As Possibilidades para o Corpo na Poesia de Leonardo Fróes
Mauro Cezar de Souza Junior
(Aluno do Mestrado em Teoria Literária pelo Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura da UFRJ)
Talvez o grande problema urbano contemporâneo seja exatamente este: que a pessoa vivendo só a experiência urbana – a cidade é um grande palco – está em cena o tempo todo, numa grande e dolorosa representação, ela começa por achar que a natureza é algo lá fora, aqui sou eu, o drama humano, e lá a natureza. E acha que aquilo é um caos, e não percebe a harmonia, a beleza que te integra àquilo ali ( Fróes : 2003, p. 9).
Na base da poética de Leonardo Fróes se encontra uma aguda crítica ao antropocentrismo [i]. O fugere urbem inscrito em sua poesia se justifica pelo fato de que na cidade o homem convive quase exclusivamente com outros de sua espécie – e o isolamento em relação ao conjunto maior de seres, a natureza, acaba por deixá-lo artificial e parcialmente auto-referenciado. Já vimos [ii] que a principal estratégia sugerida por Fróes para driblar tamanho equívoco é a dissolução da subjetividade em meio ao ambiente natural, promovendo uma integração entre os reinos supostamente divididos: animal, vegetal e mineral ( Pucheu : 1999). O devir imposto ao sujeito em êxtase se traduz poeticamente através de imagens que procuram denunciar o confinamento antropomórfico, principal setor da caverna espelhada do antropocentrismo. Assim, seria possível inserir a obra de Leonardo Fróes entre as expressões artísticas empenhadas em subverter o projeto que, a partir dos fins do Século das Luzes, como uma “verdadeira obsessão”, procurou “‘fixar' a face do homem” e “confinar o ser humano num retrato imóvel e definitivo” ( Moraes : 2002, p. 19).
I – A Crise do Antropomorfismo, de Lautréamont para o Surrealismo
Embora originado com o Romantismo [iii] e recorrente já na arte e no pensamento franceses no final do século XIX, o imaginário de dilaceramento e de desfiguração anatômicas decorrente da subversão do ideal antropomórfico só “ganha maior evidência com as indagações que os surrealistas lançam ao princípio da identidade, submetendo-o aos imperativos do desejo” (id., p. 21). Max Ernst, sintetizando o sentimento estético de sua geração [iv], assim parodiou a fórmula surreal de André Breton: “A identidade será convulsiva ou não será” ( Ernst apud Moraes : op. cit., p. 74). Os criadores do surrealismo e seus contemporâneos, porém, já tinham se deparado com “um ataque frontal” ao princípio da identidade na enigmática obra do também enigmático Isidore Ducasse, o Conde de Lautréamont ( Moraes : op. cit., p. 40), em cujos Chants de Maldoror
é impossível discernir o autor do personagem, sendo que cada qual remete a uma sucessão de desdobramentos. Se a figura do autor perde-se em mistérios, dado sua sumaríssima biografia, não menos enigmática será a do Conde de Lautréamont, seu pseudônimo, inspirado no personagem homônimo criado por Eugène Sue em Os mistérios de Paris . A epopéia de Maldoror é ora narrada pelo suposto autor, ora pelo próprio herói, ele mesmo reduplicado em uma série de metamorfoses. A indeterminação entre as figuras de Ducasse, Lautréamont e Maldoror parece realizar o próprio desejo de apagamento manifesto em sua obra e resumido numa frase que os surrealistas não cansaram de repetir: “a poesia deve ser feita por todos, e não por um” (id.).
A “poética de agressão pura” que estrutura os Cantos de Maldoror veio a calhar para os contemporâneos de Breton, insuflados de revolta diante dos horrores da guerra e desejosos por “novos campos de experiência poética” (ibid.). Maldoror é “aquele que tudo renegou” ( Lautréamont : 1997, p. 229), mas que julga ilógico afastar-se da humanidade, a quem tanto detesta (id., p. 225): já que, “além da violência física propriamente dita, faz parte dos Cantos a agressão contra a ordem natural” ( Willer, in: Lautréamont : op. cit., p. 24), o ódio e a indignação parecem funcionar como catalisadores na concepção de uma “poesia inteiramente à margem da marcha costumeira da natureza, e cujo hábito pernicioso pareça subverter até mesmo as verdades absolutas” ( Lautréamont : op. cit., p. 248). “Lautréamont descreve um mundo que se metamorfoseia, onde sempre se observa um desvio das leis da natureza , regido por uma lógica semelhante à do sonho” ( Willer, in: Lautréamont : op. cit., p. 24).
Maldoror denuncia que “a consciência só sabe mostrar suas garras de aço”, sendo preciso esmagá-la, decapitá-la, expulsá-la a chicotadas ( Lautréamont : op. cit., pp. 142-143). Assim se reencontra um campo sem fronteiras do qual só seria possível fazer menção através de um pensamento complexo que desse conta de todas as possibilidades de interação e correspondência entre o que estaria supostamente dividido. Tal pensamento seria o analógico, “o único, segundo Breton, capaz de produzir efeitos poéticos” ( Moraes : op. cit., p. 41). “Belo como (…) o encontro fortuito sobre uma mesa de dissecção de uma máquina de costura e um guarda-chuva” ( Lautréamont : op. cit., p. 228): funcionando como um emblema para o primado desse pensamento, a famosa frase de Ducasse colaborou para a concepção da imagem poética surrealista, determinando que, ao poeta, não cabia apenas estabelecer correspondências ao comparar os diversos elementos do universo – era preciso deixar que o desejo as inventasse arbitrariamente [v] ( Moraes : op. cit., pp. 40- 41). Além de driblar a subjetividade que poderia agir como fator limitador na procura e interpretação das correspondências, tal proposta denunciava a autonomia da linguagem em relação ao mundo – o que acarreta uma drástica revisão da noção de belo, que não teria mais como ser reduzida a mero reconhecimento de uma suposta realidade [vi] (id., p. 41).
O “encontro fortuito” a que eram submetidos os elementos na composição artística desenvolvida pelos surrealistas – i. é, no chamado “automatismo psíquico” – apresentaria, contudo, uma espécie de sentido, posto que, mesmo entre situações ordinárias, aparentemente sem qualquer ligação umas com as outras, poderia ser observado “um denominador comum”, um elo “entre o insignificante e o significativo”, entre duas séries aparentemente distintas – “uma, casual, de caráter totalmente fortuito, e a outra, causal, resultante de determinações objetivas” (ibid.). Trata-se do que Breton chamou de “acaso objetivo”, articulação empreendida pelo desejo que obedeceria “às mesmas leis que presidem à organização dos sonhos, colocando igualmente o sujeito em comunicação misteriosa com o mundo” (ibid., p. 43). A visão que aqui se tem de invenção [vii] é algo que, portanto, oscila “entre a descoberta de um sentido oculto e a produção de um sentido totalmente novo” (ibid., p. 45): a dinâmica para a obtenção do objeto surrealista pressupunha, por um lado, que “a afetividade do artista viria dotar o objeto exterior de um novo sentido”, e por outro, que “a subjetividade do suposto inventor seria incorporada à realidade exterior” (id., pp. 63-64).
