o que está na origem de tudo” [178]. E em tudo que escreve Caio.
* Poeta, jornalista, ator. Mestrando em Poética no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e graduado em Comunicação Social na Universidade Federal Fluminense. Autor dos livros de poemas Transversais (1º lugar no Concurso Literário Estudantes do Brasil, 2000), Sete mil tijolos e uma parede inacabada (2004) e por uma gênese do horizonte (Vencedor do IV Prêmio Literário Livraria Asabeça – 2005; Scortecci Editora, 2006).
1. O presente ensaio integra o projeto de pesquisa de Pós-graduação (Mestrado) em Ciência da Literatura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), desenvolvido pelo mesmo autor.
2. MEIRA, Caio. Corpo solo . Rio de Janeiro: 7Letras, 1998: 59.
3. MEIRA, Caio. Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer . Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2003: 15.
4. Utilizamos a primeira pessoa do plural não por mera convenção estilística, mas na coerência de quem escreve por uma holística da vida . Aqui o nós representa a indiscernibilidade entre este corpo que escreve e outro que o (re)escreva, o corpo da poesia e a vida incorporada. As muitas vozes do poético que aqui se unificam, só o fazem no entrelaçamento, isto é, no trocadilho, por meio de nós .
5. Do grego holos , que significa totalidade. Refere-se à compreensão da realidade como um todo integrado, cósmico, em que os elementos integrantes participam de uma complexa dança de inter-relação e correlação permanentes, entre si e com o todo e na qual o todo está na parte. A abordagem holística considera fundamental um novo diálogo entre cientistas das áreas ditas físicas, biológicas e humanas, e os poetas, artistas e místicos. Surge a transdisciplinaridade.
6. Aqui apontamos para teoria da corporeidade de Merleau-Ponty. Sua fenomenologia contrapõe-se ao discurso linear, que considera o corpo como um conjunto de partes distintas entre si ou submisso à análise intelectualista, apresentando a análise existencial, que considera o corpo a partir da experiência vivida ou como modo de ser no mundo. O corpo não é coisa, nem idéia, o corpo é movimento, sensibilidade e expressão criadora. Está associado à motricidade, à percepção, à sexualidade, à linguagem, ao mito, à experiência vivida, à poesia, ao sensível e ao invisível, apresentando-se como um fenômeno complexo. A expressão “sou meu corpo” (MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção . Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes 1994:. 208) sintetiza o encontro entre o sujeito e o corpóreo. O ser humano define-se pelo corpo, isto significa que a subjetividade coincide com os processos corporais. Mas é preciso considerar que: “ser corpo é estar atado a um certo mundo” (id. O visível e o invisível. 3ªed. Trad. Artur Gianotti e Armand Mora. São Paulo: Perspectiva, 1992: 205).
7. Projeto em andamento, vinculado ao CNPq e desenvolvido por discentes e docentes do Departamento de Ciência da Literatura da UFRJ.
8. MEIRA, Caio. No oco da mão . Rio de Janeiro: EdUERJ, 1993: 5.
9. id. Corpo Solo . Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998: 19
10. id. ibid.: 31
11. ibid.
12. id. No oco da mão . op. cit.: 21.
13. id., ibid.: 31.
14. ibid: 47.
15. id. Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer . op. cit.: 16
16. id., Corpo Solo . Rio de Janeiro: 7Letras, 1998: 15.
17. id. ibid.: 19.
18. ibid.: 49.
19. ibid.: 29.
20. id. No oco da mão . op. cit.: 23.
21. id. Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer op. cit.: 21.
22. id., ibid.:
23.id., Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer , op. cit.: 15.
24. id. ibid.: 21
25. ibid.: 51
26. ibid.: 21
27. ibid.: 22.
28. ibid.: 17
29. MEIRA, Caio. Corpo solo . op. cit.: 37.
30. id. Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer .op. cit.: 33;34.
31. id., op.cit.: 41.
32. ibid.: 43.
33. ibid.: 43.
34. id., No oco da mão . op. cit.: 11.
35. id., C oisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer . op. cit.: 53-56.
36. id., Corpo Solo . op. cit.: 31.
37. id., No oco da mão . op cit.: 5
38. Disponível apenas no site www.caiomeira.kit.net .
39. O título do livro de Caio Meira é uma deformação de uma frase de Rimbaud. Em 9 de novembro de 1891, dois dias antes de sua morte, delirando, ele dita uma mensagem para sua irmã endereçá-la ao diretor dos transportes marítimos, pedindo-lhe trabalho. Dizendo-o impotente e infeliz, a carta comunica que ele já não pode encontrar absolutamente nenhum tipo de serviços, fato que o primeiro cão na rua confirmará. Em Rimbaud, Caio Meira encontra o cão que poderia confirmar o óbvio, o estado moribundo co poeta.
40. id. Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer . op. cit.: 35.
41. id. Corpo solo , op. cit.: 37.
42. id. Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer , op. cit.:51.
43. id., ibid.: 13.
44. ib., ibid.: 49.
45. id, Corpo solo , op. cit.: 10.
46. id., ibid: 51.
47. id, No oco da mão , op. cit: 20.
48. id. Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer . op. cit.: 26.
49. id., ibid.
50. id. Corpo Solo . op cit.: 57.
51. id. Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer . op. cit.: 35.
52. ibid.: 15.
53. Disponível apenas no sítio pessoal do autor, www.caiomeira.kit.net , 26/01/06.
54. O biólogo zen-budista Francisco Varela defende que a ação de um sujeito é pensada enquanto participante de uma rede complexa constituída de níveis múltiplos de sub-redes interconectadas que supera a dicotomia indivíduo/interno versus meio/externo. O sistema cognitivo do sujeito será parte integrante de um mundo existente durável porém cambiante, no qual indivíduo e meio são instâncias que se co-implicam. “Nossa intenção é contornar inteiramente esta geografia lógica do ‘interior contra exterior', estudando a cognição não como reconstituição ou projeção, mas como ação encarnada” (VARELA, Francisco et alli. Emboied mind; cognitive and human experience . London: The MIT Press, 1996: 234). A cognição é inseparável do corpo, sendo uma interpretação que emerge da relação entre o eu e o mundo, corpo e mente, nas capacidades do entendimento. “Essas capacidades são originadas na estrutura biológica do corpo, vividas e experenciadas no domínio consensual e ações da história e da cultura” (ibid.: 149). A mente não está em alguma parte do corpo. Ela é o próprio corpo.
55. id., Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer . op. cit.: 15.
56. id. Corpo solo . op. cit.: 65.
57. id., ibid.: 41.
58. id. Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer . op. cit.: 25.
59. id., Corpo solo . op. cit.: 41.
60. ibid.: 43.
61. id., Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer . op. cit.: 27.
62. ibid.: 47.
63. ibid.
64. id, Corpo Solo , op. cit.: 67.
65. ibid.: 46.
66. ibid.: 65.
67. ibid.: 67.
68. ibid.: 25
69. ibid.: 57.
70. ibid.: 47.
71. id., Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer . op. cit.: 15.
72. id., No oco da mão , op. cit.: 3
73. id., ibid .: 4.
74. Curiosamente, na versão impressa pela EdUERJ, o autor não deu título a esses dois poemas que, na versão digital, disponiível no site www.caiomeira.kit.net (26/01/06), passaram a se chamar “Limbo I” e “Limbo II”.
75. op. cit.: 18.
76. id., Corpo Solo , op. cit.: 67.
77. id., ibid.: 35.
78. ibid.
79. id. Entrevista à Seomário. Disponível no site www.caiomeira.kit.net , 26/01/06
80. id., ibid.
81. ibid.
82. ibid.
83. id. No oco da mão , op. cit.: 19.
84. ibid.
85. id. Corpo solo . op. cit.: 15.
86. ibid.
87. id. Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer . op. cit.: 19.
88. id.. Corpo solo, op. cit.: 65.
89. id.. Entrevista à Seomário . Disponível em www.caiomeira.kit.net , 26/01/06.
90. id., Corpo solo , op. cit.: 23.
91. id, ibid.: 19.
92. id., Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer . op. cit.: 29.
93. id., No oco da mão , op. cit: 4.
94. id., Corpo solo , op. cit.: 53.
95. id., No oco da mão , op. cit.: 18.
96. id. Entrevista à Seomário, disponível em: www.caiomeira.kit.net , 26/01/06.
97. id., Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer , op. cit.: 15.
98. id. ibid.: 47
99. id. Corpo solo , op. cit.: 53.
100. id., ibid.: 31.
101. ibid.:15.
102. ibid.: 13.
103. ibid.: 19.
104. ibid.: 17.
105. ibid.: 17.
106. ibid.: 13.
107.id., Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer , op. cit.: 17.
108. ibid.: 18
109. ibid.: 18.
110. ibid.: 19.
111.id., Corpo solo , op. cit. 13.