Os surrealistas chegaram à noção de que, como em qualquer objeto já se inscrevem possibilidades de percepção, dado que dele só temos o aspecto visível (ibid., p. 65), uma maneira de libertá-lo da economia burguesa seria, então, ocultá-lo: “ cache-toi, objet ”, uma das palavras de ordem que Breton e seus seguidores destacaram dos Chants de Maldoror (ibid., p. 63). Sob tal ótica, “inventar um objeto implicava, a princípio, escondê-lo” – e, assim, criar uma ambivalência que lançaria o observador a “um campo fantasmático, obrigando-o a atravessar o objeto para conhecê-lo mais profundamente” (ibid., p. 64):
O objeto ausente evocava o vazio, a não-matéria, o não-objeto. Mas, justamente pela impossibilidade de ser atravessado pelo olhar ou pelas mãos, ele adquiria o estatuto de objeto. Se permanecia imperceptível e impalpável, se sua presença não oferecia nenhuma evidência material, é porque ele resistia em transformar-se num objeto comum, para conservar sua integridade e sua realidade total. O objeto ausente responderia, assim, aos desejos mais inconscientes do homem, atingindo suas nostalgias mais profundas (ibid., p. 65).
Além do objet caché , os surrealistas desenvolveram, a partir de Ducasse, a noção de objet dépaysé – o híbrido cheio de convulsões de identidade ao que se chega a partir da aproximação casual e desreferencializante entre objetos e/ou pedaços de objetos [viii]. Dentre os objetos reconfigurados como cachês e dépaysés , destacou-se o corpo, que, podendo ser tomado como “a unidade material mais imediata do homem, formando um todo através do qual o sujeito se compõe e se reconhece como individualidade”, se tornou “o primeiro alvo a ser atacado” “num mundo voltado para a destruição das integridades” (ibid., p. 60). Constata-se que, da mesma maneira que se fragmentou a consciência do homem moderno, fragmentou-se também o seu corpo (ibid., p. 59). De fato, pode-se flagrar nas primeiras décadas do século XX um verdadeiro triunfo do “empenho de decomposição do corpo humano” – e como decompor a forma humana significa desumanizar a arte, observa-se o quanto Breton e seus contemporâneos, dando continuidade ao projeto dos Chants de Maldoror , procuraram demolir com igual vigor dois pilares do fazer artístico ocidental: o realismo e o humanismo (ibid.). Num “continente até então confinado aos limites das descrições realistas e das representações figurativas”, “o artista moderno caminhava contra a realidade na medida em que se propunha decididamente a deformá-la, romper seu aspecto humano, enfim, desumanizá-la” – ou seja, desantropomorfizá-la (ibid., p. 61). Tal exploração “resultou num corpo totalmente desprovido de dimensões estáveis. Um corpo em crise” (ibid., p. 62).
No entanto, se “o homem deixa de ser o ponto a partir do qual a percepção do mundo se organiza” e “suas proporções deixam de servir como medida universal do cosmos”, graças à “indagação de seus próprios limites” – e se surgem de tal corpo “novos espaços no pensamento, para o surgimento de formas e seres desconhecidos” (ibid., p. 107), um corpo em crise também é um corpo livre, transfigurado em “corpo do desejo”, irredutível às suas formas supostamente naturais (ibid., p. 66). “Ao afirmar a proeminência do corpo do desejo sobre o corpo natural, o surrealismo colocava em cena imagens nas quais os diversos membros e órgãos tornavam-se intercambiáveis, multiplicavam-se ou eram sumariamente suprimidos” (ibid., p. 69). Para lidar com o corpo do desejo, sempre em devir, sofrendo transformações constantes ou se escondendo eroticamente, os surrealistas fundaram uma “anatomia do desejo”, cujas matrizes imagéticas foram buscadas “nas imagens do prazer e da dor. Ou, numa só palavra: no êxtase” (ibid., p. 71), que ofereceria, logo, a chave para a ampliação da consciência (ibid., p. 72).
Com o “inesgotável poder de migração” que os corpos e objetos do desejo passam a ter, é instaurada “uma atmosfera de indeterminação e incerteza que evoca um tempo primeiro, quando as coisas não conheciam estados definitivos, não havia oposições nem contrários” (ibid., p. 76). A retomada da analogia: seria possível atualizar “um tempo de incessantes metamorfoses”, “uma era primordial em que leis, biológicas e sociais, ainda não pesavam sobre a vida, restando uma total indiferença entre as coisas e os seres” (ibid.), uma “disposição de intercâmbio entre os diferentes reinos da natureza, ou entre o natural e o artificial, numa visão unitária que se funda sobre o princípio superior de equivalência entre todos os elementos da realidade múltipla” (ibid., pp. 76-77).Vale lembrar, aqui, que o mutante Maldoror, num certo trecho do canto VI, se coloca como alguém que não participa das dimensões físicas ordinárias, podendo estar em qualquer lugar do mundo e em qualquer tempo, tendo nascido “com os primeiros antepassados da nossa raça”, nos “tempos recuados, além da história” ( Lautréamont : op. cit., p. 226).
Essa possibilidade de atualização do in illo tempore , oposta ao dualismo classificatório da consciência ocidental e de sua lógica da identidade, contemplaria, segundo os surrealistas, “a essência da imagem poética: a poesia é um procedimento de totalização do sentido e, como tal, uma ‘linguagem sem negação'” ( Moraes : op. cit., p. 77). Encontra-se o ponto de convergência entre poesia e alquimia [ix],
ambas perseguindo um desígnio comum em, pelo menos, três níveis: na preocupação de remontar à matéria original do mundo e da linguagem; na operação de transformar as substâncias do universo e do verbo; e no trabalho de interpretação através da grade inesgotável das analogias, chave de todo ato de decifração. (id., p. 77).
Na base dessa convergência, situa-se o princípio único da analogia universal (ibid., p. 78). “Ao substituir o princípio de identidade e de contradição pela analogia universal, o pensamento surrealista (…) acaba por retornar a uma forma do saber que desaparece na época moderna” – um verdadeiro contradiscurso (ibid., p. 80). Entretanto, o princípio analógico é retomado por Breton com uma modificação essencial: enquanto na analogia de base renascentista, e que fundamentava o saber ocidental até meados do século XVII [x], era reservado ao homem um “ponto privilegiado, saturado de analogias” – posto que “nas suas dimensões restritas, o corpo humano reproduzia a ordem do universo”, representando um microcosmo a partir do qual é garantido o encontro com um macrocosmo especular e, ainda que imenso, seguro porque reconhecível – (ibid., p. 79), no princípio analógico surrealista de base ducassiana o homem não ocupa centro algum; aliás, não há qualquer possibilidade de centro. Isso porque é operado um “entrelaçamento (…) entre o sistema global das correspondências e as doutrinas que contestam o antropomorfismo”: a “centralidade das relações de semelhança”, assegurada por aquele, é anulada por estas, garantindo-se, então, “a concepção de um jogo de analogias completamente livre de qualquer idéia de ‘medida humana'” (ibid., p. 82).