112. id., ibid.: 15.
113. ibid.: 17.
114. ibid.: 51.
115. ibid.: 37.
116. id. “escritos que leio no escuro”. Disponível em: www.caiomeira.kit.net , 26/01/06.
117. id., Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer . op. cit.: 53-56.
118. id. ibid.: 57-59.
119. Aqui podemos estabelecer a ponte com a imaginação material de Gaston Bachelard, defensor da existência de um arquétipo poético constituído de temperamentos ígneos, aquosos, terrosos e aéreos.
120. ibid.: 26.
121. id., Corpo solo , op. cit.: 53.
122. id., ibid.: 67.
123. id., ibid.: 41.
124. BARROS, Manoel de. Gramática expositiva do chão (poesia quase toda) . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990: 296.
125. SPINOZA, Baruch. The ethics and on the correction of the understanding . London : Dent, 1986.
126. REZENTE, Renato. “Dois poetas vigorosos de nosso tempo”. Disponível em www.caiomeira.kit.net , 26/01/06.
127. BOSCO, Francisco. Resenha sobre Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer. Disponível em www.caiomeira.kit.net , 26/01/06.
128. MEIRA, Caio. Corpo solo . op. cit.: 41.
129. id. ibid.: 31.
130. ibid.
131. id. Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer. op. cit.: 23.
132. id. Corpo solo . op. cit.: 43
133. id. Coisas que o primeiro cachorr na rua pode dizer . op. cit. 29.
134. HEIDEGGER, M. Heráclito . Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998: 103-109.
135. id., ibid.
136. BARROS, Manoel de. As coisas que não existem são mais bonitas. Entrevista a Alberto Pucheu. Cadernos culturais e pedagógicos do Centro Educacional de Niterói , v. 3, n. 1, janeiro/julho, 1994: 195.
137. BARROS, Mnaoel de. O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
138. id., ibid.: 23.
139. MEIRA, Caio. Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer . op. cit.: 27.
140. REZENTE, Renato. op. cit.
141. id., ibid.: 22.
142. ibid.
143. ibid.: 23.
144. ibid.: 26.
145. ibid.: 31;32.
146. ibid.: 32.
147. ibid.: 19.
148. id., Entrevista à revista Seomário . Disponível em: www.caiomeira.kit.net , 26/01/06.
149. Por essa conotação “positiva” de ignorância se justifica a caracterização do poeta como um ser em falta. Na riquíssima entrevista de Caio à Seomário , o escritor pondera quando perguntado sobre o que faz alguém ser poeta: “Ao contrário do que possa parecer, não se trata de algo que o poeta tenha a mais. O poeta não é nem culto, nem mais inteligente, nem mais sábio do que os demais homens. Para mim, ao contrário, a poesia vem de uma fissura, uma rachadura, de algo que ele não tem e que não terá jamais” (Disponível em www.caiomeira.kit.net , 26/01/06).
150. E da revolução, entendida não como engajamento em uma causa externa, mas sim no seu sentido etimológico: aquilo que se volta sobre si mesmo e retorna à sua origem.
151. MEIRA, Caio. Entrevista à Seomário . op. cit.
152. id., ibid.
153. ibid.
154. id. Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer . op. cit..: 45
155. id., ibid.: 33;34.
156. ibid.: 17
157. ibid.
158. ibid.: 18
159. ibid.: 43
160. ibid.: 41
161. ibid.: 23
162. ibid.: 54
163. ibid.: 15.
164. ibid.
165. ibid.
166. ibid.
167. ibid.
168. ibid.
169. id., No oco da mão . op. cit.: 5.
170. BOSCO, Francisco. op. cit.
171. MEIRA, Caio. Corpo solo . op. cit.: 35.
172. id., ibid.
173. BRANCO, Rosa Alice & PETRÔNIO, Rodrigo. “ António Ramos Rosa: a transparência da terra
[diálogos]”. Em: http://www.revista.agulha.nom.br/ag47rosa.htm , 26/01/06.
174. MEIRA, Caio. Coisas que o primeiro cachorro na rua pode dizer . op. cit.: 31;32.
175. MATURANA, Humberto. Emoções e Linguagem na Educação e na Política. Trad. José Fernando Campos Fortes, 3ª ed, Belo Horizonte: Editora UFMG.
176. CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio . Trad. Ivo Barroso. São Paulo: Cia das Letras, 1990: 20
177. MEIRA, Caio. op. cit.
178. BARROS, Manoel de. O livro ignorãças . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993: 79.