Essa liberdade não apenas permite que ocorram, mas desperta a percepção de que em tudo estariam subscritas combinações, mutações – inclusive entre a figura humana e uma infinidade de outros seres e matérias [xi] (ibid., p. 107). Tendo se transformado num tubarão ( Lautréamont : op. cit., p. 181), num grilo (ibid., p. 225), num cisne negro (ibid., p. 232), ou, em sonho, num porco (id., p. 184), Maldoror era portador de “uma faculdade especial para tomar formas irreconhecíveis aos olhos mais treinados” (ibid., p. 225) – e, inclusive, tece uma apologia do devir: “a metamorfose nunca apareceu a meus olhos senão como elevada e magnânima ressonância de uma felicidade perfeita, que esperava havia muito” (ibid., p. 184). De acordo com Bachelard, o “frenesi da metamorfose” presente na obra ducassiana deixa claro que “o ato de violência não encontra sua razão de ser na mera destruição, e sim na conquista de novas formas e movimentos”: “no projeto de ‘desumanização' dos Chants de Maldoror o que importa efetivamente não é ‘o aspecto humano que destrói', mas sobretudo ‘a fauna heteróclita a que chega'” ( Moraes , op. cit., p. 86). Confrontando a obra de Ducasse com a de Franz Kafka, Bachelard afirma que cada um deles se situa num dos “pólos da experiência moderna da metamorfose”: enquanto em Lautréamont as “transformações são urgentes e diretas”, pois ocorrem num “processo vertiginoso de polarização das forças vitais” em que uma forma é destruída para que imediatamente seja criada outra, num movimento ininterrupto que expressa um “violento desejo de viver”, em Kafka, ao contrário, “assiste-se a um espetáculo lento e progressivo de catatonia”, no qual a metamorfose surge como mero “resultado de um retardamento da vida, em que o psiquismo se encolhe e se descoordena”, correspondendo a um “estado de desânimo e impotência que prenuncia a morte” (ibid.). Bachelard conclui: “as formas empobrecem em Kafka porque o querer-viver vai se esgotando; multiplicam-se em Lautréamont porque o querer-viver se exalta [xii]” ( Bachelard apud Moraes : op. cit., p. 86).
Segundo Lautréamont, a capacidade de metamorfose do homem teria relação com sua “natureza múltipla”, isto é, com sua capacidade de pode viver “na água como hipocampo; nas camadas superiores do ar como a águia marinha; e debaixo da terá como a toupeira, o bicho da conta e o sublime vermezinho” ( Lautréamont apud Moraes : op. cit., pp. 107-108). É ampliando – e não negando – sua condição biológica que o homem ducassiano ultrapassa seus limites: mais uma vez retomando Bachelard, em Lautréamont “o homem aparece como uma soma de possibilidades vitais, como um ‘superanimal'; tem toda a animalidade à sua disposição” ( Bachelard apud Moraes : op. cit., p. 108). Os Chants de Maldoror inauguram, assim, uma “nova disposição com relação à natureza, que consiste fundamentalmente em abolir as fronteiras convencionais entre seus diversos reinos” – e, a partir desse ponto, “a figura humana se bestializa, dando forma a seres híbridos que vêm compor um inesperado bestiário moderno” ( Moraes : op. cit., p. 108): seria um exemplo emblemático o homem-peixe que figura no canto IV ( Lautréamont : op. cit., pp. 185-191). Tal abordagem da natureza será herdada pelos surrealistas, que igualmente negaram as “taxonomias tradicionais que têm como pressuposto a auto-suficiência dos três reinos naturais [xiii]” (id., p. 109). São palavras Aragon: “é preciso sair da loja do naturalista para provar a vertigem da floresta virgem e reencontrar o caos primitivo” ( Aragon apud Moraes : op. cit., p. 109).
Se sua principal fonte, Lautréamont, afirmava que a humanidade não passa de uma “raça que estendeu um domínio injusto sobre os outros animais da criação” ( Lautréamont : op. cit., p. 151), e estes, nos Chants de Maldoror , possuem, inclusive, a faculdade da linguagem [xiv], talvez nem seja preciso dizer que, para o surrealismo, não seria restrita ao homem qualquer capacidade, sobretudo a do “superanimal”: todos os seres vivos – e até nos minerais e nos objetos inanimados haveria vida [xv] – seriam “movidos pela mesma repugnância ao repouso que Bachelard identifica em Maldoror” ( Moraes : op. cit., p. 111). Dito de outra forma: tudo o que existe e que a consciência humana capta erroneamente como mero conjunto de individuações revelaria um “caos primitivo” em que “os seres se contaminam uns aos outros [xvi]” (id., p. 112): “é um homem ou uma pedra ou uma árvore quem vai começar o quarto canto”, afirma Maldoror ( Lautréamont : op. cit., p. 167). A história natural engendrada pelos surrealistas tem como base a idéia de que “dos parasitas às baleias, dos vermes aos elefantes, nenhum ser vivo – incluindo o homem – escapa ao princípio soberano da metamorfose” ( Moraes : op. cit., p. 112). E este princípio seria intensificado pela ação da imaginação humana, dado que, no inconsciente que a move, “as leis que regem a floresta virgem revelam-se ainda mais operantes” (id.). Como a imaginação “só compreende uma forma quando a transforma, quando lhe dinamiza o devir e quando a apanha no fluxo da causalidade formal, do mesmo modo que o físico só compreende um fenômeno quando o apanha no fluxo da causalidade eficiente”, “a metamorfose torna-se função específica da imaginação” ( Bachelard apud Moraes : op. cit., p 112). O radical hibridismo dela resultante concretiza o ideal surrealista da imagem poética dinâmica do devir, testemunhando “a eternidade da luta entre as potências agregantes e desagregantes que reivindicam a verdadeira realidade da vida” ( Breton apud Moraes , p. 113).
II – O corpo livre na poesia de Leonardo Fróes
Cabe deixar claro, de imediato, que a ordem natural da qual Maldoror se empenha em desviar-se é aquela fixada pelo naturalismo clássico, e não a mesma natureza que, mais tarde, na obra de Leonardo Fróes, será, pelo contrário, indício de que nada é fixo – e de que as identidades são, de fato, convulsivas. Imprevisivelmente ígnea, ela impõe a “transformação coesa e colorida de brasas” ( Fróes : 1998, p. 216); profunda e terrestre, somente ela pode oferecer “um momento no esquecimento mineral de tudo” (id., p. 197); polimórfica como a água, ela é prova da “diluição inevitável” (ibid., p. 124), da “fluidez universal incessante” (ibid., p. 131); etérea como um “vento para confundir os limites” (ibid., p. 314), ela oferece, enfim, a “sensação de liberdade” que uma pessoa “de perfil nulo conquista, ou melhor, conhece, atravessada por lufadas de pó” ( Fróes : 2005, p. 33). Trata-se uma natureza dinâmica, em perpétua mutação:
A natureza é engraçada,
dá sem trégua e principia
a gerar tudo de novo,
avessa à monotonia ( Fróes : 1998, p. 286)
Se, como vimos, a linguagem, o meio através do qual o ser humano se relaciona com os fenômenos, é, pelo menos desde Lautréamont, anterior a estes e os engendra, parece óbvio que fora a tradição ocidental quem operou a configuração da natureza como algo organizado, seguro: limitado e limitante. No poema em prosa “Fileiras cerradas”, Fróes narra, com um delicioso e necessário tom irônico, o ímpeto de certas “autoridades” – note-se que o radical “auto” oferece ao nome a ilusória segurança de si – que insistem em imprimir ordem a uma paisagem natural:
A paisagem caótica e desenfreada da vida não combinava com a necessidade de ordem que dominava a autoridade (…). [Esta] achou um disparate horroroso aquelas árvores tortas, fora de forma (…) [, pensando:] nada da impressão misturada que desarruma os meus dogmas (…) [,] nada de olhar para os tratores como dinossauros, insetos (id, p. 295).
Contudo,
Dentro do caos de cada árvore havia o trânsito frenético da realidade impalpável (…). A verdade do que estou sentindo quando as categorias desabam e me conformo em ser isso, um sanhaço roendo o mamão, um lagarto espichado tomando sol. Ordem inevitável das flutuações orgânicas, maior que a dos papéis estudados (ibid., p. 296).
O conselho de Fróes: é preciso “resistir (…) à catalogação das espécies à nomenclatura das coisas” para, então, ser “perdidamente desarticulado e confuso mas feliz” (ibid., p. 246). Àquela autoridade, poderia ser dirigida a seguinte pergunta:
Não seria mais certo e compassivo
abandonar-se ao fluir da espécie inquieta como um índio calado
ou um cachorro qualquer que se coloca espiando? (ibid., p. 280)
A visão acerca do mundo natural cultivada por Fróes é oriunda da contemplação da natureza em sua concretude viva, extra-humana e, logo, desestabilizadora [xvii]: a partir do “lento crescimento das raízes”, de seus “matizes”, do “intento imprevisível do capim”, da “ilusão preguiçosa das nuvens que desandam” – assim se torna explícita a “nudez de coisas que se entregam à embriaguez da própria criação” (ibid. , p. 72). Abundam índices desse contato íntimo e revelador na poesia de Leonardo Fróes; por exemplo, do poema “Proximidade”, pode-se destacar:
Sinto os toques de carícia quando
a neblina se solidifica em meus ombros.
Ela é o real que me estreita em seus domínios
e o real que liberta ( Fróes : 2005, p. 53)
Dominar e libertar – a propósito, não á raro que o mundo natural apresente, na poesia de Leonardo Fróes, um perfil antitético: a coincidentia oppositorum é uma das características daquilo que o ser humano vislumbra como totalidade [xviii]. O par de opostos em questão merece destaque porque, além de ser, mesmo que de modo indireto, freqüente, nele se inscreve a idéia de que se abandonar ao domínio da natureza total é, simultaneamente, se desprender da consciência de si, da individuação limitadora – é experimentar o “susto de poder se anular” ( Fróes : 1998, p. 71) para, então, ingressar na “participação desmedida entre todos os seres e coisas que naturalmente acontecem” (id., p. 126) e que podem metamorfosear um trator em inseto ou dinossauro, um homem em pássaro ou réptil:
Quando eu me largo, porque achei
no animal que observo atentamente
um objeto mais interessante de estudo
do que eu e minhas mazelas ou
imoderadas alegrias;
e largando de lado, no processo,
todo e qualquer vestígio de quem sou,
lembranças, compromissos ou datas
ou dores que ainda ficam doendo;
quando, hirto, parado, concentrado,
para não assustá-lo, com o animal me confundo,
já sem saber a qual dos dois
pertence a consciência de mim –
– qualquer coisa maior se estabelece
nesta ausência de distinção entre nós:
a glória, a beleza, o alívio,
coesão impessoal da matéria, a eternidade ( Fróes : 2005, p. 29)
Fróes e Ducasse estariam, pois, de acordo quanto à avaliação da idéia de identidade ocidental. “Não há paredes para o grito de se sentir existente” ( Fróes : 1998, p. 67): a consciência de si é uma prisão fictícia; é função do fazer poético, movido pelo pensamento analógico que prescinde de qualquer modelo antropocêntrico, libertar o homem, promovendo
A cultura do êxtase. O encadeamento despojado
dos objetos sem função quando alguém
não se procura, não se ensaia, não tece elogios, não discute (id., p. 299)
A poesia é, em suma, a “exaltação das coisas que se aceitam na inconsciência do êxtase” (ibid., p. 232) – e Leonardo Fróes, de maneira um tanto similar àquela que se pronunciaram os surrealistas acerca da escrita automática [xix], afirma a autonomia do lirismo em relação à subjetividade: “escrevo obedecendo a um registro. A fala que me conscientiza já é estranha totalmente à idéia habitual de quem sou” (ibid., p. 134). A escrita começaria quando “dizer se transformava de repente numa necessidade orgânica” (ibid., p. 329) – ela é “o prazer animal de abandonar-se: uma escrita dos instintos: uma voz na garganta” (ibid.), a “música residual instintiva” (ibid., p. 330).
Mas não se trata de mera entrega: com a visão não-hierarquizada promovida pela contemplação da natureza que não cessa de demonstrar sua própria instabilidade, é possível vislumbrar um atravessamento mútuo entre todos os fenômenos, seres e objetos – atravessamento este que não exclui a porção individualizada do homem:
minha violência afetiva
logo desmanchada em capim
sem mim ou misericórdia (ibid., p. 201)
O afeto convertido em capim – apagamento da subjetividade e, ao mesmo tempo, intervenção da mesma no exterior. O capim não é produto do eu, mas não se mantém o mesmo depois que nele o eu se desmancha e se projeta. Daí o possível intuito de Fróes de redimensionar a famosa frase de Rimbaud, “ je est un autre ”: “eu somos uma espécie de choque”, “eu viramos alguém”, etc. (ibid., p. 153). Mais do que uma total alteridade do eu, que poderia indicar sua inexistência, acentua-se sua dimensão tornada coletiva – o “nós-mim” (ibid.). A “insignificância” dos seres individuais é “perfeita” (ibid., p. 120) exatamente porque não é sinônimo de simples desaparecimento, mas de ingresso em “parte da possibilidade que se articula” (ibid., p. 127) como um “ponto perdido da trama perfeita que não admite definição sobre ela” (ibid.).
Por isso, para Fróes – que mais uma vez parece continuar, mesmo que indiretamente, concepções não exatamente concebidas, mas desenvolvidas e levadas ao paroxismo pelos surrealistas – “TUDO É TUDO” (ibid., p. 159): a poesia, enquanto a faculdade do “também, também” (ibid.), é a linguagem revelando tanto sua potência analógica de equalização do que se apresenta ao homem como diferente, quanto seu caráter prévio, engendrador em relação aos fenômenos, pois dela tudo devém ou pode devir. Num poema que poderíamos chamar de cosmogônico, “Singular de paisagem”, Fróes narra o processo de individuação pelo qual os fenômenos teriam passado, fazendo referência a um período anterior, primordial, quando tudo era tudo porque era um:
Estamos
na primeira manhã do mundo. O frio é tétrico
e os dedos, que são de água,
produzem vales profundos
na pele cheia de fogo da terra. Os elementos
ainda não estão separados, nem as cores.
Nesse quadro primacial da inocência
o sol desperta a criação. Os olhos berram.
Os erros tornam-se evidentes, os choques
inevitáveis porque existem contornos.
Só agora se definem figuras
na trama lenta da qual resultam zonas
de luz e sombra. O espaço
antes nebuloso e equalizado se comporta em fatias
feitas (ibid., p. 254)
Nesta “primeira manhã do mundo”, neste “quadro primacial de inocência”, ainda estão unos os elementos e as cores – até que “o sol desperta a criação”, trazendo os erros e os choques provenientes do fato de que, com a luz, as coisas passam a ter contornos, formas e se definem como figuras individuais visíveis: “os olhos berram”. Surgem, no “espaço antes nebuloso e equalizado”, os opostos – “luz e sombra”. Em suma, são simultâneos os surgimentos da luz, que permite a visão, e das identidades. Este não é o único poema de Fróes que confere à luz um caráter cosmogônico:
Partículas elementares de fogo
num jogo de assimetrias
em contínua circulação no vazio
criam a matéria de tudo
– de todas as sensações, todos os pensamentos,
concreções e vapores, quando executam sua dança,
que a rigor é um derramar de centelhas,
com as curvas primordiais. Se não se tocam,
não se sabe jamais como elas chegam,
com o puro ritmo, a constituir tantas coisas.
Apenas se constata que as formas
resultam das combinações que a luz faz;
que a casa é feita de fagulhas, como o vidro,
a árvore, as pessoas que eu vejo, os caminhões
e até mesmo seu barulho; que vida e arte e
o que mais me rodeia são explosões dessa massa
de signos, de sentimentos em disparada, de cisma
e gozo, dessa realidade anterior que se estende
por todos os redutos, com sua música
feita de atritos circunstanciais de passagem ( Fróes : 2005, p. 97)
Através de combinações aleatórias, circunstanciais, a luz, “partículas elementares de fogo”, cria, do vazio, tudo o que existe – inclusive os pensamentos, as sensações, a vida e a arte, “a matéria de tudo”. “A vida é maior que a gente e mais do que a gente espia” ( Fróes : 1998, p. 285), e “provavelmente existe um rombo sem forma no espaço casual sem razão” (ibid., p. 154): Leonardo Fróes não vai se cansar de pôr a percepção visual em dúvida [xx] e, como Lautréamont e os surrealistas, tentará libertar os objetos, esvaziado-os de sua identidade, na procura por uma “alegria do escuro” (id., p. 74). Dessa tentativa de “agarrar o sem corpo”, dessa “perseguição grotesca do invisível” (ibid., p. 67), por vezes, podem restar formatos que, invocando a presença do fenômeno que a consciência espera, acabam por acentuar sua ausência:
Existe o lago, ou seja, sua forma íntima, sua doce concavidade de cratera vazia, no topo da montanha; mas não existe nem se vê água dentro, não se completando, portanto, nessa forma, a idéia de existir um lago no topo. (…) seja o que for que tenha sido – lago, cratera, obra – dir-se-ia que é a forma pura ( Fróes : 2005, p. 93).
Não é preciso deter-se na aproximação entre o objet caché de Ducasse e seus seguidores e tal “forma pura”: ambos seriam instâncias em que o objeto abandona sua configuração ordinária e, graças a isso, acaba por amplificar seu status de objeto, tornando-se “uma ausência feliz atomizada” ( Fróes : 1998, p. 308), um “rosto sem resto sem pista sem figura composta” (id., p. 231). “A mulher esvaziada emudece, dessangra, se cristaliza, se mineraliza. Já é quase de pedra como a pedra a seu lado” (ibid., p. 318): esvaziados, os objetos e os corpos podem se metamorfosear, sofrer “algo como o derretimento casual das próprias formas, anulação de macho e fêmea, árvore e cabeleira, capim com sono, falta de vontade específica na concentração muscular de um desejo imenso de tudo” (ibid., p. 297).
Vejo uma orelha que é uma concha que é uma folha enrolada que é um lençol até o queixo para servir de casulo. Ali nos pulos de contentamento vejo essa transformação dos joelhos em dunas preguiçosas ligadas por fiapos de luz. Vejo a continuidade das coisas que são cacos derramados se sensações progressivas na variedade infinita dos estados orgânicos (…). Vejo uma linha que é uma agulha que é uma pilha de nervos que é uma haste de sêmen que é uma confortável cratera que é uma nesga sem fim (ibid., p. 261).
Impõem-se, assim, possibilidades diversas para o corpo: “há pessoas inteiras que se desagregam agora. E em seu lugar surgem narizes de águia, olhos de coruja, queixos de lobo” (ibid., p. 273). “Havia tufos de cabelos esparsos que viravam moitas ou árvores. Na geografia da careca, viam-se veias que eram rios, e os piolhos que eu andava catando, nesse novo contexto, pareciam tão grandes quanto animais na floresta” (ibid., p. 242). Para o poeta que se torna “um navegante do possível” (ibid., p. 73) e que põe “os remos da imaginação ao trabalho”, “o bote” pode ser “uma extensão do corpo e do sonho” (ibid., p. 315), como se sentisse “feito de um material muito elástico que permite uma adaptação instantânea ao contorno oferecido pelas situações” (ibid., p. 283).
Como não é restrita ao homem a capacidade de se transformar, da mesma forma que vimos no Chants de Maldoror , de um pastel de queijo podem sair “pernas bonitas de garotas fritas” (ibid., p. 294); “sapatos de feltro” podem se reconfigurar como “canoas que bóiam na confusão do asfalto” cheias de “mariscos” fincados no casco que não passam de “tampas de cerveja e pontas de cigarro” (ibid., p. 292); uma beterraba pode ter seios e um repolho, “múltiplas orelhas” (ibid., p. 286); e uma “maciça brotação de capim” pode eclodir “entre as costelas” (ibid., p. 231). Aliás, são numerosas as mutações vegetal-humanas, talvez porque as plantas explicitariam a continuidade metamórfica característica da vida:
Incertos os galhos tortos, você
vê, armam-se como esqueletos
de silenciosa e fria carnadura
como se, no escuro, de cada galho
surgissem numerosas pessoas
vendo você observá-las na sua
desabitada languidez vegetal
de pessoas nuas resinosas
querendo corporificar sem poder
gestos aflitos, ritos solitários
músicas de imperceptível tremor (ibid., p. 270)
A noção de uma vida que brota convulsivamente, e que também convulsivamente pode ser contemplada por um “olho calado” – aquele que não indaga, não procura entender, não impõe formas limitadas [xxi] –, aparece explícita no poema “Mulheres de milho”:
Milhares de mulheres de milho
brotam do meu olho calado como espigas
fortes. No ar elas se endireitam
como folhudas criaturas carnosas
que ao vento se transmudam, de fêmeas,
em formosos penachos machos.
Acho graça na cruza: penso nisso
que é ser mulher a passo
de, sob a vertigem solar, virar confusa
hibridação. Abro-me. Brinco
de me dar. Rapto-me e opto-me
como se eu mesmo fosse me comer inteiro
enquanto as coisas simplesmente nascem. (ibid., p. 89)
É resultante de associações de ordem sonora – no caso, aliterações – a “confusa hibridação” que rompe as fronteiras entre os reinos e os sexos: tudo ocorre “sob a vertigem solar”, sob um sol que não traz a luz engendradora das identidades contraditórias.
III – Considerações finais
O presente estudo não pretendeu encontrar supostas fontes diretas da poética de Leonardo Fróes na obra de Lautréamont, muito menos na dos surrealistas. Até mesmo porque, sabe-se, Fróes é um ávido leitor dos românticos, e estes constituíram a base das concepções desenvolvidas por todos os grandes nomes da poesia moderna – entre eles, Ducasse, Breton e seus companheiros: impõe-se a possibilidade de que as poéticas em questão apresentem similaridades por simplesmente recuarem a origens comuns [xxii]. Nossa proposta, que fique explícita, foi simplesmente estabelecer diálogo entre as concepções acerca da metamorfose do corpo presentes nas líricas de Fróes e Lautréamont, e, conseqüentemente, dos surrealistas. Diálogo este que se demonstrou não apenas cabível como profícuo, por mais diferentes que sejam os contextos em que se situam as idéias postas em relação – cabe retomar, de passagem, o intuito ducassiano de subverter os paradigmas naturalistas da ciência do século XIX e a relevância que uma poesia assim concebida apresentou para os surrealistas nas caóticas primeiras décadas do século seguinte, ao passo que, na poética de Leonardo Fróes, a ruptura para com os ideais antropomórficos se articule, de modo imediato, com seu interesse pelo pensamento ecológico e por sua relação contemplativa com a natureza. As obras de Ducasse, dos surrealistas e de Fróes se empenham na libertação do homem das amarras antropocêntricas, luta que se traduz poeticamente no redimensionamento – e não na mera destruição – das formas humanas. A crise do antropomorfismo acabou por oferecer ao homem diversas possibilidades mórficas – e estas acabaram se estendendo a outros seres e também a objetos, graças ao fato de que as poéticas da metamorfose detonam qualquer possibilidade de centro, de origem e de modelo.
Bibliografia :
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_____. Poesia e Possessão Extática na obra de Leonardo Fróes . In: Revista Garrafa . Rio de Janeiro, n. 6, maio–agosto de 2005. Disponível em: http://www.letras.ufrj.br/ciencialit/garrafa6/14.htm .
Notas:
i. Talvez caiba, já, assinalar que “a questão da insuficiência da tradicional visão antropocêntrica atravessa toda a cultura européia. Pelo menos desde o século XVI, a ciência e a filosofia, recorrendo a autores clássicos, lançam-se ao debate sobre a pluralidade dos mundos e das formas de vida, que ganhará vigor nos séculos seguintes. (…) A partir de meados do século XVII a noção de centralidade do homem no universo tende a perder sentido, sobretudo com a expansão da anatomia comparada (…). Grande parte dos cientistas e filósofos passam a refutar abertamente a legitimidade de um ponto de vista antropocêntrico, enfraquecendo sobremaneira a doutrina ortodoxa da singularidade humana” ( Moraes : 2002, p. 81). Destacam-se nesse grupo os pensadores céticos e libertinos, que se recusaram a “acatar a idéia de um universo construído para o homem e em função do homem” (id., pp. 81-82). Por fim, a crítica ao antropocentrismo ganhará intensidade no pensamento materialista francês do século XVIII – a partir do qual ela chega a Sade, “que dela se serve para justificar seus princípios” (ibid., p. 82). Afirmando a “equivalência entre todos os seres do universo sem conferir nenhum privilégio ao homem”, Sade “anuncia o intento de ‘desumanização' que será perseguido por Nietzsche, Artaud, Roussel, Breton ou Bataille” (ibid.p. 83).
ii. A questão do êxtase lírico na poesia de Leonardo Fróes fora desenvolvida em Souza Junior , Mauro Cezar. Poesia e Possessão Extática na obra de Leonardo Fróes . In: Revista Garrafa . Rio de Janeiro, n. 6, maio–agosto de 2005. Disponível em: http://www.ciencialit.letras.ufrj.br/garrafa6/14.html.
iii. O ponto de partida da negação do ideal antropomórfico no campo das artes estaria nas “duplicações da identidade, amplamente tematizadas no romantismo” ( Moraes : 2002, p. 21; cf. também o capítulo V da mesma obra, pp. 93-106).
iv. Além do “desejo profundo que instiga o ser humano a indagar os limites de sua condição” e da necessidade de “demarcar as fronteiras da humanidade” – questões que acompanhariam o homem desde muito –, a maneira obsessiva e urgente com a qual a possibilidade da metamorfose fora retomada e redimensionada pelos artistas no início do século XX deixa explícito que teria ela se tornado uma “necessidade violenta”, posto que “a cena simbólica confrontava-se com os ímpetos destrutivos que assaltavam a cena histórica” ( Moraes : 2002, p. 87). “Não foram poucas as razões que levaram a geração modernista a formular parâmetros de uma ‘estética desumana': primeiro, como oposição radical aos discursos humanistas que, na sua afirmação abstrata do homem, desconsideravam a singularidade concreta dos seres; segundo, como resposta às cenas de horror que se rotinizavam, evidenciando a falta de sentido de um mundo em que a ameaça de desintegração sugeria uma negação das forças vitais até então desconhecida. Por último, como reflexão sobre as fronteiras entre o humano e o inumano, dada a urgência histórica de repensar esses limites e, desse modo, criar possibilidades de reconsiderar a noção de totalidade e (…) de conferir um novo sentido à vida” (id., p. 89).
v. Com a inserção de um critério arbitrário no processo de aproximação de duas realidades, os surrealistas se afastaram das teorias de Pierre Reverdy, em cujos fragmentos de 1918 afirma-se que, embora a imagem poética seja “pura criação do espírito”, não podendo nascer da comparação, mas da “aproximação de duas realidades mais ou menos distantes”, sua força reside na exatidão dessa aproximação ( Reverdy apud Moraes : 2002, p. 41). Contrariando tal noção de exatidão, apoiado em Lautréamont, Breton apostava com convicção que “a imagem mais forte é aquela que apresenta o mais elevado grau de arbitrariedade” e, portanto, “aquela que demanda mais tempo para se traduzir em linguagem prática” ( Breton apud Moraes : 2002, p. 41). Daí Louis Aragon acreditar que a imagem poética poderia acarretar no campo da representação “perturbações imprevisíveis” e “metamorfoses”, “pois cada imagem, a cada vez, vos força a revisar todo o Universo. E há para cada homem uma imagem a encontrar que aniquila todo o Universo” ( Aragon apud Moraes : 2002, p. 42).
vi. Na busca por uma técnica de composição poética em que a linguagem se libertasse de qualquer imposição, ou pretensão de imposição, da individualidade que escreve, os surrealistas desenvolveram a chamada “escrita automática”, a partir da qual seria possível expandir a realidade, alcançando-se resultados surpreendentes não apenas para o leitor, mas também para o próprio criador ( Moraes : 2002, p. 42). Encontramos aqui mais um exemplo moderno do caráter submisso assumido pelo poeta diante da linguagem; já abordamos a questão no nosso já referido estudo: Souza Junior , Mauro Cezar. Poesia e Possessão Extática na obra de Leonardo Fróes . In: Revista Garrafa . Rio de Janeiro, n. 6, maio–agosto de 2005. Disponível em: http://www.letras.ufrj.br/ciencialit/garrafa6/14.htm .
vii. As técnicas criadas por Max Ernst com o intuito de transpor para o campo das artes visuais a noção de escrita automática talvez tornem mais clara a noção de invenção surrealista ( Moraes : 2002, p. 45). “Encontro fortuito de duas realidades distantes em um plano não pertinente” ( Ernst apud Moraes : op. cit., p. 44): a definição dada pelo artista explicita que a colagem, de maneira bastante similar ao que ocorre nos poemas de Breton, Soupault e outros, desviaria os elementos constituintes de seus sentido, destino e identidade previsíveis, despertando-os para uma “realidade nova e desconhecida” ( Moraes : op. cit., p. 44). É notória, aliás, a diferença entre as colagens cubista e surrealista: na primeira, de que são exemplos clássicos os papiers-collés de Braque e Picasso, “o objeto colado era o ponto de partida da organização do quadro, comprometido com a sintaxe da tela”, num procedimento que, “segundo Aragon, era excessivamente preso aos referentes” e “motivado por uma intenção realista”. (id., p. 45). Na colagem surrealista desenvolvida por Max Ernst, por outro lado, “os elementos empregados funcionavam como metáfora”, pois, em conjunto, constituiriam uma “materialização do imaginário” (ibid.), evocando – e assim se compreende o fato de ter Ernst chamado tal técnica de “alquimia visual” – “o milagre da transfiguração total de seres e objetos, através da modificação de seus aspectos físicos e anatômicos ou não” ( Ernst apud Moraes : op. cit., p. 45). A tarefa não é “simplesmente desfigurar, produzindo alterações”, mas “transfigurar, operando metamorfoses de seres e objetos” ( Moraes : op. cit., p. 45). São contemplados, assim, ambos os pólos entre os quais oscila o pêndulo da invenção segundo os surrealistas: a colagem “supõe um material preexistente, já dado, mas sempre passível de ser deslocado até o ponto de se converter em outra realidade” (id.). A alquimia visual de Max Ernst alcançou, em 1925 sua “forma mais acabada” quando o artista, baseado em técnicas desenvolvidas por Da Vinci, “decidiu aplicar uma folha de papel às ranhuras de um soalho e esfregá-la com um lápis a fim de obter um decalque”: nascia a técnica batizada de frotagem, uma “interrogação à matéria” a partir da qual “surgiu um mundo estranho, povoado por seres imaginários, cabeças humanas, vapores, minerais e vegetais (ibid.).
viii. Breton chegou a sugerir uma leitura para a famosa imagem dada por Lautréamont: recuando até os símbolos sexuais mais elementares, o guarda-chuva seria o homem, a máquina de costura a mulher, a mesa de dissecação a cama ( Moraes : 2002, p. 48). Também Max Ernst seguirá por tal caminho: os objetos, retirados de seus contextos previsíveis e redimensionados, “abandonarão por completo seu destino previsível e sua identidade, passando de seu falso absoluto, por uma série de valores relativos, para um absoluto novo, verdadeiro e poético: o guarda-chuva e a máquina de costura farão amor” ( Ernst apud Moraes: 2002, p. 48). A interpretação sugerida não é apenas cabível para os surrealistas: é previsível, porque, além de confirmar seus “anseios de uma poesia na qual ‘as palavras fariam amor'” ( Moraes: 2002, pp. 48-49), reafirma a visão cultivada por Breton e seus companheiros em relação ao encontro amoroso como a “expressão modelar da ocorrência do acaso objetivo” (id., p. 48). “A exemplo do que acontece na criação da imagem poética, também os amantes estariam sujeitos às exigências do desejo”, superando suas identidades e seus destinos individuais (ibid.).O que talvez soe limitado nessa interpretação da frase dos Chants de Maldoror advém do ideal surrealista do amor único e recíproco entre um homem e uma mulher (ibid., p. 51), ao passo que a sexualidade ducassiana seria mais complexa, englobando práticas homossexuais e até mesmo zoófilas – que não deixam de ser modalidades da metamorfose aplicados à ordem sexual (cf. Willer , in: Lautréamont : 1997, pp. 25-26, 33). Também na poesia de Leonardo Fróes é possível encontrar dados eróticos que extravasam o padrão; vale mencionar aqui um trecho do poema “Amor no mato”, no qual se diz que o prazer sexual “só se tornava mais forte e se completava quando, em vez de guardado como um valor qualquer mofado, era dado no escuro pelo pênis, em comunhão com o gozo das espécies ( Fróes : 2005, pp. 41-42).
ix. Note-se que “uma tal similitude entre a transmutação alquímica e as metamorfoses da imagem poética já se fazia ler nas ‘correspondências' de Swedenborg e de Baudelaire, na ‘alquimia do verbo' de Rimbaud, ou no ‘demônio da analogia' de Mallarmé. Com o surrealismo, porém, ela atingiu sua maior evidência” ( Moraes : 2002, pp. 77-78), funcionando “como um dos pontos terminais de uma consciência que vinha se formando desde o século XIX com o romantismo” (id., p. 80).
x. “Velho conceito, familiar à ciência grega, o pensamento analógico foi, segundo Michel Foucault, uma das principais figuras do saber da semelhança que, até o século XVII, desempenhou um papel essencial na cultura do Ocidente. A partir de um mesmo ponto, valendo-se de ajustamentos, liames e junturas, a analogia podia tramar um grande número de parentescos, multiplicando-os indefinidamente. Esse caráter de reversibilidade e polivalência conferia a ela um campo universal de aplicação, na medida em que permitia a aproximação de todas as figuras do mundo” ( Moraes : 2002, p. 78).
xi. Bataille – tendo observado que “os seres só morrem para voltar a nascer” ( Bataille apud Moraes : 2002, p. 84) e, a partir daí, comparado o ciclo da vida à atividade erótica “dos falos, que saem dos corpos para a eles retornarem” (id.) – afirmava a “metamorfose contínua a que todos os seres estão sujeitos, tendo por base a idéia de que o universo é regido por dois movimentos fundamentais, o rotativo e o sexual” ( Moraes , op. cit., p. 84). Haveria, portanto, uma “gravidade ontológica” na transformação: “não são apenas as imagens do mundo moderno que obedecem ao ritmo de transitoriedade e de instabilidade, mas a própria condição do homem, colocado num universo em constante metamorfose” (id.). Esse “materialismo cósmico” de Bataille encontra sua origem em Sade, que, “elevando a destruição à condição de ato criador”, “insiste na idéia de que a morte não passa de modificações da matéria, de transformações de um estado em outro” (ibid.) – de “simples transmutação, que tem por base o perpétuo movimento, nada mais sendo que uma passagem imperceptível de uma existência à outra” ( Sade apud Moraes , op. cit., p. 85). Bataille destaca que o pensamento de Sade “funda-se numa experiência comum: a sensualidade (…) é despertada não somente pela presença, mas por uma modificação do objeto possível” ( Bataille apud Moraes , op. cit., p. 85). “Não é, portanto, a destruição que se sublinha aqui, mas a possibilidade de transformação” ( Moraes , op. cit., p. 85).
xii. “Partindo da interpretação de Bachelard aos Chants de Maldoror , talvez se possa afirmar que os modernistas oscilaram entre esses dois caminhos: de um lado, o destino destrutivo da metamorfose que teria sua versão solar em Sade e sua versão noturna em Kafka; de outro, o desejo de ultrapassar as fronteiras humanas para tomar posse de novos psiquismos expresso na obra de Lautréamont” ( Moraes : 2002, p. 86).
xiii. Também quanto a esse ponto, o método analógico reabilitado pelo surrealismo, preterindo a descrição detalhada dos aspectos visíveis proposta pela ciência clássica, pretendia “investigar o funcionamento global dos organismos animais, atendo-se às funções normalmente negligenciadas pela zoologia e pela botânica, tais como a camuflagem, o mimetismo e a simbiose” ( Moraes : 2002, p. 109).
xiv. Nos Chants de Maldoror , podem ser encontrados grilos e sapos que conversam ( Lautréamont : 1997, p. 213) e uma coruja igualmente falante (id., p. 227). Maldoror, em determinada passagem, se dirige aos homens, dizendo: “não sede tão presunçosos (…) a ponto de acreditar que sois os únicos possuidores da preciosa faculdade de traduzir os sentimentos do vosso pensamento” (ibid., p. 213). “Todos os gostos estão na natureza” (ibid., p. 170): até mesmo a poesia é algo que extravasa a esfera humana – diz Lautréamont que ela se encontra “em todo lugar onde não estiver o sorriso, estupidamente zombeteiro, do homem” (ibid., p. 226). Noutro trecho dos Chants , o fazer poético é colocado como algo comparável às produções do chamado instinto animal (ibid., p. 195). Já foi considerada a possibilidade de uma “linguagem selvagem” presente na poesia quando da proposição de um diálogo entre as poéticas de Leonardo Fróes e Gary Snyder – cf. Souza Junior , Mauro Cezar. “O Chamado Selvagem da Sobrenatureza: Leonardo Fróes e Gary Snyder”. In: Revista Garrafa . Rio de Janeiro, n. 8, janeiro–abril de 2006. Disponível em: http://www.ciencialit.letras.ufrj.br/entrelugares/maurocezar.htm .
xv. “A justaposição de elementos não se restringe contudo ao mundo natural: a contaminação estende-se aos objetos inanimados que, combinados a outras realidades, também passam a reclamar algumas prerrogativas da vida” ( Moraes : 2002, p. 113).
xvi. Daí decorre o interesse que os surrealistas cultivaram pelos chamados “animais paradoxais”, como o louva-deus e o ornitorrinco, cujos fenótipos híbridos explicitariam a ancestralidade comum de todos os seres vivos ( Moraes : 2002, p. 112).
xvii. Sabe-se que, além da poesia, da tradução, da crítica e do jornalismo, Leonardo Fróes se dedica ao montanhismo, à plantação e outras tantas atividades que lhe oferecem contato direto com o ambiente natural. Sua mudança para o bairro rural de Secretário, no município de Petrópolis (RJ), deu-se muito pelo interesse por tornar cotidiana a contemplação da natureza.
xviii.Coincidentia oppositorum era, para Nicolas de Cusa, a definição menos imperfeita de Deus, pois implicava na união dos contrários de que resultaria a totalidade ( Eliade , Mircea: 1991, p. 80). A mesma idéia já se encontrava em Heráclito: “Deus é dia noite, inverno verão, guerra paz, saciedade fome: isso quer dizer todos os opostos” (cf. id., n. 2).
xix. O diálogo entre a escrita automática e as concepções de Leonardo Fróes acerca da ruptura com a subjetividade lírica merece um estudo mais aprofundado que, no entanto, imporia uma série de problemas, quase todos advindos do fato de Fróes não ter demonstrado, nem em sua obra, nem em sua biografia, qualquer interesse direto pelas práticas surrealistas, ao contrário de alguns poetas de sua geração – como os paulistas Roberto Piva e Cláudio Willer – responsável, aliás, pela tradução dos Chants de Maldoror utilizada no presente trabalho –, além de Sérgio Lima, criador do Grupo Surrealista de São Paulo.
xx. Mais um ponto que já desenvolvemos no já referido Souza Junior , Mauro Cezar. Poesia e Possessão Extática na obra de Leonardo Fróes . In: Revista Garrafa . Rio de Janeiro, n. 6, maio–agosto de 2005. Disponível em: http://www.ciencialit.letras.ufrj.br/garrafa6/14.html . Cf., também, a resenha que escrevemos para último livro de poesias de Fróes: “A insistência na imprevisibilidade: Leonardo Fróes e o Chinês com sono ”. In: Revista Germina , março de 2006. Disponível em: http://www.germinaliteratura.com.br/literatura_esp_froes12.htm .
xxi. “Viva invoque vislumbre invente mas não pergunte nada” ( Fróes : 1998, p. 72).
xxii. Outra possibilidade que justificaria tais similaridades reside na admiração cultivada por Leonardo Fróes pela poesia de Murilo Mendes, que incorporou em parte de sua obra alguns elementos do surrealismo.